INTRODUÇÃOOs primeiros estudos que relacionaram as lesões a nível de canais semicirculares com movimentos oculares reflexos (nistagmos) surgiram nas últimas décadas do século passado'. Em 1906 Barany descreveu o nistagmo provocado pelo estímulo calórico, após irrigação do conduto auditivo com água2, e apesar dos primeiros registros da curva nistágmica terem sido feitos em 19253, foram ignorados por três décadas. Mesmo os importantes i trabalhos de Fitzgerald e Hallpike que levaram à prova calóricas bi-termal, atualmente utilizada em todos laboratórios vestibulares, foram feitos com óculos de Frenzel e sem o auxílio da eletronistagmografia5.
Nos anos 60, popularizou-se finalmente o uso da eletronistagmografia com instrumentos analógicos que registram a movimentação ocular decorrente da bateria de teste realizados. No final dessa década começaram as pesquisas c processamento digital dos sinais eletronistagmográficos, que requeriam instalações sofisticadas e computadores de grand porte, e portanto limitados a poucos laboratórios de pesquisa6, 7, 8, 9. Ao longo dos últimos 12 anos o desenvolvimento dos recurso de microeletrônica e informática foi absolutamente notável, hoje microcomputadores com capacidade de processamento muito maiores estão disponíveis em todos os meios10. A aplicação desses recursos na medicina tem sido motivo de diverso trabalhos. Claussen completou seu sistema de análise digital o line do nistagmo em 1982 e o tem utilizado extensamente11.
Em 1984 a Clínica Dr. Castagno (Pelotas-RS) iniciou se esforços na adaptação da informática na prática médica. Sist mas especialistas pioneiros no país foram desenvolvidos, inclusive para avaliação otoneurológica e eletronistagmográfica12. Em 1988 a Universidade Católica de Pelotas criou o Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento em Instrumentação Biomédica, com o objetivo de desenvolver e aplicar recursos nessa área. Da união de nossos esforços surgiu o primeiro sistema digital de aquisição de dados para eletronistagmografia inteiramente desenvolvido e computadorizado no Brasil.
FIGURA 1 - Teste de calibração e rastreio pendular.
FIGURA 2 - Nistagmo aptocinético.
MATERIAL E MÉTODOSO equipamento projetado (hardware) é composto por um módulo autônomo, baseado em microcontrolador de 8 bits, que contém dos circuitos de captação, ampliação, filtragem, conversão analógico-digital e pré-análises dos sinais provenientes dos sensores ligados ao paciente. Através de acopladores óticos, garante-se o isolação galvânica entre o paciente e os circuitos eletrônicos. Esse módulo pode receber diversos tipos de "instruções", vindas do microcomputador que contém o programa principal, como execução de auto-teste e diagnóstico de falhas,auto-calibração, ajuste e ganho dos amplificadores, ajuste da banda passante dos filtros, taxa de conversão dos sinais, entre outras. Os sinais captados pelo módulo são transmitidos pelo módulo são transmitidos via cabo (comunicação serial) até o microcomputador. Os programas do módulo e do microcomputador foram desenvolvidos em linguagem C, sendo que o primeiro é gravado em memória EPROM e fica residente no equipamento. O programa principal é instalado diretamente no disco rígido do microcomputador, e sua principal característica é a "interface amigável", baseada em teclas virtuais e ícones, construída com recursos gráficos da linguagem C. Utiliza-se um monitor colorido, padrão VGA, para obter uma melhor definição e visualização dos comandos do programa e sinais captados.
O programa (software) ENGc UCPEL/CASTAGNO v.1.0 foi desenvolvido para aquisição e processamento dos sinais eletronistagmográficos. Na bateria de testes padronizados temse; 1) Calibração; 2) Nistagmo espontâneo; 3) Nistagmo semiespontâneo (Gaze nystagmus); 4) Nistagmo posicional (direita, esquerda, Rose, flexão lateral direita, flexão lateral esquerda, sentado); 5) Rastreio pendular; 6) Nistagmo optocinético; 7) Nistagmo pós -calórico (30°, 45°, e 0°C). A medida que os testes são feitos os sinais são recebidos e processados pelo computador. Diversas análises são feitas automaticamente considerando-se a existência de nistagmo, velocidade angular da componente lenta, amplitude e freqüência. Uma vez terminado os exames do dia, o médico pode reavalia-los com facilidade e emitir laudos. Sempre é possível uma análise manual de cada segmento armazenado, com o objetivo de corrigir eventuais artefatos que ocorram. Os resultados são armazenados em disco rígido ou flexível, em programa gerenciador de base de dados, para posteriores estudos e comparações.
RESULTADOSNosso sistema de eletronistagmografia computadorizada (ENGc) funcionada mesma forma que a ENG convencional, com as significativas vantagens de detecção automática de parâmetros predeterminados, armazenamento dos dados para avaliações futuras, e facilidade na emissão de laudos padronizados de real utilidade ao médico. Sistemas semelhantes foram desenvolvidos noutros centros11, 13, 14.
FIGURA 3 - Provas calóricas (30°C e 0°C)
Na figura 1 apresenta-se os segmentos dos testes de Calibração e Rastreio Pendular selecionados pelo médico no traçado como representativos do exame. Esse "recorte" feito no traçado evita a necessidade de imprimir-se todo o exame, muita embora fique armazenado no microcomputador. Na figura 2, tem-se exemplos de Nistagmo Optocinético, com a análise automática da velocidade angular da componente lenta. Exemplos das Provas Calórica podem ser vistos na figura 3, com "recortes" dos testes a 30°C e 0°C, e os resultados da velocidade angular da componente lenta, amplitude e freqüência. O laudo impresso varia de acordo com o número e extensão dos "recortes" selecionados, podendo ir de duas a cerca de 15 páginas. Entretanto, habitualmente, não requer mais de cinco páginas.
DISCUSSÃOO ouvido interno em geral e o aparelho vestibular em particular permanecem uma das fronteiras da exploração científica na otorrinolaringologia, como ilustra a polêmica existente em relação a natureza de diversas enfermidades e alternativas terapêuticas propostas. Nos pacientes com alterações no equilíbrio é imperativo um exame apropriado, que possa oferecer diagnósticos e tratamentos mais adequados, assim como controle evolutivo. A eletronistagmografia permite um estudo e acompanhamento detalhado desses pacientes. Contudo o exame requer tempo, dedicação, e esforço adicional na interpretação dos resultados. Mesmo assim, esses resultados são reduzidos a um pequeno laudo e os traçados originais freqüentemente arquivados e não disponíveis para posteriores comparações. Os sistemas de eletronistagmografia computadorizada (ENGc) possibilitam uma análise precisa, rápida e completa dos testes feitos, bem como posteriores comparações. Diversos equipamentos sofisticados de ENGc estão disponíveis no mercado mundial, mas com custos elevados (US$ 20-40 mil) e portanto quase inexistentes no país. Nosso sistema apresenta um custo semelhante ao dos aparelhos convencionais de eletronistagmografia, mesmo incluindo o microcomputador, pelo que acreditamos ser uma ótima alternativa na investigação e análise de pacientes com distúrbios do equilíbrio.
AGRADECIMENTOSOs autores agradecem a cooperação da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) através das bolsas de iniciação científica fornecidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. CASTAGNO, S.: Contribuição ao estudo clínico do aparelho vestibular. Simplificação da prova calórica de Fitzgerald & Hallpike. Tese apresentada a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, 1977.
2. BARANY, R.: Untersurchungen uber den vom Vestibulapparat des Ohres reflektorisch ausgelostem rhythmischen Nystagmus und seine begleiterscheinung. Mshr Ohrenheilk, 40. 193-297, 1906.
3. DOHLMAN, G.r Physikalische und physiologische Studien zur Theorie des kalorischen Nystagmus. Acta Otolaryngol (Stockh), suppl. V, 1925.
4. HENRIKSSON, N.: An electrical method forregistration and analysis of electronystagmographic data. Acta Otolaryngol (Stockh), 65: 200, 1955.
5. FITZGERALD, G. & HALLPIKE, C.: Studies in human vestibular function. Brain, 65: 115-137, 1942.
6. HERBERTS, G. et al.: Computer analysis of electronystagmographic data. Acta Otolaryngol (Stockh), 65: 200, 1968.
7. MATZ, G. et al.: Computer analysis and clinical evaluation of post caloric nystagmus. Aerosp Med, 41: 172, 1970.
8. HONRUBIA, V et al.: Computer analysis of induced vestibular nystagmus. Ann Oto180, supp. 3: 7, 1971.
9. ANZALDI, E & MIRA, E.: An interactive program for the analysis of ENG tracings. Acta Otolaryngol (Stockh), 80: 120-127, 1975.
10. CASTAGNO, L.: Informática em otorrinolaringologia. F med (BR), 95 (2):75-81, 1987.
11. CLAUSSEN, C.: On the evaluation of the electronystagmographicallym.corded caloric nystagmus test. Acta otorhinolaryng. belg., 41:423-435, 1987.
12. CASTAGNO, L. & CASTAGNO, S.: Otolaryngological microcomputer software. Apresentado no XII World Congress of Otolaryngology, Miami Beach, USA, 1985.
13. BOJANOWSKI, T & LONGRIDGE, N.: Computerized ENG acquisition system. The Journal of Otolaryngology, 15: 189-192, 1986. 14. WORTMANN, A., BERG, M. & HAID, T.: A new Computer analysis of the caloric test. Acta Otolaryngol (Stockh), suppl. 406: 174177,1984.
* Médico Otorrinolaringologista da Clínica Dr. Castagno.
** Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento em Instrumentação Biomédica, Universidade Católica de Pelotas.
*** Fonoaudióloga da Clínica Dr. Castagno.
**** Médico Otorrinolaringologista da Clínica Dr. Castagno, Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas.
***** Médico Otorrinolaringologista da Clínica Dr. Castagno; Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas; Professor Titular da Universidade Católica de Pelotas.
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