ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2416 - Vol. 59 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1993
Seção: Artigos Originais Páginas: 253 a 256
GRANULOMAS INESPECÍFICOS DA LARINGE.
Autor(es):
José Antônio Pinto*,
Simone Pavie Simon*,
Savio Nogueira Silva Junior*

Palavras-chave: granuloma, laringe, distúrbios da voz

Keywords: granuloma, larynx, voice disorders

Resumo: Os granulomas inespecíficos da laringe ainda representam desafio ao otorrinolaringologista por várias razões: a falta de uma melhor compreensão dos fatores etiopatogênicos, a discussão referente ao melhor tratamento e as altas taxas de recorrência. Os autores revem uma série de 20 pacientes com Granulomas Inespecífico da Laringe vistos nos últimos 10 anos (19831992) e fazem conclusões a respeito da etiologia, patologia é tratamento. Enfatizam o trabalho em equipe (Otorrinolaringologista e Fonoaudióloga) para conseguir um tratamento com sucesso.

Abstract: Nonspecific granulomas of the larynx still represent a challenge to the otorhinolaryngologists by several reasons: a lack of better understanding of etiopathogenic factors, the discussion concerning the best approach of treatment and the high rates of recurrences. The authors review a series of 20 patients with nonspecific granulomas of the larynx seen during the past 10 years (19831992) and make conclusions regarding etiology, pathology and treatment. They emphasize the work of the team approach (otorhinolaryngologist and speech therapist) to get a succesful treatment.

INTRODUÇÃO

Os granulomas da laringe são afecções orgânicas relativamente raras, que apresentam um quadro clínico e patológico bem definido.

São divididos em dois grupos: granulomas específicos e inespecíficos.

Os granulomas específicos aparecem dentro de manifestações laríngeas de doenças sistêmicas, como a tuberculose, a paracoccidioidomicose, a sífilis, a granulomatose de Wegener, a hanseníase, a sarcoidose, a doença de Crohn, etc., como lesões confundíveis com o câncer da laringe do qual somente podem ser diferenciadas através de exame anátomo patológico.

Os granulomas inespecíficos apresentam aspecto clínico peculiar: presença de ulceração e/ou tecido de granulação no processo vocal de uma ou ambas aritenóides. (figs. 1, 2 e 3). Ocorrem em maior incidência no sexo masculino e numa faixa etária que varia de 28 a 72 anos de idade com preponderância na ,4° e 5° década de vida.

Existem ainda controvérsias sobre sua nomenclatura (úlcera de Jackson, úlcera de contacto, paquidermia hipertrófica posterior), etiopatogenia, classificação e tratamento, porém, de acordo com a sua etiologia podemos agrupá-los em três subgrupos: granuloma de contacto, granuloma de intubação e granuloma por refluxo gastroesofágico.

O mecanismo deformação dos granulomas deu origem a uma série de teorias, porém, ainda assim, sua flsiopatogenia é motivo de controvérsias.

Virchow1 em 1858 foi o primeiro a descrever a paquidermia do processo vocal. Chevallier Jackson1 em 1928 usou o termo úlcera de contacto, procurando explicá-la através de um fenômeno mecânico. Acreditava que durante a fonação, os dois processos vocais das cartilagens aritenóides se chocavam fortemente resultando em uma lesão no ponto de impacto. Jackson2 chamou este fenômeno de "efeito martelo-bigorna", porém, com esta teoria ele não conseguiu explicar a seletividade da doença.

Von Lenden e Moore3, após estudos clínicos e cinematográficos experimentais, concluíram que a origem desses granulomas dependia de diferentes fatores anatômicos e fisiológicos.

A delgada mucosa que recobre as cartilagens aritenóides e o dois planos de rotação das aritenóides sobre a cricoíde, favorecem o trauma local. Estes fatores anatômicos associados condições fisiológicas próprias da função das pregas vocais como intensidade, qualidade e tom, são também condições predisponentes na formação dos granulomas.

Von Leden e Moore4 demonstraram também a aproximação mais demorada e vigorosa das aritenóides em oradores de baixo registro, assim como demonstraram que a altura aumentava vigor e a duração da aproximação das aritenóides durante cada ciclo vibratório. Este ataque vocal brusco pode resultar em lesão da mucosa da aritenóide.



FIGURA 1 - Granuloma de intubação bilateral



A tosse e o pigarrear constante também podem produzir ulcerações da mucosa nesta área de maior atrito.

Delahunty Cherry5 fizeram aplicações de secreção gástrica diariamente, nas pregas vocais de dois cachorros, por vinte minutos e produziram ulceração na mucosa, depois da 29° aplicação. Concluíram que o suco gástrico é danoso à mucosa das pregas vocais e é fator de desenvolvimento de granulomas.

Ward6 et al estudaram 28 pacientes portadores de granulomas inespecíficos e verificaram que a maioria deles apresentavam pigarrear constante secundário às secreções nasais ou, mais freqüentemente, nas regurgitações ácidas noturnas devidas às hérnia hiatal. Somente em poucos casos, diz Ward, não são encontradas causas irritativas específicas, mas os pacientes têm hábito ou "tic" nervoso de limpar a garganta.

Outras teorias falam do sistema nervoso autônomo, influência hormonal e ainda fatores como fumo, álcool, tosse e alergia7. Os granulomas secundários à intubação laríngea por anestesia geral são freqüentes, porém, em sua maioria cicatrizam espontaneamente e em somente 1 a 2% dos casos exigem tratamento pela microcirurgia laríngea.



FIGURA 2 - Volumoso granuloma inespecifico implantado na aritenóide direita.



FIGURA 3 - Aspecto histológico de tecido de granulação inespecífico com abundantes capilares e canais vasculares.



Geralmente surgem devido ao trauma da intubação ou pela pressão exercida pela sonda contra a comissura posterior ou por movimentos de sobe e desce de sondas fixadas de forma inadequada.

O diagnóstico é feito pela história clínica e pelo exame otorrinolaringológico.

Na história clínica os pacientes podem apresentar uma variedade de sintomas, desde uma disfonia leve e acentuada, dor na laringe, pigarrear constante, otalgia reflexa, sensação de corpo estranho na garganta, etc. Estes sintomas pioram com o esforço vocal.

Os antecedentes de rinosinusopatias, hérnias de hiato ou esofagite péptica, devem sempre ser pesquisados.

Os hábitos vocais têm mostrado estados hipertensionais, com voz de baixa tonalidade e ataque vocal brusco. As freqüentes recidivas pós-cirurgias isoladas ou por fonoterapiamau conduzida, sem se considerar seus fatores etiopatogênicos, tem determinado controvérsias quanto ao tratamento a ser empregado. Atualmente a terapia vocal associada ou não a cirurgia tem mostrado melhores resultados.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados vinte pacientes com granuloma inespecífico da laringe durante um período de dez anos (1983-1992).

Dos vinte pacientes 15 eram do sexo masculino e 5 do sexo feminino. As idades variavam de 25 a 70 anos com predominância entre a 3° e 5° década de vida.

Dentre estes:

- 4 pacientes apresentavam regurgitação ácida (20%),
- 4 pacientes tinham história de intubação prévia (20%),
- 12 pacientes apresentavam estado tensional de stress (60%),
- 3 pacientes apresentavam granuloma bilateral (15%),
- 18 pacientes foram submetidos a mais de um procedimento cirúrgico (90%) antes de chegar ao nosso Serviço.

Em todos os pacientes, o diagnóstico foi baseado na história e achado laringoscópico.

A maioria dos pacientes relacionavam algum grau de "stress" com piora de seus sintomas.

Todos os pacientes foram submetidos à avaliação pela laringoscopia indireta e os achados foram típicos em todos: a lesão estava localizada perto do ápice do processo vocal da cartilagem aritenóide.

A maioria dos pacientes foram seguidos pelo otorrinolaringologista a intervalos regulares através da duração do plano de tratamento da voz (mais ou menos seis meses).

Para efeito de encaminhamento terapêutico os pacientes foram agrupados de acordo com a domicílio.

Os pacientes domiciliados no local de atendimento, eram encaminhados para a fonoterapia e seguidos para avaliação da diminuição ou não dos granulomas. Os pacientes que apresentavam diminuição do granuloma continuavam com a terapia de voz e, se ao contrário, os pacientes não apresentassem uma diminuição dos granulomas num período de 3 meses, seriam encaminhados para cirurgia.

Os pacientes não domiciliados eram encaminhados diretamente para cirurgia, pois dificilmente o otorrinolaringologista poderia acompanhá-lo adequadamente.

Todos os pacientes foram aconselhados a eliminar fumo, álcool e abusos vocais.
Para o tratamento cirúrgico a anestesia empregada em todos os nossos casos foi a anestesia geral.

Utilizamos microscopia operatória com lente objetiva de 400 mm. O instrumental cirúrgico para a realização da microcirurgia da laringe foi o convencional.

Em 12 pacientes (60%) fizemos uso do laser de CO2 na voltagem de 3 a 5 watts por se tratar de uma técnica menos traumática e com menor sangramento7, 9.

Durante o ato cirúrgico, procuramos sempre preservar os processos vocais das cartilagens aritenóides, não expondo a cartilagem vocal.

Após exérese do granuloma, fazemos no leito cirúrgico infiltração de corticóide com a finalidade antiinflamatória.

15 pacientes foram submetidos a microcirurgia de laringe com exérese do granuloma e 5 pacientes não foram operados, somente sendo tratados pela fonoterapia.

DISCUSSÃO

Os diversos tratamentos do Granuloma Inespecífico da Laringe apresentavam, até pouco tempo atrás, resultados desapontadores, devido à alta incidência de recorrência, principalmente ao tratamento cirúrgico. Acreditamos que isto ocorria basicamente por não se ter uma real definição de sua etiologia.

Uma avaliação adequada dos fatores causais deve ser realizada incluindo o exame otorrinolaringológico completo, estudo da função fonatória, pesquisa do refluxo gastro esofágico e perfil psicológico do paciente. Desta forma os granulomas podem ser divididos em três grupas: granulomas por intubação, granulomas de contato e granulomas por refluxo gastroesofágico.

Podem também ser confundidos com neoplasias, razão porque muitas vezes biópsias devem ser feitas.

Atualmente com técnicas diagnósticos mais precisas (videolaringoestroboscopia) podemos confirmar a patologia com mais segurança.

Distinguimos ainda os granulomas pós-operatórios, resultantes de intervenções cirúrgicas sobre a laringe e que resolvem sem recidivas após sua extirpação.

Principalmente os granulomas de contato, decorrentes de uso abusivo da voz, de estado de "stress" exacerbado, tem respondido bem à fonoterapia, com diminuição da massa granulomatosa sem necessidade de cirurgia".

Granulomas muito volumosos que interfiram no fechamento glótico ou que prejudiquem a respiração devem ser removidos j à de início. (fig. 2)

Com a associação do tratamento foniátrico específico, obtivemos um índice de reintervenção cirúrgica nulo.

Em alguns casos há formação de tecido de granulação no leito cirúrgico, porém com a terapia medicamentosa utilizada no pósoperatória associada à fonoterapia não se deu a formação de novo granuloma, cicatrizando completamente em três meses.

A terapia medicamentosa empregada no pós-operatório constou de corticoterapia sistêmica, por aerosol (nos pacientes não portadores de distúrbios digestivos como hérnia hiatal, gastrite ou úlcera) e antibioticoterapia (penicilina via oral por 30 dias).

Baseados no estudo retrospectivo dos sucessos e insucessos, recomendamos a fonoterapia inicial com acompanhamento periódico do paciente para observação da evolução do granuloma. Se em três meses de terapia verificamos diminuição da lesão, a terapia vocal deve ser continuada. Se a lesão permanecer inalterada ou aumentou, a microcirurgia é indicada com posterior continuação da fonoterapia.

Com um melhor conhecimento etiológico e uma abordagem fonoterápica mais concisa, os resultados terapêuticos tem melhorado.

CONCLUSÃO

O tratamento efetivo dos granulomas inespecíficos da laringe depende de uma série de fatores:

1 - de um real conhecimento de sua etiologia;

2 - de uma abordagem terapêutica precisa, seja foniátrica ou cirúrgica;

3 - de uma perfeita integração entre a fonoterapêuta e o otorrinolaringologista;

4 - na revisão terapêutica de nossos casos, observando os critérios expostos, não tivemos recidiva dos granulomas inespecíficos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. JACKSON, C.: Contact Ulcer Of The Larynx. Ann Otorhinol Laryngol, 37: 227-230, 1928.
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4. VON LEDEN, H.; MOORE, P.: The Larynx and Voice: Laryngeal Physiology Under Daily Stress, Sound Film. Chicago, The Wilian & Hanied Gould Foundation, 1958.
5. DELAHUNTY, SE AND CHERRY, J.: Contact Ulcer Of The Larynx. Experimental Observations. Arch Otolaryngo4 72: 746-752,1960.
6. WARD, P.H.; ZWITMAN, D.; HANSON D.; BERCI, G.: Contact Ulcers and Granulomas Of The Larunx: New Insights into Their Etiology as a Basis For More Rational Treatment. Otolaryngo1 Head Neck Surg, 88: 262-269, 1980.
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* Médicos Otorrinolaringologistas do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo.

Trabalho apresentado no XXXI Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, São Paulo, 1992 e XXIV Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral e I Encontro Latino Americano de Laringologia, São Paulo, 1992.

Endereço para Correspondência: Dr. José Antônio Pinto- "Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo". - Al. dos Nhambiquaras, 159- CEP 04090010 - Moema - São Paulo - SP - Brasil - Fone (011) 544-1970 e Faz: (011) 5443497.
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