INTRODUÇÃOO aumento de volume de linfonodos cervicais, principalmente cm crianças, é uma condição clínica muito freqüente. Este infartamento pode ocorrer por várias causas: reação a processos inflamatórios locais, doenças sistêmicas, processos malignos metastáticos, doença maligna linforreticular, resposta a doença auto-imune e reação a efeito de vacinação ou hipersensibilidade a droga.
Paciente com linfoadenopatia cervical submetido a uma anamnese bem orientada e exame físico completo, muitas vezes já nos dá o diagnóstico de presunção. Algum exame subsidiário completa o diagnóstico.
Há outros casos, no entanto, que apesar de toda investigação clínica c laboratorial, não chegamos ao diagnóstico, sendo necessário, então, biópsia do linfonodo para estudo anatomopatológico.
O caso clínico que se segue revelou grande dificuldade para definir o diagnóstico, mesmo considerando boa a quantidade e qualidade do material enviado para estudo histopatológico. A dúvida existia, tratava-se de linfoma de Hodgkin ou processo inflamatório reacional inespecífico.
CASO CLINICOR.M.P., 10 anos, masculino, branco, procedência: São Paulo - Capital.
Q.D.: Caroço no pescoço desde pequeno.
H.P.M.A.: Refere a mãe que a criança apresenta caroço no lado esquerdo do pescoço há mais ou menos 7 anos, praticamente inalterado nesse período. Há 1 ano vem apresentando crescimento lentamente progressivo e levemente doloroso à palpação e à movimentação do pescoço (Fig.1). Nega quaisquer queixas de garganta, nariz ou ouvidos.
FIGURA 1 - Tumorações em região submandibular esquerda, ± 4 cm de diâmetro.
FIGURA 2 - Corte coronal de tomografia computadorizada mostrando extensão da linfadenopatia.
A.P.: Somente refere ter tido problemas de infecção nos ouvidos na infância.
EXAME ORL: Na palpação cervical observava-se massa de mais ou menos 4 cm de diâmetro, localizada na região sub-mandibular esquerda junto à borda anterior do músculo esternocleidomastoideo, de consistência endurecida, não móvel, pouco dolorosa à compressão e sem sinais flogísticos. Presença de múltiplos nódulos pequenos próximos a massa medindo no máximo 1 cm de diâmetro.
Nariz, garganta e ouvidos: nada digno de nota. EXAMES SUBSIDIÁRIOS: hemograma, velocidade de hemossedimentação, protoparasitológico de fezes, P.P.D., radiografia de tórax: todos dentro da normalidade. Ultranossonografia de região cervical: massa sólida hipocogênica, de limites beta definidos e textura ecográfïca heterogênea, medindo 3,8 x 3,0 x 2,4 da, localizada anteriormente aos vasos cervicais da face lateral esquerda do pescoço. Lateralmente a esta massa, observavam-se inúmeros nódulos menores, porém, com as mesmas características, sendo o maior com 1,4 cm de diâmetro. As lesões não infiltravam nem comprimiam os vasos cervicais. Não havia evidência de nódulos na metade direita da região cervical. Parótida:, glândulas sub mandibulares, vasos cervicais e tireóide com aspecto normal. Conclusão: massa sólida e nódulos pequenos na metade esquerda da região cervical (adenomegalias).
FIGURA 3 - Corte axial de tomografia computadorizada onde se nota localização da massa anterior nos grande vasos.
Tomografia computadorizada: massa cervical esquerda de limiites nítidos, com realce ao contriste e hipodensidade central, medindo 2,5 cm de diâmetro ântero-posterior e transverso, medindo 4,0 em de diâmetro crânio-caudal, estendendo-se do nível de C2 a C5, estando situada anterior à jugular e sem plano de clivagem com a porção anterior do esternocleidomastoideo (figs. 2 e 3).
Como não havia diagnóstico foi indicada a retirada da massa para estudo histopatológico.
Cirurgia para exerese da massa cervical: paciente sob anestesia geral, foi submetido a remoção da massa utilizando-se uma incisão transversa de mais ou menos 8,0 cm bem em cima da mesma (fig.4). Foi feito descolamento por planos e retirada tia massa inteiramente. A massa era bem delimitada e pouco aderente aos planos vizinhos com características macroscópicas de línfonodo aumentado de volume, com consistência endurecida.
FIGURA 4 - Incisão cervical transversa.
Ao redor da massa, no seu plano mais profundo, haviam vários linfonodos (fig.5), medindo no máximo 1,0 em. de diâmetro. Removido um deles para exame anatomopatológico.
O exame anatomopatológico revelou: microscopia - os espécimes consistem de estruturas elásticas homogêneas nodulares com 1,0 e 6,0 cm de diâmetro e estrutura branco-amarelada, firme, fibrosa, com superfícies de corte irregulares, granulares, com zonas amareladas e áreas brancas medindo 5,0 x 3,0 x 3,0 em. Nicroscopia - os cortes histológicos demonstravam gânglios linfáticos. Os gânglios menores mostravam células linfóides regulares sem atipias e centros germinativos amplos. O nódulo maior exibia densa fibrose intersticial e exsudação focal de eosinólilos. Por entre os feixes fibrosos havia, igualmente reação inflama tória com plasmócitos, linfócitos e exsudação neutrófila com eosinólilos de permeio. As faixas fibrosas tinham colágeno espesso aeidofílico. Havia em meio á fibrose, proliferação de vasos sanguíneos com células endoteliais volumosas. Algumas raras células gigantes multinucleadas foram observadas sem atipias. Colorações especiais para BAAR e fungos, negativas.
FIGURA 5 - Corte axial de tomografia computadorizada com vários linfonodos em torno da massa principal.
Diagnóstico: Gânglio linfático com densa fibrose intersticial, reação inflamatória crônica não específica cote focos agudos e exsudativos (fig. 6).
Nota: Não havia evidências de neoplasia neste gânglio. O processo inflamatório era peculiar com densa fibrose intersticial e exsudação focal de neutrófilos com alguns focos de exsudação eosinofílica. Sugeria-se acompanhamento clínico.
COMENTÁRIOSA ocorrência de infartamento de linfonodos cervicais na infância é muito freqüente. Em estudo publicado por Banji e cols.1 em 1986 mostra que 34 % dos recém-nascidos e 58 % das crianças acima de 1 atilo de idade eram portadoras de linfonodos palpáveis num único ou em múltiplos lugares.
Várias são as causas responsáveis pelo aumento de volume dos linfonodos cervicais. Afecções inflamatórias inespecíficas em cavidade faríngea, estruturas da boca, a própria pele de regiões vizinhas ou mesmo, em menor proporção, o couro cabeludo. Estima-se que um terço dos linfonodos do corpo humano situa-se no pescoço, e, daí a compreensão ela alta incidência de comprometimento destes linfonodos.
Infecções específicas tais como tuberculose, mononucleose, actinomicose, sareoidose, lues, arranhadura do gato, também podem levara enfartamento linfonodal, com algumas peculiaridades de cada doença.
FIGURA 6 - (H. E.: 120X) Aspecto geral: Processo inflamatório caracterizado por infiltrado finfo-plasmocitário, macrófagos, freqüentes leocócitos, nentrófilos e capilares além de restos de tecido conjuntivo.
Outro grande grupo responsável por infartamento são as doenças neoplásicas. Tumores malignos de cabeça c pescoço, pulmão c outros órgãos podem metastatizar no pescoço; linfomas e outros em menor incidência.
Neoplasias benignas, tipo neurinoma, leiomioma, liemangioma, pode ocorrer simulando infartamento linfonodal. AMR e cols. em 1989 mostraram que 596 casos, incluindo crianças e adultos, a biópsia de linfonodos cervicais, revelou 35% de nódulos envolvidos com linfoma maligno e 20,5% com tumor metastático. Processo reacional hiperplásico de causa indefinida foi observado cm 23% dos casos.
Vale a pena ressaltar que a hiperplasia reacional linfonodal, constitui urna resposta não específica a uma série de estímulos antigênicos, às vezes mesmo a vacinas c a drogas. No trabalho anteriormente mencionado foi possível acompanhar 88 pacientes, por algum tempo, com diagnóstico de hiperplasia reacional. Destes, em 31 deles foi descoberta uma doença de base, diagnosticada mais tarde, clinicamente ou através de exames histopaiológicos. Destes 70%, ou seja, 22 casos estavam afetados por tumores malignos, onde a maior incidência correspondia aos linfomas não Hodgkin seguido peia doença de Hodgkin. Essa enfermidade ocorre em todas as faixas etárias mais compromete principalmente jovens e 2j3 dos casos ocorreram nas três primeiras décadas, enquanto 2/3 dos pacientes portadores de linfomas não Hodgkin tinham mais de 30 anos.
Em muitos casos a presença de aumento de volume dos linfonodos cervicais não oferece dificuldade diagnóstica. Outras vezes um aumento progressivo e indolor traz dúvida quanto à natureza do processo e suspeita de malignidade, principalmente se o nódulo estiver endurecido.
No caso do nosso paciente ele era portador de nódulo cervical de longa data, medindo 4 cm de diâmetro. O que mais induziu a mãe a procurar recursos médicos foi o aspecto estético pois não haviam outras queixas.
Como em todo caso de infartamento cervical seguimos uma investigação de rotina que inclui anamnese, exame físico e especialmente o otorrinolaringológico. Nada de anormal foi encontrado além da massa cervical com poucos linfonodos pequenos infartados ao redor dela.
Para excluir processo inflamatório em geral, foram solicitados alguns exames laboratoriais que incluíam: hemograma, velocidade de hemossedimentação, PPD, e radiografias do tórax. Pensou-se inicialmente na possibilidade de escrofulose porém, não havia dado complementar que reforçasse esta idéia. Todos os exames subsidiários estavam normais.
O exame ultrassonográfico foi realizado com intuito de avaliar o conteúdo da massa cervical. A localização junto à margem anterior do músculo esternocleidomastóideo poderia sugerir um cisto branquial. O interior da massa revelou se sólido.
A tomografia computadorizada mostrou a presença de nódulo de consistência homogênea e com linfonodos próximos. De certa forma este fato abasta a possibilidade de massa tumoral benigna tipo neurinoma.
A biópsia cervical era o último recurso para o diagnóstico. Sempre que possível devemos evitá-la, já que segundo autores corno Gooder e Paltner (1984) 3 há sem dúvida um aumento de infecções para pele e comprometimento de prognóstico quando subseqüentemente é feita a cirurgia radical em caso de câncer de pescoço.
Por outro lado, o estudo histopatológico dos linfonodos cervicais tem se mostrado útil para o diagnóstico numa variação de 53% a 76,4% segundo Doberneck4 em 1983. O melhor rendimento de biópsia cm linfonodos periféricos é aquela dos linfonodos supraclaviculares. Há alcance de 90% de acordo com os trabalhos de Sinclair c col. (1974)5.
Nos pacientes, o aparecimento de massa cervical indolor nos faz suspeitar de tumor de cavidade faríngea, principalmente de rinofaringe, onde segundo Martim e Morfit (1944), mais de 50% destes carcinomas tem corno sintoma inicial o infartamento no pescoço. Este fato é válido para adultos já que nas crianças estes tumores de linhagem epitelial praticamente não são encontrados. Atualmente, com desenvolvimento dos exames propedêuticos para melhor visualização da nasofaringe através da nasofibroscopia e com o auxílio da tomografia computadorizada e ressonância magnética pode-se detectar o tumor primitivo em qualquer parte do andar médio da face e biopsiá-lo, evitando qualquer manobra no linfonodo infartado.
Há vários trabalhos na literatura cem o de Martin7 em 1961 que revela que em muitos casos não se conseguem encontrar o tumor primário, mesmo após exaustiva pesquisa.
Na nossa opinião, a causa mais importante de dificuldade diagnóstica é sem dúvida o erro técnico. O cirurgião deve selecionar um linfonodo representativo e fazer sua remoção "in toto" com o mínimo de trauma.
Sempre que possível o patologista deve receber parte do material em estado fresco, fazer "imprint" para exame citológico, parte para fixação e preparações com corantes. Parte ainda para microscopia eletrônica, se houver interesse, ou congelado para exame hisioquímico.
A exemplo de Butker (1969) não temos feito punção biópsia em linfonodos ou mesmo estudo em congelação. No caso do nosso paciente estes exames, de nada ajudariam, já que mesmo utilizando-se várias técnicas e colorações, havia grande dificuldade de diagnóstico.
Outro aspecto importante na elucidação diagnóstica, baseado no estudo histopatológico, é a experiência do patologista que compreende: preparação do material, conhecimento da histologia normal do linfonodo e critério preciso para reconhecimento de neoplasia maligna do tecido linfo reticular diferenciando-a de reações histológicas de uma grande variedade de agentes infecciosos, efeitos de vacinas e hipersensibilidade a drogas (Dorfiman, 1974)9.
No caso do nosso paciente a preparação e análise cuidadosa de todo o linfonodo deixavam dúvida quanto a exata natureza da afecção.
O achado histológico era de processo inflamatório crônico, porém, em algumas áreas era sugestivo de linfoma de Hodgkin. Havia desarranjo cia arquitetura c algumas células linfóides era grande porém seta características de células de Reed-Sternberg. Ausência dessas células invalidava aquele diagnóstico. Outro aspecto importante na definição do diagnóstico foi a presença de linfonodo aumentado de volume que circundava o nódulo, porém sem neoplasia.
O paciente está sendo acompanhado à 2 anos pelo clínico e por nós seta que até agora tenha tido qualquer comprometimento sistêmico ou local. Logo após a cirurgia surgiu empastamento no local tendo se estabilizado até o momento. A necessidade de acompanhamento deste paciente é muito importante pois o diagnóstico de hiperplasia reacional linfonodal, segundo os trabalhos de AMR e col2, poderá apresentar alguma modificação ao longo do tempo.
CONCLUSÃODiante de um paciente portador de nódulo cervical e quando após uma anamnese consistente, seguida de exame otorrinolaringológico com rigor propedêutico, e os exames subsidiários são insuficientes para chegar ao diagnóstico, temos que nos valer da exérese do linfonodo.
A retirada cuidadosa de todo o linfonodo sem trauma oferece ao patologista condições ideais para preparação do material e conclusão histopatológica adequada. Segundo a literatura, como mencionado por AMR e col.2 há casos em que um diagnóstico de processo inflamatório crônico reacional, de causa desconhecida poderá mais tarde evoluir para um definição de doença que inclui neoplasia maligna.
Além dos cuidados mencionados é muito importante contarmos com a experiência do patologista, fundamental para distinguir neoplasias de processos reacionais de várias causas, Mesma contanto com este cortejo de medidas a nossa conclusão é de que linfoadenopatias sem causa definida e rotulados como o processo inflamatório crônico deve o paciente ser acompanhado por um logo período de tempo.
BIBLIOGRAFIA1. BAMJI, M.; STONE, R.K.; KAUL, A.; USMANI, G.; SCHACHTER, F.F.; WASSERMAN, E.: Palpable lymph nodes in healthy newborns and infants. Pediatrics 78: 573-5, 1986.
2. AMR, S.S.; KAMAL, M.F.; TARAWNEH, M.S.: Diangostic value of cervical lymph node biopsy: A pathological study of 596 cases. J. Durg. Oncol, 42: 239-43, 1989.
3. GOODER, P.; PALMER, M.: Cervical lymph node biopsy- A study of its morbidity. J. Laryngol. Otol, 98: 1031-40,1984.
4. DOBERNECK, R.C.: The diagnostic yield of lymph node biopsy. Arch. Surg., 118: 1203-5,1983.
5. SINCLAIR, S.; BEACKMAN, E.; ELLMAN, L.: Biopsy of enlarged superficial lymph nodes. JAMA, 228: 602-3, 1974.
6. MARTIN, H.; MORTIF, H.M.: Cervical lymph node metastasis as the first symptom of carcinoma. Surg. Gynecol. Obstet., 78: 133-59, 1944.
7. MARTIN, H.: Untimely lymphnodebiopsy.Am.J. Surg.,102: 17-8, 1961.
8. BUTLER, J.J.: Non-ncoplasic lesions of lymph node of man to be differentiate from lymphomas. Nat. Câncer Inst Monogr., 32: 233-55, 1969.
9. DORFMANN, R.F.; WARNKE, R.: Lymphadenopathy simulating the malignant lymphomas. Hum. Pathol., 5:519-50,1974.
* Prof Chefe de Clínica do Depto. de ORL da Santa Casa de São Paulo.
** Prof. Assistente do Depto. de ORL da Sarna Casa de São Paulo.
*** Prof Instrutora do Depto. de ORL da Santa Casa de São Paulo.
**** Médico Patologista do hospital Santa Catarina.
Trabalho realizado no Hospital Santa Catarina - Av. Paulista, 200- São Paulo.
Trabalho apresentado como Tema Livre no XXXI Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, São Paulo - agosto de 1992.