INTRODUÇÃOOs tumores das glândulas salivares são relativamente incomuns, correspondendo a cerca de 0,3% de todas as neoplasias, segundo registros de câncer da Inglaterra e País de Gales8. No Brasil, no período de 1981 a 1985, de 530.910 casos registrados de tumores malignos em todas as topografias, as glândulas salivares estiveram presentes em 1.504 casos, o que corresponde a 0,28% daquele total22. Cerca de 94% dos tumores em glândulas salivares têm origem epitelial9, sendo a parótida o sítio primário dos mesmos em 70 a 80% dos casos24. Nessa glândula, 80% dos tumores têm natureza benigna, predominando o adenoma pleomórfico sobre os demais tipos histológicos, com uma incidência que varia de 60,6 a 76,2%7, 20. O tumor de Warthin ou adenolinfoma vem em segundo lugar, respondendo por 10 a 15% dos casos20, 10.
Os tumores podem acometer a porção superficial da glândula, a porção profunda ou ambas. O tratamento de eleição é o cirúrgico, através da excisão completa da lesão, o que demanda a exerese parcial ou total da glândula, com preservação ou sacrifício do nervo facial10, 28. Vários autores defendem a parotidectomia parcial (exerese da porção superficial ao plano do nervo facial) como procedimento mínimo a ser realizado, já que a simples enucleação leva à recidiva em até 80% dos casos de adenoma pleomórfico16, 1. Outros, contudo, admitem que a simples enucleação com margem de segurança alcança os mesmos resultados no que concerne às taxas de recidiva local21. As complicações pós-cirúrgicas incluem paresia ou paralisia facial temporária ou definitiva, que ocorrem em média em 50% dos casos4, síndrome de Frey, infecção de ferida operatória, fístula salivar, hematomas, seromas e outras menos freqüentes.
O manejo e o controle local tornam-se mais difíceis quando da presença de recorrência, havendo maior chance de lesão do nervo facial em reoperações, pois, nessas situações, sua identificação é dificultada pela fibrose cicatricial5, 18, 29, 19.
A radioterapia, cujo papel ainda não está bem definido, tem sido utilizada sob a forma de tele ou braquiterapia em algumas situações, com o objetivo de melhorar as taxas de controle local29, 15.
No presente trabalho, tivemos como objetivo realizar um estudo retrospectivo de todos os casos de tumores benignos da glândula parótida admitidos e tratados em um período de 25 anos no Centro de Tratamento e Pesquisa do Hospital do Câncer A. C. Camargo, avaliando dados relativos ao perfil epidemiológico, diagnóstico histopatológico, tratamento empregado, complicações e recidivas.
MATERIAL E MÉTODOEm um estudo retrospectivo, foram analisados todos os prontuários de pacientes portadores de tumores da glândula parótida admitidos entre 1970 e 1995, totalizando 479 casos, dos quais 250 foram excluídos por serem de natureza maligna. Dos 229 tumores benignos restantes, foram analisados aqueles submetidos a tratamento cirúrgico, com ou sem radioterapia complementar, excluindo-se sete casos pelas seguintes razões: dois pacientes eram portadores de adenoma pleomórfico, e um, de tumor de Warthin, os quais não retornaram para tratamento cirúrgico; três foram operados em Outro Serviço, sendo que dois deles apenas foram seguidos, e um, submetido a radioterapia na nossa instituição; um faleceu antes do tratamento, por outra causa não relacionada. Foi utilizada uma ficha padronizada para levantamento de dados, na qual constavam informações gerais, corno queixas e dados demográficos, bem como dados específicos relativos a tipos histológicos, terapêutica, complicações, outras neoplasias primárias e recidivas ao longo do período de seguimento.
O tratamento cirúrgico consistiu da parotidectomia parcial, com conservação do nervo facial, ou da parotidectomia total. A parotidectomia parcial, com conservação do nervo facial, compreende a remoção da porção da glândula superficial no plano do nervo facial, sem sacrifício de seus ramos, e foi utilizada em 182 pacientes. A parotidectomia total com conservação do nervo facial, na qual todo o tecido glandular é ressecado preservando-se também todos os ramos do nervo facial, foi realizada em 34 casos, e a parotidectomia parcial ou total, com sacrifício parcial ou total do VII nervo craniano, em seis casos. O nervo facial foi preservado em 216 pacientes; sacrificado, em três; e sacrificado, e reconstituído, em outros três.
O tratamento radioterápico foi utilizado em 12 casos, assim distribuídos: cinco pacientes com adenoma pleomórfico admitidos já com recidiva, três adenomas pleomórficos após cirurgia primária, um oncocítoma, um tumor de células acinares e um tumor de Warthin, que desenvolveu fístula salivar persistente no pós-operatório de parotidectomia parcial, com conservação do nervo facial; tendo feito radioterapia para "castração actínica" do remanescente glandular. Nos três adenomas pleomórficos supracitados, no oncocitoma e no tumor de células acinares não havia registro preciso ele indicação da radioterapia.
Entre as complicações, a síndrome de Frey e a paresia ou paralisia faciais foram diagnosticadas clinicamente. Eletroneurografia e eletromiografia não foram realizadas. Diante de qualquer redução do movimento facial em território zigomático, bucal, frontal ou marginal mandibular, consideramos o diagnóstico de paresia facial. A paralisia facial, a seu turno, foi considerada diante da completa ausência de movimento facial perceptível clinicamente. Os pacientes portadores de síndrome de Frey foram agrupados indistintamente, com relação ao período de surgimento do quadro e intensidade de sinais e sintomas.
O seguimento dos nossos pacientes foi realizado através de consultas ou, quando impossível a consulta, pelo preenchimento de um questionário, enviado por correspondência, ou por contato telefônico.
Figura 1. Distribuição do número de casos por intervalos de faixa etária (a cada 10 anos).
A classificação histológica aqui utilizada é a proposta pela Organização Mundial da Saúde em 197219, tendo em vista tratar-se de casuística iniciada em 1970 e a classificação mais atual datar de 1992. Os principais tipos histológicos se mantiveram da mesma forma nas duas classificações, razão pela qual, na prática, não existem quaisquer prejuízos das análises aqui realizadas, quando se leva em consideração a classificação mais atual. Os tipos histológicos citados são aqueles mais incidentes, a exemplo do adenoma pleomórfico, do tumor de Warthin (adenolinfoma) e do adenoma oxifílico (oncocitoma). Os demais tipos histológicos (adenoma de células basais, mioepitelioma, etc.) foram classificados como "outros".
RESULTADOSEntre os 222 casos analisados, havia 126 mulheres (56,7%) e 96 homens (43,2%), com idade variando de 1 a 80 anos (mediana de 44 anos), sendo a maior incidência observada na faixa etária de 31 a 50 anos (Figura 1). A raça branca predominou, com 182 casos, ficando as demais assim distribuídas: negra, 17; amarela, 6; outras, 14. Cento e oitenta e três pacientes compareceram sem qualquer tratamento ou procedimento diagnóstico invasivo; 31(14%) haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico, dos quais três sofreram pelo menos duas intervenções por recidiva da doença e dois haviam recebido radioterapia além do tratamento cirúrgico. Oito sofreram biópsia prévia. As queixas principais na apresentação foram: o aumento de volume local (região parotídea, retro-auricular ou do ângulo da mandíbula) em 197 casos; associação de dor ao tumor em, 18; e paralisia facial parcial em um caso (Tabela 1), tendo essa sido observada em paciente portador de adenoma pleomórfico submetido a cirurgia prévia em outro Serviço, sendo que este apresentava paralisia do ramo mandibular daquele nervo. O tempo transcorrido desde o início do quadro até a procura do nosso Serviço variou de 32 dias a 480 meses, com mediana de 24 meses.
TABELA 1 - Queixas mais freqüentes relatadas pelos 222 pacientes.
TABELA 2 - Tipos histológicos observados.
A distribuição dos tipos histológicos pode ser vista na Tabela 2, na qual observamos a predominância do adenoma pleomórfico, em 74,3% dos pacientes, seguido do tumor de Warthin em 17,1% (38 casos), entre os quais encontravam-se três tumores bilaterais. Ambos predominaram no sexo feminino. Na Tabela 3, podemos observar a distribuição dos casos de adenoma pleomórfico e de tumor de Warthin, segundo a idade, o sexo e o tempo de queixa relatado pelos pacientes. Os adenomas pleomórficos ocorreram numa faixa etária muito ampla. Os tumores de Warthin foram observados em pacientes com mais de 48 anos. A média etária dos pacientes com tumor de Warthin foi maior (63 anos), em comparação com os portadores de adenoma pleomórfico (48 anos). O intervalo de tempo relatado pelos pacientes para existência do tumor foi amplo tanto para o adenoma pleomórfico quanto para o Tumor de Wartin (Tabela 3). Clinicamente, os adenomas pleomórficos apresentam-se como uma massa bocelada de consistência mista, de cística a dura, e pode estar presente o sinal de Nelaton, que consiste em crepitação do nódulo ao se o mover contra o ramo ascendente da mandíbula. Os tumores de Warthin, por sua vez, são geralmente pouco delimitados e de consistência elástica. O adenoma monomórfico esteve presente em setí. pacientes (3,2%); e o adenoma oxifílico, em três (1,4%). Os tumores de origem não epitelial foram representados por um neurofibroma e um linfangioma.
TABELA 3 - Idade, sexo e tempo de queixa observados nos casos de adenoma pleomórfico e tumor de Warthin.
TABELA 4 - Complicações pós-opreratórias.
TABELA 5 - Segunda neoplasia primária benigna ou maligna diagnosticada no seguimento.
Oitenta e oito pacientes apresentaram algum tipo de complicação pós-operatória, destacando-se a paresia ou a paralisia facial em 56 casos (25,2%). No pós-operatório das ressecções parciais, observamos 39 casos (21,4%) de disfunção facial temporária, e 2 (1,1%), de paralisia definitiva. Após a parotidectomia total, houve 12 casos (31,57%) de disfunção temporária e três (7,9%) de paralisia definitiva de um ou mais ramos do facial, o que associa os pacientes submetidos a parotidectomia total a uma maior taxa de complicações do nervo facial (p = 0,001). A síndrome de Frey esteve presente em 16 (7,2%). Cinco pacientes apresentaram mais de um tipo de complicação (Tabela 4).
Durante o seguimento, oito pacientes desenvolveram recidiva local, todos portadores de adenoma pleomórfico, tendo um recidivado como carcinoma ex-adenoma pleomórfico. Entre esses pacientes, um havia sido biopsiado, e outro, operado previamente. O período para recidiva local variou de 11,3 a 81,6 meses, com mediana de 44,7 meses. Doze pacientes desenvolveram uma segunda neoplasia, onde a freqüência maior foi do carcinoma basocelular (sete casos), e dois faleceram por disseminação dessa segunda neoplasia, a saber: adenocarcinoma gástrico e angíossarcoma de região gengivojugal (Tabela 5). O período de seguimento variou de 16 dias a 234 meses (mediana de 15,1 meses). Três pacientes apresentavam doença em atividade no período da coleta de dados, cinco haviam falecido por outras causas e os demais casos estavam vivos, sem sinais de recorrência tumoral.
DISCUSSÃOA maior incidência de tumores benignos da glândula parótida deu-se em mulheres, com uma relação mulher / homem de 1,3:1, semelhantemente ao que ocorre em outras séries15, 12. A faixa etária de maior incidência foi de 31 a 50 anos (81 casos), a qual representa a faixa de maior ocorrência dos adenomas pleomórficos. Em 82% dos casos os pacientes eram da raça branca, estando tal predomínio em consonância com dados encontrados na literatura20, 3.
A bilateralidade foi observada em apenas três casos, todos de tumor de Warthin, perfazendo 7,9% desses e confirmando tal tendência para esse tipo histológico. A predominância do adenoma pleomórfico é absoluta em relação aos demais tumores, os quais, por sua relativa escassez, impossibilitam conclusões prognósticas.
Os tumores benignos da parótida predominam sobre os tumores malignos, numa proporção de 3:1 a 4:124, 7. No nosso estudo, observamos um equilíbrio entre tipos histológicos benignos e malignos, com incidências de 48% e 52%, respectivamente. Talvez a principal explicação para esse fato seja a posição deste Serviço como um centro de referência para o tratamento de câncer, e para onde são encaminhados sobretudo pacientes com suspeita clínica ou diagnóstico confirmado de neoplasias malignas.
Dos 39 pacientes que foram encaminhados ao nosso centro, tendo sido submetidos a biópsia ou tratados, 31 haviam sido operados, e, destes, três por pelo menos duas vezes. Vinte e nove desses pacientes eram portadores de adenoma pleomórfico. Nessa série, tivemos oito recidivas locais, todas de adenoma pleomórfico, num período que variou de 11,3 a 81,6 meses, com mediana de 44,7 meses, totalizando uma taxa de recidiva local de 4,8%. Esse índice de recidiva encontra-se na faixa esperada segundo dados de outras séries, que varia de 0 a 5%25, 11, 17, e chamamos a atenção para o fato de que não foram realizadas nodulectomias (enucleações) que podem levar à recidiva em até 80% dos casos16, 1. Parece-nos, portanto, que a parotidectomia parcial, com conservação do nervo facial, é o procedimento mínimo a ser empregado no tratamento dos tumores benignos da glândula parótida, sobretudo nos adenomms pleomórficos, tendo em vista o caráter recidivante desse tumor. Adicione-se a isso a maior dificuldade de controle local após recidivas e a probabilidade de malignização dessa neoplasia ao longo do tempo5, 6. De fato, dos pacientes excluídos a princípio dessa análise, por serem portadores de tumores malignos, quatro foram admitidos com história de cirurgias anteriores para ressecção de tumores, onde o anatomopatológico evidenciava adenoma pleomórfico; e, no entanto, após tratamento em nosso Serviço, verificamos tratar-se de carcinoma exadenoma pleomórfico. Além disso, um dos oito pacientes que recidivaram nessa série o fez após dois anos como carcinoma ex-adenoma pleomórfico, vindo a falecer posteriormente por disseminação da doença. Aceita-se de maneira genérica que a maioria das recidivas ocorra dentro de cinco anos6. Smiddy23 observou que 17 de 24 recidivas ocorreram nesse período, mas que três aconteceram após 20 anos do tratamento inicial. Ele conclui que cinco anos gera informações incompletas quanto à recidiva. Dawson5, avaliando os efeitos da radioterapia sobre o controle da recidiva local em adenomas pleomórficos, observou que em 31 pacientes analisados a média de intervalo para recidiva foi de 9,4 anos. Natvig e Soberg18, estudando a relação entre recidiva local e rotura capsular do tumor durante a cirurgia, observaram que entre 238 pacientes operados ocorreram seis recidivas, com intervalo mediano de 11,8 anos. Esses autores não observaram relação entre a rotura capsular durante a cirurgia e a recidiva do tumor, como classicamente aceito. Yugueros e colaboradores29, por fim, observaram tempo médio para recidiva de 14 e 15 anos em dois grupos de pacientes por eles estudados, com adenoma pleomórfico. Não é- demais lembrar, portanto, a necessidade de conscientização dos pacientes em nosso meio quanto à importância do seguimento, mesmo em se tratando de uma neoplasia benigna, enfatizando o binômio tendência à recidiva / potencial de malignização, já que a evasão de nossos pacientes a um seguimento mais prolongado é preocupaste, particularmente após o quinto ano. A recidiva é incomum nos casos de tumor de Warthin, não tendo sido observada por Rehberg e colaboradores21, nem por Leverstein e colaboradores14 em nenhum dos pacientes de suas séries. Esse último autor crê ser desnecessário um seguimento prolongado desses pacientes.
A disfunção facial pós-operatória, seja a paresia ou a paralisia facial, acomete taxa variável de pacientes. Rapoport e colaboradores13 observaram 25% e 75% de complicações relacionadas ao nervo facial na parotidectomia parcial e total, respectivamente, em 90 pacientes tratados, constatando portanto taxa superior de complicações relacionadas ao nervo facial na cirurgia com ressecção total da glândula. Laccourreve e colaboradores13 observaram 64,6% de paresia e 5,6% de paralisia facial num grupo ele 229 pacientes submetidos a parotidectomia total com conservação do nervo facial, e ponderam que tais números não são superiores àqueles observados na cirurgia com ressecção parcial da parótida. No nosso material, 182 pacientes (82%) foram submetidos a parotidectomia parcial com preservação do nervo facial, deixando clara a predominância da lesão na porção superficial da glândula. No pós-operatório dessas ressecções parciais, registramos 39 casos (21,4%) de disfunção facial temporária e dois (1,1%) em que houve paralisia definitiva. Já após a parotidectomia total, houve 12 casos (31,57%) de disfunção temporária e três (7,9%) de paralisia definitiva de um Ou mais ramos do facial, pondo em evidência uma taxa de complicações superior para a cirurgia com ressecção total da glândula (p = 0,001). No total, 25,2% dos pacientes apresentaram paresia ou paralisia facial, o que gera dúvidas quanto ao rigor com que tais complicações foram registradas nos prontuários e representa certamente uma subestimação da real incidência.
O nervo facial foi sacrificado em três pacientes e sacrificado e reconstituído em mais três casos. As cirurgias em que houve sacrifício sem reconstituição foram realizadas entre 1980 e 1986. Há até cerca de duas décadas, a maioria dos cirurgiões era pessimista quanto à possibilidade de regeneração nervosa, o que deu lugar hoje a um estado de otimismo e expectativa pelo potencial existente para reabilitação neuromuscular16. Entre as diversas técnicas existentes para reanimação da mímica facial, a melhor consiste na reabilitação da junção neuromuscular imediatamente após a ablação do tumor através da sutura primária do nervo, o que raramente é possível, ou da substituição (crossover), a exemplo da anastomose hipoglossofacial, ou do enxerto nervoso, o que proporciona máximo retorno de função26. Não se admite, pois, que nos dias atuais o sacrifício do VII par craniano na cirurgia da parótida, para exerese de tumores benignos ou malignos, não seja acompanhada de procedimentos de reabilitação da mímica facial, para que distúrbios funcionais, estéticos e psicológicos possam ser minimizados.
Na maioria, esses tumores se desenvolveram numa faixa etária com boa expectativa de vida, em quem complicações da radioterapia como atrofia da pele, telangiectasias, osteorradionecrose, xerostomia e dano audiovestibular devem ser consideradas. Ademais, o potencial de malignização da radioterapia, apesar de pequeno, está bem estabelecido, sobretudo em adenomas pleomórficos, tumores que já apresentam propensão pata malignizar, ficando sempre a dúvida se recidivas malignas após radioterapia foram simples transformação maligna ou sofreram radioindução15, 6. Os proponentes da radioterapia após exerese local simples (enucleação) apontam como vantagens a menor incidência de paralisia facial e síndrome de Frey25 e uma igual taxa de controle local da doença quando comparada à cirurgia com ressecção superficial da glândula (parotidectomia parcial), a exemplo de Dawson e Orr6. No entanto, esses últimos autores observaram que 75% das recidivas entre 15 e 20 anos de seguimento eram malignas e questionam quanto à influência da radioterapia nesses casos. Gleave e colaboradores11 não observaram recidiva maligna entre 369 pacientes submetidos a parotidectomia superficial em 30 anos de seguimento. Seriam necessários estudos prospectivos randomizados comparando a cirurgia exclusiva e a cirurgia mais radioterapia para responder tais questões, o que, pela relativa baixa incidência da doença e necessidade de um período longo de seguimento, torna-se inviável. Em revisão de literatura, Watkin e Hobsley27 concluem que as evidências disponíveis sobre o uso da radioterapia são suficientes para que se tome bastante cuidado quando do uso da mesma nessa condição benigna. Na presente série, tivemos apenas 11 casos irradiados; e, no entanto, em cinco desses não havia registro preciso de indicação desse tratamento.
Barton e colaboradores2, estudando 187 pacientes portadores de adenoma pleomórfico tratados com cirurgia e radioterapia, classificam os procedimentos cirúrgicos em ressecção local extracapsular (dissecção extracapsular ressecando parte de tecido normal aderido ao tumor), parotidectomia parcial (ressecção de parte do lobo superficial incluindo o tumor e necessitando identificação do nervo facial e dissecção de alguns de seus ramos), parotidectomia superficial (retirada de todo tecido glandular superficial ao plano do nervo facial incluindo o tumor, necessitando identificação do nervo facial e dissecção de todos os seus ramos), e parotidectomia conservadora (parotidectomia superficial com retirada de porções do tecido parotídeo entre os ramos do nervo facial). Consideramos parotidectomia parcial com conservação do nervo facial a ressecção de toda a -porção superficial da glândula, situada acima do plano do nervo facial; e como parotidectomia total, a ressecção de todo o tecido glandular. Não realizamos procedimentos menores, como enucleações ou parotidectomias setoriais. A parotidectomia parcial foi, portanto, o procedimento mínimo realizado para diagnóstico e tratamento.
Baseados nos nossos resultados e em dados de outras séries, consideramos que para obtermos os menores índices de recidiva local no tratamento elos tumores benignos da glândula parótida, mormente nos casos de adenoma pleomórfico, o procedimento mínimo a ser realizado é a parotidectomia parcial cem conservação do nervo facial; e, sempre que esse nervo for lesado, deve ser tentada a reanimação da mímica facial através dos diversos métodos existentes. A radioterapia deve ter indicação precisa e limitada aos casos ele tratamento cirúrgico pós-recidivas. O seguimento dos pacientes portadores de adenoma pleomórfico deve ser longo e conseguido através da conscientização desses quanto à probabilidade de recidiva e malignização.
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* Pós-Graduando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na Área de Oncologia.
** Diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital elo Câncer A.C. Camargo.
Trabalho realizado no Centro de Tratamento e Pesquisa do Hospital do Câncer A. C. Camargo.
Endereço para correspondência: Luiz Paulo Kowalski - Rua Professor Antônio Prudente, 211 - Liberdade - 01509-010 São Paulo/ SP.
Telefone: (0xx11) 3272-5125 - Fax: (0xx11) 3274-6789 - E-mail: lpkowalski@uol.com.br
Artigo recebido em 6 de abril ele 1999. Artigo aceito em 7 de outubro de 1999.