INTRODUÇÃOOs defeitos da porção superior da face, crânio e base do crânio, oriundos, na maioria das vezes, de traumas ou extirpações cirúrgicas de tumores malignos, representam um desafio aos otorrinolaringologistas e cirurgiões da cabeça e pescoço.
Para a reconstrução dos mesmos, dispomos de inúmeras técnicas a escolher, considerando os exames de eletromiogratia e biópsia muscular, além das vantagens e desvantagens de cada uma delas. A vantagem do uso da transposição do retalho do músculo temporal está na proximidade entre o retalho e o defeito a ser reconstituído e sua facilidade de execução, além da ampla vascularização que esse minúsculo apresenta. O defeito funcional resultante da utilização dessa técnica cirúrgica é aceitável, porém, a deformidade estética varia de acordo com a concavidade da fossa temporal. (SHAGETS et al11986).
O retalho do músculo temporal também e utilizado para a reconstrução de defeitos do assoalho da boca, língua, triângulo retromolar e faringe, constituindo-se a melhor opção quando comparado ao retalho do músculo peitoral maior, que apresenta as seguintes desvantagens para tais procedimentos: muito espesso, coloração desigual e contém área formadora de pelos (KORANDA et al2, 1987).
TIDEMAN & DODDRIGDE3, em 1987, descreveram um caso de anquilose óssea na articulação temporo-mandibular no qual utilizou-se o músculo temporal para a reabilitação do espaço articular.
FIGURA 1 - Desenho esquemático do músculo temporal (peça n° 17), apresentando duas artérias principais na sua profundidade: 1 ° artéria (1), 2ª artéria (2) e nervo (N).
Segundo STAMM et al.4, 1988, a capacidade de substituir tanto a musculatura palpebral quanto a oral leva à seleção do músculo temporal para a reabilitação da paralisia facial periférica, além de proporcionar resultados satisfatórios, na maioria dos casos, e menor número de complicações. O uso desta técnica fornece boa vascularização e inervação para o retalho transposicionado, além de que o músculo temporal é fácil de ser dissecado e manipulado graças a sua anatomia.
Ainda em 1988, PHILLIPS; PECKITT5 preconizaram o uso deste retalho na substituição da maxila removida cirurgicamente devido à presença de carcinoma espinocelular extenso.
O emprego da fáscia e músculo temporais para reconstrução de fenda palatina em indivíduo adulto foi divulgado, apresentando resultados funcionalmente favoráveis (DEMAS; SOTEREANOS6, 1989).
Portanto, para a eleição da porção muscular a ser transferida e do procedimento cirúrgico, torna-se imprescindível o conhecimento da distribuição vásculo-nervosa do músculo temporal. Com o objetivo de sistematizartal distribuição, propomos a mesodissecção de suas artérias até o nível fascicular.
FIGURA 2 - Observa-se o início da 1ª (1) e 2ª artérias (2), na porção interior do músculo (peça n° 17). Observa-se também o nervo (N).
FIGURA 3 - Observa-se a continuação da 1° artéria (1) e do nervo (N), na porção média do músculo (peça n° 17).
MATERIAL E MÉTODOSForam utilizados 20 (vinte) músculos temporais retirados de cabeças de indivíduos adultos de ambos os sexos, formolizados a 5%. As mesodissecções foram realizadas ao microscópio 131. Vasconcelos, com objetiva 2(X) mm e sob aumentos 6X, 10X e 16X.
Os planos de dissecção foram seguidos da profundidade para a superfície do músculo.
A fim de registrar os dados observados, foram realizados desenhos e fotografias, mostrando a localização e percurso das artérias em cada peça.
RESULTADOSObservou-se em 9 (nove) músculos dissecados a presença de 2 (duas) artérias principais: uma na porção anterior do músculo e a outra, na sua porção média; ambas originavam-se no pedículo vásculo-nervoso e atingiam a profundidade do músculo à medida que liberavam seus ramos (Figuras 1, 2, 3, 4 e 5). Em outros 9 (nove) temporais, uma 31 artéria foi observada na porção posterior do músculo (Figuras 6, 7, 8, 9 e 10). A presença de uma 41 artéria, também localizada na porção posterior do músculo, pôde ser detectada em duas peças anatômicas (Figuras 11, 12, 13, 14 e 15). Não descartamos a possibilidade dessa artéria ser a continuação da 31, o que não teria sido visualizado nitidamente durante a dissecção. Ramos nervosos estavam presentes acompanhando as artérias principais.
FIGURA 4 - Observa-se a continuação da 2ª artéria (2) e do nervo (N), na porção média do músculo (peça n° 17).
FIGURA 5 - Observa-se a 2ª artéria (2), na porção superior do músculo (peça n° 17).
FIGURA 6 - Desenho esquemático do músculo temporal (peça n° 2), apresentando três artérias principais na sua profundidade: 1ª artéria (1), 2ª artéria (2) e 3ª artéria (3).
De acordo com os dados obtidos originalmente de cada peça anatômica dissecada, elaboramos as tabelas 1 e 2, nas quais o número de artérias principais observadas na face profunda de cada músculo é registrado.
FIGURA 7 - Observa-se o início da 1ª artéria (1), na porção inferior do músculo (peça n° 2).
FIGURA 8 - Observa-se o início da 2ª artéria (2), na porção média do músculo (pega n° 2).
FIGURA 9 - Observa-se a continuação da 2ª artéria (2), na porção média do músculo (peça nº 2).
FIGURA 10 - Observa-se o início da 3ª artéria (3), na porção inferior do músculo (peça n° 2).
FIGURA 11 - Desenho esquemático do músculo temporal (peça n° 05), apresentando quatro artérias principais na sua profundidade: 1ª artéria (1), 2ª artéria (2); 3ª artéria (3) e 4ª artéria (4).
A fim de exemplificarmos os resultados obtidos nesse trabalho, obedecendo à classificação acima, três desenhos esquemáticos acompanham as ilustrações fotográficas correspondentes.
FIGURA 12 - Observa-se o início das 1ª (1), 2ª (2) e 3ª (3) artérias, na porção inferior do músculo (peça n° 5).
FIGURA 13 - Observa-se a continuação da 3ª artéria (3), na povão média do músculo (peça n° 5).
DISCUSSÃOA citação dos diversos autores, quanto à origem e número de artérias principais responsáveis pela irrigação sanguínea do músculo temporal penetrando na sua profundidade, apresenta-se variável.
FIGURA 14 - Observa-se a 3ª artéria (3), na porção superior do músculo (peça n° 05).
FIGURA 15 - Observa-se o início da 4ª artéria (4), na porção inferior do músculo (peça n° 5).
TABELA 1 - Característica anatômica de cada peça dissecada, de acordo com o lado e o número de artérias principais observadas na sua face profunda.
Segundo STAMM et al4, 1988, o músculo recebe, na sua face profunda, apenas duas artérias principais, não havendo, portanto, a presença da artéria temporal profunda média e sim, das artérias temporais profundas anterior e posterior penetrando predominantemente nas porções anterior e média do músculo, respectivamente, para depois difundirem-se até sua porção superior.
TABELA 2 - Classificação e totalização das peças anatômicas dissecadas, de acordo com o número de artérias principais observadas na face profunda.
LIBEGOTT7 preconiza, também, a existência de ramos profundos, anterior e posterior para o suprimento sangüíneo do músculo temporal, definindo-os como originários da artéria maxilar.
Outros autores afirmam a existência de uma 3ª artéria, a temporal profunda média, como ramo da artéria temporal superficial, proporcionando uma irrigação adicional e, em alguns casos, não essencial para a sobrevivência do músculo. Sendo assim, as artérias temporais profundas anterior e posterior são originárias da artéria maxilar1, 2, 8, 9, 10 ,11, 12.
A artéria temporal profunda média, porém originada da artéria maxilar, pode estar presente na profundidade do músculo, iniciando o seu suprimento sangüíneo. Dessa maneira, as artérias temporais profundas anterior e posterior originariam-se, respectivamente, da maxilar e da temporal superficial13.
De acordo com os nossos resultados, a artéria temporal profunda média aparece em uni número significante de músculos temporais, porém na mesma porcentagem de músculos com sua ausência. O achado de quatro artérias principais, em duas peças anatômicas, penetrando na profundidade dos músculos, pode não representar uma variação real, ou seja, durante a dissecção teria sido mascarada a observação da distribuição original dos ramos principais, responsáveis pela irrigação do músculo.
Os nervos temporais profundos, originados da divisão anterior do nervo mandibular, proporcionava inervação do músculo temporal acompanhado as artérias homônimas1, 2, 4, 7, 9, 10, 11, 12, 14.
CONCLUSÕESOs resultados apresentados neste estudo levaram-nos às seguintes conclusões:
1 - Em 4501 das peças dissecadas, a presença de duas artérias principais foi observada. Uma delas, irrigando a porção anterior do músculo, pode ser chamada de artéria temporal profunda anterior. A outra artéria (temporal profunda posterior) irriga as porções média e posterior do músculo.
2 - Também em 45% dos casos, encontramos a presença da artéria temporal profunda média, irrigando a porção média do músculo, juntamente com a localização da artéria temporal profunda posterior mais para posterior, irrigando a porção correspondente.
3 - Em apenas 10% dos casos, a presença de quatro artérias principais distribuídas pelo músculo foi observada.
4 - Somente em uma peça anatômica dissecada, observou-se anastomose entre as artérias principais.
5 - A inervação distribui-se de acordo com as artérias homônimas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. SHAGETS, F.W. et al.: Use of temporalis muscle flaps in complicated defects of lhe head and face. Arch. Otolaryngol. Hend Neck Surg, v.112, p.60-5, 1986.
2. KORANDA, F.C. et al.: The temporalis muscle flap for intraoral reconstruction. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg., v. 113, p.740-3, 1987.
3. TIDEMAN, H. & DODDRIDGE, M.: Temporomandibular joint ankilosis. Aust. Dent. J., v.32, p.171-7, 1987.
4. STAMM, A. et al.: Transposição muscular na reabilitação da face paralisada. F. Méd. (BR), v. 93, n. 3, p. 167-74, 1988.
5. PHILLIPS, I.C. & PECKITT, N.S.: Reeonstruction of the palate using bilateral temporalis muscle flaps: a case report. Brit. J. Oral Maxillofac. Surg., v.46, 11.4, p.322-5, Aug. 1988.
6. DEMAS, P.N. & SOTEREANOS, G.C.: Transmaxillary temporalis transfer for reconstruction of a large palatal defect: Report of a case. J. Oral Maxillofac. Surg., v.47, n.2, p.197-202, Feb. 1989.
7. LIEBGOTT, B.: The anatomical basis of dentistry. Saint Louis, Mosby, 1986.
8. LLORCA, F.O.: Anatomia Humana. Barcelona, 2° ed. Científico Médica, 1962. T.3.
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10. ROUVIERE, H.: Anatomia humana descriptiva y topográfica: Cabeza y cuello. 8° ed., Madrid, Casa Editorial Bailly-Bailliere, 1961.
11. SPALTEHOLZ, W.: Atlas de anatomia humana: sistema vascular, esplancnologia, sistema nervoso, órgão dos sentidos. 16 ed. São Paulo, Roca, 1988. v. 2
12. WARWICK, R. & WILLIAMS, P.L.: Gray's anatomy, 35 ed. s.1, Lomar, 1973.
13. TESTUT, L.: Traité d'anatomie humaine: Angéiologie - système nerveux central. 7. ed. Paris, Librairie Octave Doin, 1921/ Tome deuxiemel/.
14. TESTUT, L.:Traité d'anatomie humaine: osléologie-arthrologie - myologie.7. ed., Paris, Librairie "Octave Doin", 1921. /Tome premier/.
* Auxiliar de Ensino do Departamento de Patologia da FOB-USP.
Trabalho realizado com bolsista de Iniciação Científica - CNPq Processo nº 800166187-6.
** Professor Titular de Anatomia da FO-USP.
Instituição: Faculdade de Odontologia de Bauru - USP.
Al. Otávio Pinheiro Brisolla, 9-75 - 17043 - Bauru - SP.
Endereço: Faculdade de Odontologia de Bauru - USP - Depto. de Patologia da FOB- USP - Al. Otávio Pinheiro Brisolla, 9.75 - 17043 - Bauru - SP.
Trabalho apresentado no XIII Federative Internacional Congress of Anatomy, realizado no Rio de Janeiro - RI - 6-11 agosto de 1989.