ISSN 1806-9312  
Quinta, 25 de Abril de 2024
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2441 - Vol. 66 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 2000
Seção: Relato de Casos Páginas: 167 a 170
MASSA CERVICAL ATÍPICA EM CRIANÇA.
Autor(es):
José F. Lubianca Neto, M.D.*,
Ben Z. Pilch, M. D.**,
Roland D. Eavey, M. D.***.

Palavras-chave: cisto de duplicação laríngea, massa cervical, crianças

Keywords: laryngeal duplication cyst, neck masses, children

Resumo: Reporta-se o caso de lactente, com 19 meses de idade, que se apresentou com massa cervical assintomática de dois meses de evolução e que foi submetida a cirurgia. Os achados clinico-patológicos foram consistentes, com cisto de duplicação laríngea. Apresenta-se revisão do diagnóstico diferencial e das características histopatológicas do cisto de duplicação laríngea.

Abstract: A 19-month-old female who presented with a mo month history of an asymptomatic neck mass and who underwent surgery is reported. The clinicopathologic findings are consistent, with a laryngeal duplication cyst. A review of the differential diagnosis and histopathologic characteristics of laryngeal duplication cyst is presented.

INTRODUÇÃO

Mais de 50% das massas cervicais necessitando terapia cirúrgica têm origem congênita, e usualmente apresentam-se como tesões císticas2. As duas massas cervicais congênitas mais comuns são o cisto branquial e o cisto do dueto tireoglosso9. Embora raros, os cistos de duplicação laringotraqueal também devem ser incluídos no diagnóstico diferencial das massas cervicais em crianças, especialmente em massas de localização cervical baixa. De acordo com nossa revisão bibliográfica, existem poucos casos já relatados3, 1.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Lactente do sexo feminino, com 19 meses de idade, apresentou-se core uma massa cervical de dois meses de evolução. A massa apareceu subitamente e teve um ritmo de crescimento acelerado nas duas últimas semanas. Até então, não tinha apresentado nenhum outro problema de saúde. Não se apresentava com alterações de voz, respiração ou deglutição. Não havia realizado qualquer viagem exótica ou se exposto a gatos ou a tuberculose, e nem tinha ingerido carne crua ou mal-passada.

No exame físico, chamava atenção uma massa amolecida de aproximadamente 4 cm de diâmetro, móvel e localizada na região do terço inferior do músculo esternocleidomastóideo direito. A massa podia ser deslocada látero-medialmente, desde para baixo do músculo esternocleidornastoideo até tão medialmente a ponto de simular um cisto do dueto tireoglosso, por ficar totalmente na linha média. A região não era dolorida e não havia alterações da pele que recobria o cisto, Não se notava qualquer outro achado anormal.

O estudo ultrassonográfico demonstrou uma massa cística com margens bem limitadas e paredes delgadas na região inferior direita do pescoço que media 2,7 cm x 1,1 cm x 2,8 cm. Visualizavam-se poucas septações. Havia também material ecogênico dentro do cisto, que se movia, e alterava sua configuração, achado consistente com fluido proteináceo. Não havia fluxo sangüíneo anormal na massa ou ao seu redor. A massa localizava-se medial e posteriormente à margem anterior do músculo esternocleidomastóideo, assim como anterior aos músculos infra-hiodeos direitos e à artéria carótida. Topagraficamente, a massa localizava-se superiormente e separada do lobo direito da tireóide e inferior ao nível da laringe. A glândula tireóide era normal. Os achados citados acima foram considerados consistentes, com um cisto, e a conclusão foi a de que a localização e as características apontavam para cisto branquial.

Realizou-se tomografia contrastada do pescoço, que mostrou uma estrutura cística de 12 mm, predominantemente unilocular e localizava-se posteriormente ao músculo esternocleidomastoideo, anterior à jugular e à carótida, e ântero-lateral aos músculos intrínsecos do pescoço. O lobo direito da glândula tireóide estava minimamente deslocado medialmente, região onde a massa localizava-se na área paratraqueal direita. As bordas da massa contrastaram uniformemente. O radiologista concluiu, baseado na densidade baixa e homogênea dentro da lesão, que a massa provavelmente representaria um cisto tímico ou um higroma cístico.

A paciente foi submetida a laringoscopia direta e hipofaringoscopia seguida de excisão da massa cervical, com biópsia por congelação. A laringe e o esôfago cervical estavam normais e não havia abertura nos seios piriformes. A amígdala palatina direita parecia estar livre de qualquer tipo de abertura ou fístula. Foi feita uma incisão cervical baixa, para abordar o aspecto inferior da massa. A lesão inicialmente pareceu superficial; porém, após, identificou-se que se extendia profundamente até a região paratraqueal direita. Não foram encontradas conexões entre a massa e a traquéia. A massa era multilobulada, com uma proeminência na área esférica principal. A lesão foi removida intacta. Realizou-se o exame histopatológico por congelação, a qual excluiu algumas lesões císticas, como o cisto dermóide, cisto tímico e o higroma cístico, devido ao fato de ter-se identificado um cisto benigno revestido por epitélio ciliar. Entretanto, não pôde ser feita diferenciação entre cisto branquial e cisto tireoglosso. Dessa forma, tomou-se a decisão de se remover a porção medial do osso hióide. A cirurgia não teve qualquer complicação.

Ao exame anátomo-patológico, encontrou-se um cisto preenchido por material mucóide, opaco e de cor marrom. O cisto era revestido internamente por um epitélio que era, na grande extensão, de tipo respiratório; e, em pequenas áreas focais, de tipo escamoso (Figuras 1 e 2). O revestimento epitelial parecia focalmente ulcerado, com presença de inflamação aguda e crônica. A parede cística continha tecido fibroso e, focalmente, músculo esquelético. Foi identificado um foco de cartilagem elástica profundo ao revestimento epitelial, associado com glândulas sero-mucosas e tecido linfóide com centros germinativos (Figuras 1, 3 e 4). A cartilagem e as glândulas eram remanescentes de epiglote (Figuras 3 e 4). Os achados patológicos foram considerados reais compatíveis com cisto de duplicação laríngea.

Três meses após a cirurgia, a incisão no pescoço já tinha cicatrizado totalmente, com mínima seqüela estética. A laringe parecia normal, quando visualizada através do nasofibrolaringoscópio. O paciente estava assintomático, sem sinais de recorrência do cisto.

COMENTÁRIOS

Não existe concordância na literatura a respeito da nomenclatura dos cistos de duplicação laríngea. Alguns relato referem-se a eles como cistos de tubo alimentar, porque eles se desenvolvem como aberrações do tubo intestinal primitivo1.



Figura 1. Cisto cervical com cartilagem elástica subepitelial, glândulas seromucosas e centros germinativos linfóides.



Figura 2. O revestimento epitelial interno do cisto é focalmente escamoso (à esquerda, na figura) e focalmente respiratório (à direita, na figura).



Outros sinônimos incluem cisto de duplicação esofágica4, cisto entérico1, cisto traqueal5 e cisto broncogênico6. A ausência de cartilagem sugere que o cisto provém do esôfago, e a presença de cartilagem é consistente com duplicação da via aérea. A diferenciação entre cistos laríngeo e traqueal pode ser impossível, mas pode ser ajudada pela presença de epitélio escammoso não-queratinizado e/ou cartilagem elástica em um epitélio laríngeo e respiratório e/ou cartilagem hialina em um cisto traqueal.

O diagnóstico de um cisto de duplicação laringotraqueal é baseado na história, exame físico, imagem radiográfica, identificação cirúrgica de um tracto cístico, quando possível, e exame histopatológico da parede cística. A apresentação na região inferior do pescoço e a localização paratraqueal na tomografia computadorizada são sugestivas do diagnóstico. Existem outras lesões raras que podem ser consideradas no diagnóstico diferencial do cisto de duplicação laríngea. Embora cistos tireoglossos e branquiais possam apresentar-se em raras ocasiões como massas cervicais baixas8, outras etiologias são mais comuns nessa localização. Elas incluem cistos tímicos, tireóideos e paratireóideos, higroma cístico, tumores malignos primários e metastãticos (raros em crianças), teratomas, cistos dermóides, coristoma, tumores de bainha nervosa e lipoma7.

O diagnóstico final, entretanto, requer exame histopatológico das paredes do cisto, seguindo a resseção cirúrgica. Os casos de cistos de duplicação laringotraqueal já relatados mostraram características similares, com uma cavidade cística central revestida por epitélio variando de respiratório ciliado até escamoso estratificado não-queratinizado.



Figura 3. A cartilagem elástica está perfurada, com glândulas seromucosas no espaço intercartilaginoso, reminescente de cartilagem epiglote.



Figura 4. Fibras elástica atravessando a matriz cartilaginosa.



Nos quatro casos relatados, incluindo o caso aqui apresentado, identificou-se cartilagem. No presente caso, a cartilagem era elástica, sugestiva de epiglote reminescente. Outras condições nas quais pode aparecer cartilagem nos tecidos moles do pescoço incluem cistos de dueto tireoglosso, restos branquiais, condromas extraesqueléticos, adenoma pleomórfico de glândulas salivares, teratoma, coristoma e processos metaplásicos10. Essas entidades acima citadas são diferenciadas da etiologia do caso aqui relatado pela localização diferente e pelas características histológicas.

Em conclusão, reporta-se um caso de uma lactente que se apresentou com uma massa assintomática no pescoço e que foi submetida a exérese cirúrgica, tendo achados histológicos compatíveis com cisto de duplicação laríngea, baseando-se no tipo de epitélio revestindo a parede interna do cisto e a presença de cartilagem elástíca e glândulas seromucosas. Embora muito raros, os cistos de duplicação laringotraqueal devem ser incluídos no diagnóstico diferencial de massas cervicais baixas de origem congênitas em lactentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Assistente do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia, da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica, do Hospital da Criança Santo Antônio (Serviço de Otorrinolaringologia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre), Porto Alegre/ RS - Brasil. Ex-fellow da Divisão de Otorrinolaringologia Pediátrica do Massachusetts Eye & Ear Infirmary, Boston, MA, Estados Unidos.
** Departments of Otolaryngic Pathology, Massachusetts Eye & Ear Infirmary and Pathology, Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School, Boston.
*** Director Pediatric Otolaryngology, Massachusetts Eye and Ear Infirmary; Associate Professor, Department of Otolaryngology, Harvard Medical School, Boston.

Endereço para correspondência: Dr. José Faibes Lubianca Neto - Rua Corte Real, 122, Apto. 603 - 90630-080 Porto Alegre/ RS - Brasil. Telefone/Fax: (0xx51) 346-3831 - E-mail: Lubianca@zaz.com.br
Dr. José Faibes Lubianca Neto recebeu bolsa de doutorado sanduíche da CAPES - Brasília, Brasil, durante seu fellowship nos Estados Unidos.
Artigo recebido em 3 de maio de 1999. Artigo aceito em 21 maio de 1999.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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