INTRODUÇÃOA LAUP (Laser assisted uvulopalatoplasty) é uma técnica já reconhecida para tratar o ronco e a síndrome de apnéia obstrutiva do sono de grau leve (SAOS) 1, 4, 7, 9, 10.
Desde que se iniciou a LAUP, a dor tem sido o principal problema no pós-operatório, sendo este de difícil controle, resultando em falta de aceitação por parte do paciente, imitando a continuação do tratamento4.
O laser produz uma vaporização térmica superficial da mucosa palatal, deixando no local da cirurgia uma área cruenta, onde se desenvolve um processo inflamatório agudo. Como em toda inflamação aguda, observa-se vasodilatação de pequenos vasos, formação de exsudato e depósito de células inflamatórias, como polimorfonucleares e liberação de mediadores da inflamação. Nas etapas iniciais da inflamação aguda, o pH do exsudato é quase normal (pH de 7,2 a 7,4), com predomínio de polimorfonucleares; mas, em etapas ulteriores, acidifica-se o meio devido à formação de ácido láctico decorrente do incremento do metabolismo celular, caindo o pH a valores de 6,8 a 7,1; nestas condições, as células são substituídas preferentemente por macrófagos; porém, se nesse exsudato o pH atingir um valor menor que 6,7, os leucócitos são transformados em secreção purulenta geralmente amarelada. Esta secreção, além de conter detritos e polimorfonucleares, tem também mediadores químicos da inflamação, principalmente histamina, leucotrienos e bradicinina responsáveis pela estimulação química dos receptores e terminações nervosas livres.5 Essa secreção purulenta passa a ser colonizada por germes bacterianos saprófitos residentes na orofaringe, como estreptococo alfa hemolítico, esiafilococos (coagulara negativos), anaeróbios, diplococos gram negativos, lactobacilos, difteróides, bacteriodes (melaninogenicus), e algumas fusobacterias. Estes microorganismos saprófitos tornam-se agressores por alteração da microecologia local, perpetuando o processo inflamatório infeccioso8, 11, 12.
O objetivo deste trabalho foi estudar o controle da dor pós-operatória em pacientes operados de LAUP, com antibiótico tópico associado a esquemas de analgesia tradicional.
MATERIAL E MÉTODOForam estudados prospectivamente 32 pacientes de ambos os sexos submetidos a LAUP por ronco e SAOS no ambulatório de ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), com idades compreendidas entre 23 e 70 anos, no período de julho a dezembro de 1999.
O procedimento em todos os pacientes foi efetuado em posição sentada, sob anestesia local com 2.5 ml de lidocaína por infiltração no palato mole. A LAUP foi realizada pela técnica de Coleman,2 que consiste na diminuição do comprimento da úvula por vaporização, e na confecção de duas fendas laterais à úvula, estendendo-se 1 a 2 cm vertical e superiormente desde o borde do véu palatal, formando assim uma neo úvula.
Para efeitos de estudo, este universo de sujeitos foi dividido em dois grupos de 15 pacientes cada:
o Grupo controle: Pacientes que imediatamente após a cirurgia receberam diclofenaco sódico de 75 mg por via intramuscular e prescrita no pós operatório igual medicação de 50 mg por via oral de 8/8 horas, dipirona de 500 mg por via oral de 8/811, a ser tomada no intervalo do diclofenaco sódico (411 após), benzocaína em spray(anestésico tópico) aplicada no local operado antes das refeições, quando necessário, e gargarejos freqüêntes.
o Grupo problema: Pacientes que receberam idêntica medicação analgésica sistêmica, tópica e gargarejos, à qual foi adicionada rifocina em spray(antibiótico tópico) de 4/4 horas, a ser aplicada diretamente no local da cirurgia por 10 dias.
Nos dois grupos, os pacientes foram orientados em forma detalhada na maneira como usar a medicação tópica e sistêmica, e para realizar uma alimentação branda nos primeiros dias do pós-operatório.
O questionário seguinte, referente à dor, foi aplicado aos pacientes nos dois grupos:
- Dor pós-operatória (sim ou não).
- Tempo para o inicio da dor após a cirurgia (em horas).
- Intensidade da dor. Para defini-Ia, estabelecemos uma escala subjetiva de 1-10 onde 0 é ausência de dor e 10 é a máxima intensidade de cor.
- Caráter da dor (permanente ou intermitente); se intermitente, definir em que situação.
- Duração total da dor (dias).
- Interferência com alimentação normal, ou seja, se a dor mudou os hábitos alimentícios do paciente (sim ou não).
Os pacientes foram chamados na primeira semana, para avaliação pós-cirúrgica da orofaringe; e na segunda semana, ocasião em que foi aplicado o questionário e colhidos os dados acima descritos.
RESULTADOSDos 30 pacientes, dois pertencentes ao grupo problema, foram afastados do estudo por não realizarem o tratamento na forma preconizada, ficando para análise 15 pacientes do grupo controle e 13 do grupo problema.
No grupo controle, a dor esteve presente em 100% dos casos. A dor experimentada pelos pacientes deste grupo teve uma intensidade média de 8,6 na escala de 1 a 10 (Figura 1);
o início da dor foi em média após 15 horas (Figura 2). Foi permanente em todos eles (Figura 3), sendo a duração média da dor de 8 dias (Figura 4) e em 100% dos casos interferiu corri a alimentação habitual (Figura 5).
Figura 1. Intensidade média da dor, segundo o grupo.
Figura 2. Tempo médio para o início da dor, segundo o grupo.
No grupo problema a dor esteve presente nos 13 pacientes, a intensidade média da dor foi de 3,7 na escala de 1 a 10 (Figura 1); ó início a dor foi em média de 39 horas após a cirurgia (Figura 2); a dor se apresentou em forma permanente em dois pacientes; e em 11 foi intermitente (Figura 3). Nos 11 pacientes com dor intermitente, esta apareceu apenas durante a deglutição. A duração média da dor foi de seis dias (Figura 4); e em dois pacientes (18,1%) a dor teve interferência com a alimentação habitual; nos 11 restantes (81,9%) não houve essa interferência (Figura 5).
DISCUSSÃOApesar de a LAUP já ser um procedimento muito usado, a dor pós-operatória continua sendo um problema sem solução.
Vários autores descreveram os resultados pós-operatórios da LAUP em termos de melhora do ronco e apnéia, alguns mencionaram a presença da dor como um problema de difícil controle1, 4, 7, 9.
Em nosso serviço, desde que foi introduzido o uso do laser para o tratamento do ronco e apnéia, houve a preocupação com a dor. Foram utilizados diversos esquemas terapêuticos descritos na literatura internacional,2-4, 6, 9, 13 todos sem o sucesso desejado.
Como em qualquer um dos processos inflamatórios agudos, no local da injúria há vasodilatação, formação de exsudato, depósito de células inflamatórias e acúmulo de mediadores químicos; dentre eles, a bradicinina é o principal e mais potente irritante das terminações nervosas livres, produzindo dor em graus variáveis5. A continuação deste processo leva à colonização bacteriana deste exsudato, transformando-se em um processo inflamatório-infeccioso11, 12.
Em um estudo anterior realizado pelos autores, descreve-sé que no pós-operatório houve a formação de um exsudato amarelado e que a dor no pós-operatório demorou a aparecer em média após 14 horas, muito tempo depois de terminar o efeito do anestésico local. A explicação provável para isso talvez seja o desenvolvimento de uma colonização bacteriana e de uma infeção no local da cirurgia14.
Figura 3. Caráter da dor, segundo o grupo.
Neste estudo, observamos diferenças em todos os parâmetros analisados entre o grupo controle e problema; no grupo problema registramos uma dor de menor intensidade, um maior tempo no início, um caráter intermitente, pouca interferência com a alimentação habitual e um menor tempo de duração dessa dor, estando todos esses fatores associados a presença de um antibiótico tópico na orofaringe.
Culturas realizadas em alguns cios pacientes dos dois grupos mostraram: no grupo controle presença de estafilococo aureus, além daqueles germes que compõem a flora normal da faringe, e no grupo problema cresceram apenas as bactérias saprófitas.
Figura 4. Tempo médio de duração da dor, segundo o grupo.
Figura 5. Interferência da dor na alimentação habitual.
Baseados nos dados da literatura descritos5, 11, 12 e nos nossos achados, sugere-se a presença de um processo inflamatório-infeccioso no local da cirurgia.
Podemos concluir que o tratamento com antibiótico tópico, associado à medicação análgesica e antiinflamatória, foi efetivo no controle da dor pós-LAUP.
Recomendamos. que nos pacientes operados de LAUP, além de um tratamento com analgésicos e antiinflamatórios, seja feito tratamento tópico com limpeza freqüente da área faríngea cruenta através de gargarejo e com uso de um antibiótico tópico, para controlar o processo infeccioso que se forma no local da cirurgia. O antibiótico tópico idealmente deveria ter um veículo que permitisse a permanência prolongada do medicamento na área operada, garantindo a sua ação continuada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ASTOR, F. C.; HANFT, K. L.; BENSON, C.; AMARANATH, A. - Analysis of short-term outcome after office-based laser-assisted uvulopalatoplasty, Otolaryngology Head Neck Surg., 118:478-480, 1998.
2. COLEMAN, J. A. -In: Fairbanks, N., F.; Fujita, S. Snoring and Obstructive Sleep Apnea. Segunda edition, New York. Raven Press, 135-145. 1994.
3. COLEMAN, J. A. Jr. -Laser-assisted uvulopalatoplasty: Long term results with a treatment for snoring. Ear Nose Throat J., 77:22-24, 1998.
4. DICKSON, R.; MINTZ, D. R. - One-stage laser-assisted uvulopalatoplasty. J Otolaryngol., 25.155-161, 1996.
5. DOUGLAS, C. R - In Douglas. Tratado de Fisiologia Aplicado à Ciencias da Saúde. Primeira edição, São Paulo, Robe, 1994, 1326-1340.
6. HARALDSSON, P. O,; BREDBACKA, S. -Laser uvulopalatoplasty (LUPP) under local anesthesia: eflective, safe and confortable. ORLJ. Otorhinolaryngology Relat.. Spec., 58:99-104, 1996.
7. IKEDA, K.; OSHIMA, T.; TANNO, N.; OGURA, M.; SHIMOMURA, A.; SUZUKI, H.; TAKASAKA, T. -Laser-assisted uvulopalatoplasty for habitual snoring without sleep apnea: outcome and complications. ORL J. Otorhinolaryngology Relat. Spec., 59. 45-49, 1997.
8. JAWETZ, E. P. - IN: JAWETZ, E., P.; MELNICK, J. L; ADELBERG, E. A. Microbiologia Medica. Décimo terça edição, Rio de Janeiro, Kooogan S.A., 1980, 260-263.
9. KRESPI, Y. P. MD; ANATKEIDAR, PhD.- Laser-assisted uvulopalatoplasty for the treatment of snoring. Operative techniques in otolaryngology. Head and Neck Surgery, 5.228-234, 1994.
10. KAMAMI, Y. V.- Laser CO 2 for snoring. preliminary results. Acta Otorhonolaryngology Belg., 44:451-156,199W
11- MUIR, S. R. - In Muir's Text Book of Pathology. Twevth edition, Australia, J.R. Anderson, 1985, 4.3-4.4, 4.27-4.29, 9.4-9.5.
12. ROBBINS, S. L. - In: Robbins, S. L; Cotram, R. S.; Kumar, V. M. - Pathology Basis of Disease. Fifth edition, New YorK, Saunders, 1994, 53-54, 74-75.
13. SCHIEBAERT, L. L.; ZEILER, J. E.; BANDARUK, L. R.; SPAGNOLA, K. E. - Laser-assisted uvulopalatoplasty: evaluation of postoperative discomfort and the effectiveness of this procedure. Lasers Surg. Med., 20: 157-163, 1997.
14. SILVA, M. N.; VALLEJO J. C.; OLIVEIRA, J. A. A.; FOMIN, D.Análise e comparação da dor pós-operatória em Pacientes Operados por LAUP e radiofreqüência para tratamento de ronco. Rev. Brasileira de Otorrinolaringologia, 65. 506-507,1999.
* Médico Adicto ao Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP.
** Professor Titular e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia do I ICFMRP-USP.
*** Médico Contratado do Departamento ele Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP .
Departamento de oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. José Antonio Apparecido de Oliveira - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto - Avenida Bandeirantes 3900 - 14096-900 Ribeirão Preto/ SP - Telefone: (0xx16) 602-2523 - Fax: (0xx16) 602-2860.
Artigo recebido em 20 de janeiro de 2000. Artigo aceito em 24 de fevereiro de 2000.