INTRODUÇÃO
A reabilitação não se restringe aquisição da voz. A extensão da mutilação obriga o cirurgião a fazer compreender todas as conseqüências geradas através dos tratamentos cirúrgicos, radioterápicos e quimioterápicos.
As seqüelas provocadas precisam ser muito bem esclarecidas e cuidadas desde o pré operatório, que desencadeia a natureza da aceitação aos demais tratamentos e influirá sobre a adaptação c qualidade da reintegração elo laringectomizado.
Existem conseqüências temporárias e definitivas que deverão ser dissociadas insistentemente.
Este trabalho foi desenvolvido a partir ela experiência de vários anos dedicados ao estudo na reeducação e adaptação de pacientes laringectomizados, baseados em observações pessoais e métodos desenvolvidos por autores corno BOONE, 1971, e BRUGERE el al, 1987.
ASPECTOS TEMPORÁRIOS E DEFINITIVOS OBSERVADOS NOS PACIENTES LARINGECTOMIZADOS
No período pós operatório imediato:
- Ausência total da voz, porém capacidade para outros tipos de comunicação. - Presença da cânula de traqueostomia na região cervical. Sonda naso-esofageana dentro de uma narina impossibilitando a deglutição, mesmo da saliva. - Presença de drenos de aspiração. - Frascos de perfusão intravenosa.
No final da hospitalização, o laringectomizado já estará expectorando através da traqueostomia, renunciando ao uso de aspiração traqueal.
Quanto às dificuldades encontradas no cotidiano do laringectomizado, tanto temporárias quanto as definitivas são:
1. FALTA DE COMUNICAÇÃO ORAL
Não impossibilita o exercício de outros tipos de comunicações, tais como: escrita, gestual, sineta, alarme eletrônico, etc.
Porém, a aquisição de voz constitui no elemento capital da reinserção e aceitação da mutilação.
Ênfase deve ser dada desde o início, do pós operatório imediato, à voz sussurrada, e introdução o mais rápido possível da terapia para a aquisição de voz esofageana, e ou possibilidades quanto ao uso de laringes artificiais.
Espera-se entretanto, reabilitação vocal satisfatória, no período de aproximadamente um ano.
2. PRESENÇA DA TRAQUEOSTOMIA E EVENTUAIS CONSEQÜÊNCIAS RESPIRATÓRIAS
2.1. Aspiração da sonda.
2.2. Manutenção da proteção traqueal.
2.3. Limpeza dos bordos.
2.4. Camuflagem: colarinhos falsos, lenços, etc.
2.5. Higiene e toilette pessoal requerem prudência evitando a entrada de água na traqueostomia, também prevalece para banhos de mar ou de piscina.
2.6. Dependendo do diâmetro da traqueostomia (menor que 7 em 2 ) pode haver favorecimento de tosse e hiper-secreção principalmente no inverno.
2.7. A umidade regular da proteção traqueal, permite tolerância ao ar seco do ambiente que poderá desencadear formação de crosta ou mesmo moldes brônquicos limitando a respiração.
Estas condições podem levar a um bloqueio na inspiração, gerando pânico no paciente.
Manobra preventiva deverá ser ensinada precocemente.
3. PERTURBAÇÕES DIGESTIVAS
3.1. Deglutição: normal após retirada da sonda naso-esofageana (10 a 15 dias).
3.2. Disfagia: em casos de estenose faringe esofageana.
3.3. Distensão gástrica pós prandial.
3.4. 5 Diminuição ou ausência de olfato (25%) e/ou paladar (80%).
3.5. Diminuição ou aumento da salivação somado aos problemas dentários que levam a perda parcial ou total dos dentes.
4. PERTURBAÇÕES PSICO-EMOCIONAIS
Trata-se de paciente; sentenciado, impaciente, irritado, com diminuição da auto-estima, muitas vezes com insônia, que não está encontrando seu lugar no meio familiar, as vezes com dificuldades financeiras e confiados à residência.
5. QUANTO A VIDA FAMILIAR
5.1. A convivência conjugal é modificada, principalmente em pacientes com idade superior a 50 anos, porém não é comum a deteriorização em casais unidos.
5.2. A vicia sexual é alterada mais em homens do que em mulheres operados, e ausência de contato sexual é atribuída muitas vezes à fadiga dos intensos tratamentos recebidos e em outros casos à repugnância causada pela stomia (MINEAR e LUCENTE, 1979).
6. RELAÇÕES EXTRA-FAMILIARES
São indispensáveis desde que possíveis e devem ser encorajadas, particularmente, sem acompanhantes.
A inabilidade familiar em alguns casos, com superproteção, diminui a adaptação à vida externa.
O fato do ar conter partículas, acarreta tosse e/ou secreção da Stomia, praticamente impossibilitando, o laringetomizado de freqüentar lugares públicos corno restaurantes, cinemas, teatros, etc.
7. O RETORNO AO TRABALHO
É difícil mas de ajuda valiosa para a reabilitação. As dificuldades parecem incontornáveis a médio e longo prazo.
Muitas são as dificuldades encontradas tais como as faltas ao trabalho decorrentes de recidivas, tratamento fonoterapêutico, visitas ao médico, problemas nutricionais que causam fadiga, ausência de dentes, perda do filtro respiratório fisiológico, diminuição da força psíquica e da resistência física, diminuição da capacidade muscular dos braços (força e habilidade).
As dificuldades aumentam levando-se em conta que o paciente é portador de comunicação deficiente, com pouca aceitação própria e do meio profissional anterior.
Quanto a má informação de alguns médicos do trabalho sobre o prognóstico e/ou chances de recuperação do paciente, empurram ao máximo o paciente a usar direitos legais do tipo aposentadoria por incapacidade.
Estes profissionais acabam estimulando ou induzindo o laringectomizado a se sentir inválido para a reinserção profissional.
Ausência de qualificação com dificuldades para reclassificação dentro da própria empresa também é fator agravante.
ASPECTOS DA EQUIPE MÉDICA E PARAMÉDICA ENVOLVIDA
A equipe envolvida deve ser formada por médico, clínico, cirurgião, fonoaudióloga, assistente social, psicóloga ou psiquiatra.
A ajuda à reintegração de um laringectomizado é um trabalho de equipe que será desenvolvido levando-se em consideração a personalidade de cada paciente.
Há necessidade de centralização das decisões tomadas pela equipe, função naturalmente desempenhada pelo médico clínico ou cirurgião ou foniatra.
As prioridades das visitas periódicas, ao médico para controle são:
1. Exame da traqueostomia, dispnéia, adenopatia cervical, via digestiva superior, hipertonia do músculo crico-faríngeo, etc., tendo por objetivo encontrar recidivas, segundas localizações, estenoses, fístulas.
2. Indicação de radioterapia ou novas intervenções cirúrgicas.
3. Avaliação quanto ao período de início da introdução da aquisição ela voz esofageana e /ou possibilidades de uso de laringes artificiais.
No caso de evolução adequada da terapia, avaliar os resultados obtidos quanto à qualidade, timbre, fluidez, inteligibilidade e presença de ruídos parasitas. É pois então necessária a inter relação cota a fonoaudióloga que, por sua vez já avaliou o padrão de voz existente no pré operatório e que irá dar seguimento terapêutico nesta área.
4. E no caso de insucesso na aquisição da voz esofageana decisão quanto às técnicas cirúrgicas para reabilitação vocal.
5. A inter relação com assistente social visa a reintegração no ambiente de trabalho, na tentativa de modificar certas situações.
Toda a equipe deverá ficar alerta aos problemas psíquico-emocionais, porém o contato mais freqüente e de maior intimidade adquirido nas sessões terapêuticas, fazem da fonoaudióloga o personagem melhor capacitado a captar dados que serão encaminhados à assistência profissional específica melhor qualificada com psicóloga ou psiquiatra.
Sob alguns aspectos, os laringectomizados afrontados cota a grave incapacidade a eles imposta, devem tender a construir moral coletiva, no intuito de sua maior proteção, daí a necessidade de introdução às associações de laringectomizados. Estas associações permitem formação de grupos terapêuticos, proporcionando ajuda mútua com algumas vantagens financeiras.
É discutível a introdução de contato de um laringectomizado reabilitado com o futuro operado, no período pré operatório.
CONCLUSÃO
Em todos os casos o desejo individual do laringectomizado é exercido cota poder decisivo. Tudo o que for possível deve ser realizado e ainda parece não satisfatório a curto e a médio prazo.
BIBLIOGRAFIA
1. BOONE, D. R.: The Voice and The Voice Therapy. 1 ed. Voice Therapy for the Laringectomy Patient. Englewood Cliffs, Prentice Hall, Inc., 1971, p. 197-223. 2. BRUGERE, J.; LEMANN, M.; LAURENT, A.; RODRIGUES, J.; POINT, D.: Reinsertion et Survellance Medicale du Laryngectomise. Encyd. Med. Cirug. Otorrino-Laringologie, 1 Ed., Paris, Editions Techniques, 1987, EMC (214) (20710 a 30) 1-11. 3. MINEAR, D.; LUCENTE, F.E.: "Current Attitudes of Laryngectomy Patients'". Laryngoscope, 1989, 1061-1065, 1979.
* Médica Colaboradora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ** Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Clínica Privada.
Endereço dos autores - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6° andar Sala 6021 - São Paulo - SP - CEP 05403.
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