ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2378 - Vol. 59 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1993
Seção: Relato de Casos Páginas: 56 a 60
AMILOIDOSE LARINGEA: RELATO DE DOIS CASOS.
Autor(es):
Luiz Ubirajara Sentes *,
Ana Helena Chagas Ramos *,
João Roberto Ruocco **,
José Renato Roxo Guimarães **

Palavras-chave: laringe, amiloidose, neoplasia laríngea

Keywords: larynx, amyloidosis, laryngeal neoplasms

Resumo: À amiloidose laríngea é unta doença rara, representando menos de 1 % dos tumores benignos dessa região. Entretanto, a laringe é o sítio mais freqüente da manifestação localizada dessa doença. Os sintonias mais comuns são a disfonia e a dispnéia de evolução lenta e progressiva. O diagnóstico efeito através de biópsia da lesão. O tratamento é cirúrgico, com recidivas freqüentes, muitas vezes necessitando de varias ressecções, podendo levar a retrações e estenose. Neste artigo apresentamos dois casos de pacientes do seco feminino, cora doença amiloidótica restrita a laringe.

Abstract: Laryngeal amyloidosis is an uncommon condition representing less than 1% of all benings laryngeal tumors. The larynx, however, represents the most commun site for isolated and oidosis.

INTRODUÇÃO

A amiloidose é uma patologia causada pela disposição extra-celular de substância amilóide, tendo sido primeiramente descrita por ROKITÀNSKY1 em 1842. Essa denominação ocorreu da observação de VIRCHOW2 em 1851, que notou que essa substância se corava por iodo e ácido-sulfúrico, à semelhança do amido.

O acometimento das vias aero-digestivas superiores é relativamente raro, manifestando-se como tumores benignos. O envolvimento laríngeo foi primeiramente descrito em 1873 por BUROW3, na autópsia de um paciente do sexo masculino.

Desde então, cerca de 300 casos foram publicados na literatura mundial.

A Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo teve a oportunidade de estudar dois pacientes portadores desta patologia, que serão apresentado a seguir.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS

CASO 1

U.M.C., 47 anos, sexo feminino, branca, procurou nosso serviço em janeiro de 1981 referindo que há 5 anos iniciou com quadro de disfonia de evolução lenta e progressiva. Desenvolveu dispnéia há 3 anos, que se tornou acentuada, necessitando de traqueostomia, realizada em outro serviço em fevereiro de 1979, tendo abandonado o seguimento médico após esse período. Nos últimos 6 meses passou a notar disfagia também de evolução progressiva, levando-a a procurar atendimento médico novamente.

Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, respirando através de cânula de traqueostomia. O exame otorrinolaringológico mostrou alterações somente à laringoscopia indireta quando observava-se tumoração rósea, lisa e ovalada ocupando valécula, prega ariepiglótica esquerda e hipofaringe parcialmente, impedindo a visualização das cordas vocais. Não apresentava adenomegalias ou massas tumorais palpáveis na região cervical.

Foi realizada biópsia dessa tumoração por via endoscópica, cujo exame anátomo patológico mostrou-se compatível com amiloidose.

Realizou-se investigação quanto a um possível acometimento sistêmico, através de exames laboratoriais e de avaliação das funções renal e hepática. Toda a investigação se mostrou normal, sendo então submetida a biópsia renal que também não revelou qualquer alteração. Foram ainda excluídas outras patologias concomitantes que pudessem estar levando a um processo de amiloidose secundária.

Em julho de 1981 foi submetida à recessão do tumor através de laringofissura, evoluindo com paresia de corda vocal esquerda por fixação cicatricial local.

Em janeiro de 1982 observou-se, à laringoscopia indireta, tumoração com 3 cm de diâmetro, com o mesmo aspecto da massa anteriormente ressecada, localizada em valécula esquerda e base da língua do mesmo lado, deprimindo a epiglote.

Foi realizada nova laringofissura com ressecção sub mucosa da lesão, cujo exame anátomo-patológico confirmou a recidiva da amiloidose. Evoluiu cota melhora importante da obstrução respiratória, sendo retirada a cânula de traquicostomia.

Em fevereiro de 1984 a paciente voltou a apresentar dispnéia, sendo então constataria à laringoscopia indireta a existência de um tumoração infraglótica pediculada, com 1,5 cm de diâmetro, ressecada através da mesma via de acesso cirúrgico anteriormente utilizada. O exame anátomo-patológico trais uma vez revelou tratar-se de tumoração amiloidótica.

Em abril de 1987 ocorreu uma piora fonatória e acentou-se a dispnéia, ocasionada por processo de estenose laríngea cicatricial progressiva, sendo novamente submetida à traqueostomia.

Em agosto de 1988 foi submetida à cirurgia de Rethi para correção da estenose laríngea.

Após 4 meses foi possível a retirada da cânula de traqueostomia e a oclusão definitiva cio traqueostoma. A partir de então foi realizado tratamento fonoterápico.

Até o presente momento a paciente continua cm seguimento ambulatorial sem manifestação local ou sistêmica da amiloidose. Apresenta função respiratória normal e fonatória aceitável.

CASO 2

M.J.R.S., 32 anos, feminina, natural de Maranhão, procurou nosso serviço em cocados de 1991, com queixa de disfonia há sete anos, de evolução multo lenta e progressiva. Negava dispnéia, disfagia ou alterações sistêmicas.

Ao exame apresentava-se em bom estado geral, observando-se à laringoscopia uma massa irregular em comissura anterior e corda vocal direita e face laríngea da epliglote, de superfície lisa, rósea, recoberta por mucosa de aspecto normal. Foi submetida a investigação para doenças granulomatosas que mostrou-se negativa para micoses profundas e para Lues. Apresentou na pesquisa de anti-corpos para leishmaniose uma titulação de 1/32, e na reação cutânea à tuberculina (PPD) um nódulo de 15mm.

Foi submetida a laringoscopia direta, quando se observou que as lesões eram globosas, endurecidas e fixas (Fig.1). Foi realizada biópsia que mostrou-se compatível com amiloidose, sendo observado córion intensamente alargado, com depósitos hialinos sob forma de massas amorfas e presença freqüente de células gigantes do tipo corpo estranho. Com a coloração pelo vermelho Congo, observado à luz polarizada, o material apresentava características de amiloidose. Foi realizado exame tomográfico que mostrou somente o acometimento superficial da laringe. A investigação sistêmica não revelou nenhum outro acometimento amioidótico ou foco de patologia inflamatória.

Devido à apresentação extremamente localizada da lesão, e pela evolução benigna que vem apresentando, optou-se por conduta expectante e tratamento da patologia primária.

DISCUSSÃO

A amiloidose tem várias formas de apresentação clínica, podendo ser classificada quanto à composição fibrilar e extensão clínica4, 5 SYMMERS6 em 1956, a classificou de acordo cone a provável citologia:

1- amiloidose primária, quando o paciente não apresenta patologia concomitante ou de base;


 
FIGURA 1



2- amiloidose secundária, associada a diversos estados inflamatórios crônicos (artrite retumatóide), infecções crônicas (tuberculose) e neoplasias;

3- amiloidose associada a micloma múltiplo;

4- amiloidose hereditária.

As amiloidoses primárias e secundárias podem ser sistêmicas (com acometimento principalmente dos tecidos mesenquimais, como língua, coração, rins e trato gastro-intestinal) ou localizadas, nas gtutis a laringe apresenta-se como sítio mais comum, não só do trato respiratório, como de todo organismo7, 8. MC ALPINE, cm 19639 em uma revisão de 235 casos de amiloidose localizada cm trato respiratório observou o envolvimento laríngeo em 177 casos (75%). A traquéia, base da língua, cavidade nasal e faríngea se apresentam corno sítios menos freqüentes.

A amiloidose laríngea corresponde a menos de 1% de todos os tumores benignos dessa região, acometendo mais freqüentemente o sexo masculino em proporção de 3:1.

A faixa etária mais atingida situa-se entre os 40 e 60 anos, havendo, entretanto, descrição de um caso cm paciente com 80 anos10 e de três casos na infância10, 11, 12.

Na laringe, os locais mais comumente acometidos são, por ordem de freqüência, as cordas vocais, ventrículo laríngeo, bandas ventriculares, prega ariepiglótica e espaço subglótico13.

No primeiro caso, a paciente apresentava uma lesão amiloidótica supraglótica que acometia da valécula à aritenóide, que após a ressecção cirúrgica, recidivou na mesma localização, sendo também ressecada. Em seguida, a amiloidose se manifestou cm outro sítio laríngeo, corno uma tumoração pediculada subglótica. O segundo caso, também do sexo feminino, apresentava acometimento de comissura anterior e face laringea da epliglote.

A literatura descreve corno sendo a disfonia o sintoma mais freqüente, seguida de dispnéia e mais raramente hemoptise e disfagia. Tais sintomas variam (te intensidade de acordo com a localização e dimensão da massa amiloidótica8. O quadro porte evoluir lentamente, por meses ou anos, antes de levar o paciente à procura de cuidados médicos. A primeira paciente por nós estudada necessitou de traqueostomia somente após 3 anos do início da sintomatologia, enquanto a segunda, após 7 anos do início do quadro, persiste somente com disfonia.

A massa amiloidótica é descrita à laringoscopia corno sendo uma massa lisa uni ou multilobulada, de limites imprecisos e coloração rósea ou amarelo-acinzentada.

O diagnóstico é feito através da biópsia9 onde se observa rim infiltrado submucoso que quando corado pelo vermelho Congo apresenta birrefringências positivas à luz polarizada e negativas quando não coradas.

Alguns autores12, 14, 15, 16 defendem a ampla investigação de amiloidose sistêmica, uma vez detectada sua presença na laringe. Entretanto, devido ao fato de ser extremamente rara a concomitância de envolvimento laríngeo e sistêmico, outros autores consideram desnecessária essa investigação17. No entanto, acredita-se que seja importante excluir patologias concomitantes que possam ter ocasionado titia possível amiloidose secundária. No segundo caso estudado, provavelmente foi secundária tuberculose.

O diagnóstico diferencial da amiloidose laríngea inclui carcinomas, leticoplasias, pólipos mixomatosos e cistos laríngeos.

O tratamento da amiloidose laríngea é exclusivamente cirúrgico através de laringoscopia de suspensão quando possível, ou por abordagem cervical externa se necessário18. Algumas vezes são necessárias múltiplas ressecções cirúrgicas que podem levar a formação de retrações cicatriciais endolaríngeas e estenose.

No primeiro caso, devido à extensão da lesão, foram realizadas ressecções por abordagem externa, com a ocorrência de ditas recidivas em um período ele dois anos e meio. Como seqüela dessas intervenções tivemos primeiramente uma paresia de corda vocal esquerda e posteriormente tona estenose glótica cicatricial, que necessitou de correção cirúrgica. No segundo casso, pela apresentação limitada da lesão e pela sua evolução extremamente benigna, optou-se por conduta expectante.

Alguns autores preconizais o uso de radioterapia, colchicina, corticosteróides isolados ou associados a agentes alquilastes e imunodepressores, não obtendo, no entanto, resultados consistentes.

O prognóstico é bastante favorável quando existe completa excisão do tumor, e vale lembrar que não existe descrição de malignização da amiloidose na literatura.

BIBLIOGRAFIA

1. VON ROKITANSKY, K.F.: In: Handbuch der Pathologischen Anatomic. Vol.3 Vienna: Braumulier und Siedel, 1842.
2. VIRCHOW, R.: Bauund Zusamrnensetzung der Corpora Amilacea dcs Menschen. Veltr Phys Med Ges Menhurg, 2: 51, 1851.
3. BUROW, A.: Amyloide Degencration von Larynxtumoren: Kanulc siebcnJahre lang getragen. Arch. Klin. Chir., 15: 242-6, 1875.
4. GLENNER, G.C.: Amyloid deposits and amyloidosis: the beta-Hbriloses (first of 2 parts). N. Engl. J. Med., 302: 1283-92,1980.
5. GLENNER, G.C.: Amyloid deposits and amyloidosis: the beta-fibrilloses (second of 2 pars). N. Engl. J. Med., 302: 1333-43, 1980.
6. SYMMERS, W.: Primary amyloidosis: A Review. J. Clin. Pathol., 9:187-211, 1956.
7. HOLINGER, P. H.; JOHNSTON, K.C. and DELGADO, A.: Amyloid Tumors of the Larynx and Trachea. Arch. Otolaryngol., 70:555-561, 1959.
8. BARNES, E.L. and ZAFAR,T.: Laryngeal Amyloidosis.Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., 36: 856-862, 1977.
9. MC ALPINE, J.C. ct al: Primary Amyloidosis of the Upper Air Passages. J Laryngol Otol, 77. 1-28, 1963.
10. MC ALPINE, J.C.; FULLER, A. P.: Localized laringeal amyloidosis, a repor of a case with a review of the literature. J. Laryngol. Otol., 73: 296-314,1964.
11. MITRANI, M.: H. Laryrageal amyloidosis. Laryngoscope, 95: 1364-7,1985.
12. HURBRIS, C.: Laryngeal Amyloidosis in a child. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., 99: 105-107,1990.
13. BEASLEY, P.: Localized amyloidosis of the larynx. J. Laryngol. Othol., 35: 83-8, 1971
14. BARNES, E.L. JR.; ZAFAR, T.: Laryngeal amyloidosis. Clinico-pathologic study of seven cases. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., 856-63, 1977.
15. WARCY, F.: Localized amyloidosis of the larynx. J. Laringol. Otol., 36. 929-31, 1977.
16. HELLQUIST, H.; OLOFSSON, J.; SOKJER, H.; ODKVIST, L.M.: Amyloidosis of the larynx. Acta Otolaryrrgol. (Stock), 88: 4-13-50, 1979.
17. RYAN, R.E.; TEARSON, B.W.; WEILAND, L.H.: Laryngeal amyloidosis. Trans Ann. Acad. Ophtalmol. Otolaryngol, 84. ORL 872-7, 1977.
18. GRAAMANS, K.: Clinical implications of laryngeal amyloidosis. The J. of Laryngo. and Otol., Vol. 99:617-623,1985.
19. MIRANI, M.: Laryngeal amyloidosis. Laryngoscope, 95: 13461347,1985.




* Pós-Graduandos da Clínica de ORL do Hospital das Clínicas da FMUSP.
** Médicos Assistentes da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas das Faculdade de Medicina e no LIM -32 (Serviço do Prof Dr. Aroldo Mitini) - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6º andar- CEP 05403 - São Paulo - SP.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia