INTRODUÇÃOA tuba auditiva tem as funções de aeração, drenagem e proteção do ouvido médio contra agentes da rinofaringe. No intuito de prever o resultado cirúrgico em miringoplastias vários autores têm estudado a função da tuba auditiva préoperatoriamente.
MacKinnon em 1969(1) estudou a função tubária através das provas de insuflação e deflação em 80 doentes antes da cirurgia, encontrando bons resultados cirúrgicos em 80% dos casos que tinham provas normais e somente 29% de sucesso em doentes com rovas alteradas.
Cohn e cols(2) estudaram 92 ouvidos pré-operatoriamente através das provas de insuflação e deflação encontrando também melhores resultados em pacientes com provas normais, mas concluiram que as provas tubárias alteradas não contra-indicam a cirurgia.
Esses autoresflrl concordam que a prova de pressões negativas tem prognóstico mais fidedigno. Sato e col.(3) estudaram 75 doentes portadores de otite média crônica, avaliando pré-operatoriamente as funções de insuflação, deflação e do clearence, concluindo que as provas de clearence e a insuflação têm maior valor prognóstico.
Andreasson e Harris (4) realizaram provas pressoncas em pacientes com otite média crônica pré e pós operatoriamente e não encontraram relação entre os 2 achados, concluindo que a função tubária pobre na otite crônica pode ser secundária a outros fatores responsáveis pela doença.
O desenvolvimento dos espaços aerados do ouvido médio ocorre a partir do nascimento com o estabelecimento da respiração. A medida que o ar penetra através da tuba auditiva na cavidade timpânica e no antro mastóideo, o tecido conectivo que preenchia essas cavidades se condensa recobrindo a superfície interna do ouvido médio. O crescimento das células da mastóide se dá pela dilatação de evaginações da cavidade timpânica e do antro estimulada pelo processo de ventilação através da tuba auditiva(5). Segundo Rubensohn (6), o sistema aéreo da mastóide se completa até a idade de 10 anos no sexo masculino e de 15 anos no sexo feminino.
Alguns autores que estudaram o desenvolvimento da mastóide em gêmeos homo e heterozigóticos, e outros, que estudaram o paralelismo entre este desenvolvimento e o dos seios da face, estabeleceram a importância do fator genético no grau de pneumatização da mastóide (7).
Segundo Wittmack(7) a infecção bacteriana ou inflamação estéril no ouvido médio na primeira infância, mesmo sem perfuração timpânica pode levar à ftbrose do tecido conectivo embrionário impedindo sua condensação normal e adelgaçamento, o que prejudicaria o processo normal de pneumatização. O autor também defende que em casos de perfuração timpânica, aonde a ventilação do ouvido médio pode estar até aumentada, a ventilação mastoídea continua suprimida, pois o mesmo processo que levou à otite média leva à uma mastoidite silenciosa e/ou inflamação da correcção entre ouvido médio e as células mastoídeas.
Em estudo realizado por Diamant(8) evidencia-se a existência de variação do tamanho da mastóide em indivíduos normais que obedece uma curva de Gauss. No mesmo estudo notou-se que os indivíduos acometidos por otites médias agudas obedeceram a mesma distribuição, enquanto que os portadores de otite média crônica apresentaram mastóides significativamente menores. Entretanto, Tumakin considera toda mastóide hipo pneumatizada como patológica Shimada e cols. (9) relacionaram a função tubária à área das células mastoídeas encontrando diferenças significativas entre portadores de otite média crônica com função tubária normal e alterada, e de mesmo modo entre indivíduos normais e portadores de otite média crônica.
Portanto uma deficiência na função ventilatória da tuba, leva a um hipodesenvolvimento mastoídeo e predispõe a uma série de patologias, dentre as quais a otite média crônica. Os resultados de miringoplastias são dependentes de uma boa função tubária.
O objetivo deste trabalho é relacionar a pega de enxerto em miringoplastias em adultos com o tamanho da mastóide. Comparou-se os resultados cirúrgicos com o regime de aeração tubária na infância para verificar se a alteração tubária nesse período continua repercutindo na fase adulta.
FIGURA 1 - Medida objetiva da área da mastóide.
CASUÍSTICA E METODOLOGIAFoi realizado estudo retrospectivo cm 80 pacientes portadores de otite média crônica simples submetidos à miringoplastia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de 1989 a 1991. Foram selecionados 80 pacientes que foram submetidos à estudo radiológico, 40 com pega total do enxerto (grupo 1), e 40 com pega parcial ou não pega do enxerto (grupo 11). Em nosso estudo houve predominância do sexo feminino (60,76%) com a idade média de 20,55, variando entre 15 e 48 anos.
Não haviam diferenças significativas entre os grupos 1 e 11 em relação à idade e sexo dos doentes. O Rx na posição de Schüller foi avaliado subjetivamente quanto ao grau de pneumatização, e de modo objetivo pela medição da mastóide visando estimar sua área (fig. 1). A classificação subjetiva levou em conta não o tamanho mas a presença de células, sendo que as mastóides ebúrneas não apresentaram células visíveis (fig. 2), as pneumatizadas apresentaram células que eram visíveis indo além da projeção da pirâmide (fig. 3), e as hipopneumatizadas eram intermediárias (fig. 4).
Encontrou-se 22 mastóides ebúrneas ( 27,5%), 42 hipopneumatizadas (52,5%) e 16 pneumatizadas (20%). Ver Tabela 1.
A medida objetiva obedeceu metodologia proposta por Imai e cols (10) onde a área é obtida pelo produto da maior dimensão das células mastóideas no plano órbito meatal e a maior dimensão das mesmas em uma linha perpendicular à esse plano. A área média foi de 7,62 cm2 variando de 1,82 a 27,04.
Todos os pacientes foram operados na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentavam ausência de otorréia por pelo menos 2 meses. A técnica empregada foi de acesso endaural com espéculo de Holder ou retro-auricular (nos casos de conduto auditivo externo estreito). Era realizado incisão da pele e perióstio da parede posterior do conduto auditivo externo de 6 a 12 horas, seguido de descolamento deste retalho até anel timpânico. Após escarificação dos bordos da perfuração, o enxerto (fáscia de músculo temporal ou duramáter) era colocado sob a perfuração sustentado por esponja cirúrgica absorvível. A esponja também era colocada no conduto sem aspiração pós operatória. Os pacientes foram avaliados após 3 meses da cirurgia quanto ao resultado cirúrgico.
Foi aplicado o teste estatístico de análise de variância para a avaliação dos resultados. O índice de significância adotado foi de p menor ou igual à.005.
FIGURA 2 - Mastóide ebúrnea.
RESULTADOSPara apresentação dos resultados usaremos a tabela 1, II e III.
A tabela I refere-se ao número de pacientes de cada grupo com relação à classificação subjetiva da pneumatização da mastóide.
A tabela II refere-se ao número de pacientes de cada grupo com relação à medida objetiva da pneumatização da mastóide.
Para melhor representação da tabela R a mesma foi simbolizada no gráfico I.
A tabela III compara os métodos subjetivo e objetivo da avaliação da pneumatização mastoídea.
O teste de análise de variância aplicada à tabela I não revelou diferenças significativas (p >.005) entre os grupos estudados.
O teste de análise de variância aplicado à tabela 11 não revelou diferenças significativas (p >.005) entre os grupos estudados.
TABELA I
FIGURA 3 - Mastóide pneumatizada.
TABELA II
FIGURA 4 - Mastóide hipopneumatizada
DISCUSSÃOA pneumatização da mastóide infere o funcionamento tubário no período de desenvolvimento da mastóide. Nesse estudo, os resultados cirúrgicos foram observados após esse desenvolvimento e comprovam que nem sempre essa disfunção persiste no adulto, uma vez que de acordo com a maioria dos autores a disfunção tubária é diretamente proporcional ao sucesso cirúrgico( 1,2).
Quanto à medida da área, apesar de ser um método mais objetivo de avaliar o desenvolvimento da cavidade mastoídea, observamos que não houve relação nítida entre o grau de pneumatização e a área (vide tabela III). Por esse achado resolvemos estudar separadamente, a avaliação subjetiva da objetiva.
O número de pacientes avaliados também nos permite uma avaliação estatística representativa. Os resultados que foram avaliados após 3 meses da cirurgia comprovaram nos casos de pega do enxerto que essa não foi prejudicada pelo hipodesenvolvimento da mastóide. Entretanto, seria material de um estudo posterior a evolução desses pacientes para verificar seu resultado a longo prazo.
TABELA III
GRAFICO I
CONCLUSÕES E INFERÊNCIAS1 - Não houveram diferenças significativas quanto a pega do enxerto, levando-se em conta a pneumatização e área da mastóide.
2 - A função tubária no adulto não necessariamente é igual à da fase de desenvolvimento da mastóide.
3 - A verificação pré-operatória do desenvolvimento da mastóide não é fator prognóstico quanto à pega do enxerto em miringoplastia em adultos.
BIBLIOGRAFIA1. MACKINNON, D.M.; Relationship of pre-operative Eustachian Tube function to Miringoplasty. Acta Otolaryng, 69:100-106,1970.
2. COHN, A.M.; SCHWABER, M.K.; ANTHONY, L.S.; JERGER, J.F.: Eustachian Tube Function and Timpanoplasty. Ann Otol, 88:339-374,1979.
3. SATO, 1I.; NAKAMURA, 1-1.; HOJO, L; HAYASHY, M.: Eustachian tube Function in Timpanoplasty. Acta Otolaryngo1 (Stockh), Suppl, 471:9-12,1990.
4. ANDREASSON, L.; HARRIS, S.: Middle Ear Mechanies and Eustachian Tube Function in Timpanoplasty. Acta Ototaryngol Suppl, 360:141-147,1979
5. JULIEN, N.: Mastoidites Aigues du Nourrison et de Venfant. In: Enclyclopédie Médico - Chirurgicale. Paris, Éditions Techiniques, 1990, V.1, p. 1-9.
6. RUBENSOIIN, G.: Mastoid penumatization in children at various ages. Acta Otolaryngol (Stockh), 60:11-14,1965.
7. WAYOFF, M.; BREMOND, G.;BEREZIN, A.: Otites Moyennes Chroniques. In: Enclyclopédie Médico -Chirurgicale. Paris, Éditions Tecniniques, 1975. V. 1 p. 1-14.
8. DIAMANT, M.: The Pathoiogic Size of the Mastoid Air System. Acta Otolaryngol (Stockh), 60:1-10,1965.
9. SHIMADA, S.; YAMAGUCI11, N.; MONDA, Y.: Eustachian Tube Function and Mastoid Pneumatization. Acta Otolaryngol (Stockh), Supp1471:51-55,1990.
10. IMAI, A.; ANO, Y.; TAKAHASHI, S.. Pneumatization of the Temporal Bone - inlluence of inflamation. Ototaringology Tokyo, 50: 633-40,1978.
* Professor associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
** Pós graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
*** Médico preceptor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
**** Residente de 3° ano do Hospital das Clínicas da FMUSP
***** Professor doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
****** Professor titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica da Fac. de Medicina da Univ. de São Paulo. (L/M32). Fonte. CEDRO - Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em Otorrinolaringologia.
Trabalho apresentado na 1X Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia - Belém -1991.
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