ISSN 1806-9312  
Segunda, 22 de Julho de 2024
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2424 - Vol. 59 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1993
Seção: Relato de Casos Páginas: 281 a 283
Síndrome de Noonan e manifestações otorrinolaringológicas. Apresentação de um caso.
Autor(es):
D. Portmann *
D. Herman **
E. Rodrigues ***
M. Portman ****

Palavras-chave: síndrome de Noonan, perda auditiva condutiva

Keywords: Noonan syndrome, conductive hearing loss

Resumo: Os autores relatam o casa de uma jovem de 17 anos, portadora de síndrome de NOONAN, apresentando hipoacusia de transmissão isolada bilateral. A exploração cirúrgica da caixa do ouvido médio observa-se, de um lado, fixação atical da cadeia ossicular, e do outro, uma articulação fincudo-estapediana frouxa. Eles sublinham a negligência do estudo auditivo destes pacientes, em que a expressão verbal e o nível intelectual estão comprometidos. Finalmente, estudam o tipo de surdez em causa, sua etiopatogenia, e a hipótese de anomalia de desenvolvimento nesta síndrome.

Abstract: The authors report a 17 years old young woman with NGONAN'S SYNDROME, in whom hypoacusis of transmission isolated was discovered. At surgery of the middle ear, ore side presented an atical fixation of the ossicles chain, and, the other side, the articulation incus-stapes was unfixed. They remark the negligence with the hearing test in these patients, in whom the verbal expression and the intellectual level are involved. Finaliy, they study the deafness, the etiopathogenesis, and the possibility of anomaly of development in this syndrome.

INTRODUÇÃO

Síndrome de Noonan é uma das síndromes mais freqüentemente encontradas na cardiopediatria. Ela agrupa três grupos de anomalias:

Morfotipo

Qualificado de "hipertelorismo com fenótipo de Tumor"8, apresenta fáscies característico, ande observamos não menos de dezesseis anomalias13, sendo os mais freqüentes: o hipertelorismo, pescoço curto, implantação baixa de orelhas com rotação posterior, implantação baixa dos cabelos, nariz curto e largo, microretrognatismo, prega anti-mongolóide das fendas palpebrais, peterigium.

Outras malformações podem estar associadas, tais como, criptorquídia, pequena estatura, linfoedema, deformações esqueléticas (tórax em carena, escoliose).

Deficiência Mental

Presente em 60 a 75% dos casos, habitualmente leve ou moderada, sendo a linguagem verbal a mais atingida.

Cardiopatia

Encontrada em metade dos casos, a estenose da válvula pulmonar é a lesão mais típica9. Praticamente todos os tipos de cardiopatia foram descrita12.

Em 1963 7aqueline Noonan relata em 9 crianças, 6 meninos e 3 meninas, tal associação. Descreve a semelhança morfológica desta síndrome com a de Tumor na menina, porém a relação entre elas termina . A síndrome de Tumor se singulariza pela ausência de cromatina sexual (Willcins, 1954) e sobretudo, um cariótipo anormal com um só cromossomo sexual X (Ford, 1959). O cariótipo da síndrome de Noonan é estritamente normal, permanecendo intacta o mistério da gênese desta síndrome. A transmissão genética13, 2, 5 parece ser a hipótese mais provável. A maior parte das observações corroboram esta tese correspondente à uma transmissão mãe-filha ou mãe-filho, com exceção de um caso, relatado por NORA em 197010, de transmissão pai-filho. O modo de transmissão seria autossômico-dominante.

O diagnóstico da síndrome de Noonan é clínico, com análise sobre os caracteres discriminativas, avaliação familiar e evolução importante frisar que o diagnóstico diferencial com outras síndromes com múltiplas malformações6, 19 é difícil.

Qual o lugar do comprometimento auditivo neste quadro? Foi ele negligenciado e pode fazer parte integrante da síndrome de Noonan? Qual o seu lugar juntamente com e retardo mental nestas crianças?

Estas são algumas das questões levantadas pela avaliação seguinte, de uma jovem de 17 anos com diagnóstico de síndrome de Noonan, e operada de uma hipoacusia de transmissão bilateral no serviço do Prof. M. Portmann em BORDEAUX.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Srta. S.A., 17 anos, apresenta uma hipoacusia bilateral progressiva, sem acúfenos, sem vertigens, processo infeccioso ou surdez familiar.

Ela é portadora de Síndrome de Noonan, sendo o diagnóstico feito à ocasião de estudo cardiológico. Na realidade, ela foi operada com 11 anos de idade de uma cardiopatia congênita constituída de estreitamento sub-aórtico com anomalia de posição da válvula mitral. Apresenta retardo escolar importante, com dificuldade à expressão verbal. Finalmente, uma ptose renal esquerda, sem comprometimento funcional.

Ao exame clínico: baixa estatura, tórax em escudo, cúbitus valgus bilateral, prega palpebral antimongólica, pescoço curto, microretrognatismo, implantação baixa de cabelos, ptose renal sem alterações funcionais. Do ponto de vista ORL, os pavilhões auriculares são de implantação baixa, mal definidos, condutos auditivos externos estreitos bilateralmente, com membrana timpânica sem particularidades. Palato ósseo ogival.

A audiometria, surdez de transmissão bilateral, predominante à direita (40 a 80 dB à D) e (20 a 60 dB à E). A timpanometria mostra-se achatada nos dois ouvidos.

A tomografia computadorizada não apresenta qualquer alteração em ouvido médio ou interno. Os ossículos estão em posição normal, mastóide bem pneumatizada, trompa de Eustáquio livre.

Realiza-se inicialmente exploração cirúrgica em ouvido médio direito por via póstero-superior, por ser este o ouvido pior audiometricamente. A intervenção permitiu o alargamento de conduto auditivo externo, e a descoberta de uma fixação de martelo e bigorna ao nível de ático, sem particularidades no aspecto dos mesmos. O estribo encontrava-se intacto e de morfologia normal. O efeito columelar foi restabelecido utilizando-se cabeça de martelo, obtido do banco de homoenxertos, colocado entre estribo e cabo do martelo. O ouvido esquerdo foi operado 6 meses mais tarde: deste lado, os ossículos eram móveis mas a articulação fincudo-estapediana era frouxapela hipoplasiada apófise lenticular. A reconstrução ossicular é semelhante à aquela da primeira intervenção. A evolução é favorável do ponto de vista audiométrico.

DISCUSSÃO

Como em toda síndrome com múltiplas malformações, o comprometimento auditivo deve ser cuidadosamente despistado, e particularmente, em caso de retardo mental associado. Esta relação de causa e efeito entre hipoacusia e retardo intelectual é tão mais freqüente, quanto mais este último predomina sobre a expressão verbal, MENDEZ e OPITZ7 em 1985 sublinharam este dado. Ou então, a função auditiva foi negligenciada dentro do quadro clinico desta síndrome. PERNOT e Col13 relataram 2 surdo-mudos e várias hipoacusias sobre 64 observações. Somente duas crianças tiveram controle audiométrico. J.E. ALLANSON1 propôs uma descrição detalhada de "NOONÀN" sem mencionar o comprometimento auditivo. COLLINS e Col3 em 1973, não assinalaram nenhuma alteração auditiva em 27 pacientes com a síndrome. Para estes autores, o grau de deficiência intelectual não teve relação com sexo ou severidade das anomalias associadas. A ausência da surdez é paradoxal, pois na síndrome de TURNER, "vizinha" ao nosso caso, e onde o retardo mental é mais raro, a hipoacusia é, clássica e do tipo de percepção. Na realidade, PERRIN e Col15 estudaram em 1988, 30 pacientes portadores da síndrome de TURNER, onde encontraram 7 casos de perda auditiva de percepção, bilateral e simétrica. Por outro lado, ficaram surpresos com a alta incidência de patologia transmissional (22 casos). O ponto importante deste trabalho é de que a surdez precede freqüentemente o diagnóstico clínico da síndrome de Tumer, ou o inverso, é ignorado nos pacientes onde o diagnóstico é realizado. Portanto podemos nos perguntar se a baixa de audição também não faz parte integrante da síndrome de NOONAN.

Lembremos inicialmente, a dificuldade do diagnóstico desta síndrome, que é clínico. Várias síndromes (como as síndromes do grupo LEOPARD, essencialmente a síndrome de WATSON13, a síndrome de CFC19, a síndrome de WILLIÀMS-BEUREN) são denominados de inclassificáveis por FEINGOLD6, dando alguns exemplos de pacientes apresentando morfologia próxima à síndrome de TURNER ou NOONÀN. J.J. NORA e Cole, seguidos de H. PREUS17 propuseram um sistema de escores para atribuírem ou não, o título de síndrome de NOONAN. A análise clínica salientou os caracteres discriminantes pré-estabelecidos, a ambigüidade surgindo desde um número mínimo requerido destes elementos (20 no mínimo para NORA, mais do que 20 para PREUS).

DUNCAN e Col.4 em 1981 aperfeiçoaram este sistema determinado um coeficiente para cada um dos critérios clínicos. Entre estes critérios, a normalidade do cariótipo e a noção de formas familiares foram fortemente específicos. Porém os antecedentes familiares não totalizaram mais de 25 a 40% dos casos segundo as séries3, 13. Lembremos que nossa observação foi um caso isolado dentro de uma família. O diagnóstico de certeza foi determinado muitas vezes, anos após o quadro clínico. Nos diferentes sistemas de cores propostos, a surdez não foi j amais levada em consideração. Isto confirma sua baixa freqüência ou a pequena importância dada à deficiência auditiva. Em todo caso, coloca-se a questão da especificidade e da origem da surdez.

S. VLAMINCK e Col., em 1980, descreveram 2 casos de síndrome de NOONÀN, com hipoacusia20. O primeiro era portador de surdez de transmissão bilateral com malformação de ouvido médio ao estudo radiológico. O segundo apresentava surdez do tipo de percepção, e os autores hesitaram em atribuir esta alteração auditiva como pertencente à síndrome de NOONAN.

A surdez de transmissão aparece preponderante, o que confirma nossa observação. Três hipóteses etiopatogênicas as explicariam: a malformação congênita, os antecedentes infecciosos de repetição, a disfunção tubária pela dismorfia facial.

A estenose bilateral de conduto auditivo externo, o comprometimento bilateral e simétrico da cadeia de ossículos, a normalidade das mastóides e a ausência de antecedentes otíticos levaram a nos fazer pensar, no nosso caso, como sendo a primeira hipótese. S. VLAMINCK descreveu uma malformação de ouvido médio dos dois lados ao estudo radiológico, sem especificar quais alterações.

A. SÀNCHEZ-CASCOS18 em 1983, concluiu, a partir de uma série de 21 casos: "a síndrome de NOONÀN decorre de uma anomalia de desenvolvimento de arcos branquiais", porém não caracteriza qual arco. Este autor reviu as malformações que derivam desta anomalia (síndrome de TREACHER-COLLINS, PIERREROBIN, GOLDENHAR, WILLIANS e BEUREN, DI GEORGE, BONNEVIE-ULRICH). Cada uma destas síndromes apresenta uma malformação ou uma patologia cardíaca. A associação de duas sugere fortemente uma gênese idêntica. Sobre o plano auditivo, as síndromes assinaladas apresentaram hipoacusia de transmissão com malformação ou bloqueio de cadeia ossicular, associada a um CAE normal ou estreitado, às vezes aplásico14. Estes dados parecem confirmar o comprometimento de ouvido médio e ouvido externo na síndrome de NOONAN, sendo o caso de surdez de percepção apresentado por S. VLAMINCK simples coincidência. A tabela I mostra o comprometimento auditivo encontrado nas síndromes com anomalia de desenvolvimento do arco branquiail14.

Nosso paciente apresentava do lado direito fixação de martelo e bigorna ao nível do ático, o que corresponde ao primeiro arco branquial. Para PERRIN, em 198814 a surdez de transmissão foi mais freqüente na síndrome de NOONAN; sendo o comprometimento auditivo tão raro quanto na síndrome de TURNER.

Esta desarmonia facial, provavelmente associada à uma anomalia de primeiro arco (pequena mandíbula, implantação baixa de orelhas, microretrognatismo) é a origem de uma disfunção da tuba auditiva, por analogia, a otite seromucosa encontrada nas fendas velopalatinas. Também, como demonstrou PERRIN Ph e Col.16, as malformações podem ser, elas mesmas uma causa de surdez (por anomalias da cadeia ossicular com origem embriológica comum mandíbulo-ossicular), ou decorrente de patologia adquirida. O papel de patologia de véu palatino é freqüentemente citado, mas na nossa observação encontramos somente palato ogival.


TABELA 1- Síndromes malformadas derivadas de anomalia de desenvolvimento de arcos branquiais14, 18.


O terceiro elemento intervindo no comprometimento auditivo e representado por infecções ORL de repetição (devido a um certo grau de imaturidade do sistema imunológico). COLLTNS e TURNER3 acreditavam que a recidiva de infecções seria uma explicação para a pequena estatura e retardo pondero-estatural destes pacientes.

CONCLUSÕES

O comprometimento da função auditiva na síndrome de NOONAN é certamente negligenciado desde o passado. Este aspecto da síndrome impõe conseqüências práticas importantes. A etiopatogênia desta síndrome parece estar relacionada à anomalia de arcos branquiais, notadamente do primeiro.A hipoacusi aparece ser mais freqüentemente de transmissão1, e multifatorial, por anomalia embriológica, ou por disfunção do véu e infecções recidivantes. Sua despistagem é essencial no sentido de melhorara expressão verbal e, diminuir conseqüentemente o retardo mental destes pacientes. Enfim, toda criança apresentando uma hipoacusia com dismorfia facial deveria ser objeto de pesquisa cardiológica e inversamente, toda criança operada de uma malformação cardíaca com dismorfia facial deveria ser submetida a um estudo audiológico completo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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20. VLAMINCK, S. et al.: Het Noonan-syndromm. Acta ORL Belg., 36(6):1011-1020, 1982.




* Service ORL, Hospital Pellegrin, 33076 BORDEAUX CEDEX FRANCE.
** Clinique ORL, Hospices Civils, 1, Place de hôspital, BP 67091 STRASBO URG CEDEX FRANCE.
*** Departamento de ORL da Faculdade de Medicina da USP
Av. Dr. Arnaldo, 455, SÃO PAULO, BRASIL.
*** Clinique St Augustin, 114, Avenue d'Arès, 33074 BORDEAUX CEDEX FRANCES
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