ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2356 - Vol. 66 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2000
Seção: Relato de Casos Páginas: 63 a 66
CISTO EPIDERMÓIDE GIGANTE DE ASSOALHO DE BOCA.
Autor(es):
Walmir E. P. A. D'Antonio*,
Cláudio M. E. Ikino*,
Márcia S. Murakami**,
Luiz U. Sennes***,
Domingos H. Tsuji****.

Palavras-chave: cisto dermóide, cisto epidermóide, assoalho de boca

Keywords: dermoid cyst, epidermoid cyst, mouth floor

Resumo: Os cistos epidermóides são cistos dermóides que contêm somente queratina em seu interior, não possuindo anexos dérmicos. King (1994), em revisão da literatura, encontrou, entre 198 casos de cisto dermóide de assoalho de boca, 108 cistos dermóides propriamente ditos, 32 cistos epidermóide e 7 teratomas. Os autores descrevem o caso de um paciente com 15 anos de idade, do sexo masculino, com uma massa cística de grandes dimensões abaulando o assoalho de boca e a região submental, submetido a exerése por via oral, cujo diagnóstico anátomo-patológico foi de cisto epidermóide. Neste relato de caso, discutimos a origem, localização, classificação e abordagem cirúrgica dos cistos dermóides de assoalho de boca.

Abstract: Dermoid cysts of the floor of the mouth are rare findings. King (1994) identifies 198 case reports of these cysts which histology were: 108 of them were dermoid cyst, 32 of them were epidermoid cyst and 7 of them were teratoma. Authors describe the case of a 15 year old mate who presented with a large cystic mass in the floor of the mouth and a swelling in the submental space. The mass was excised by an intra-oral approach and histopathology diagnosis was epidermoid cyst. This paper discuss origin, classification, location and surgical treatment of these cysts.

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

O cisto dermóide é uma entidade clinica que, histologicamente, pode ser diferenciada em cisto epidermóide, cisto dermóide propriamente dito e teratomas. Sua ocorrência no assoalho de boca tem sido relatada desde 1885, quando foram descritos os primeiros casos bem documentados por Bultin2; no entanto, os mesmos são de ocorrência pouco comum. New e Erich (1937)8 estudaram uma série de 1.495 casos ele cistos dermóides, dos quais apenas 24 encontravam-se em assoalho de boca, correspondendo a 1,6% dos casos. Katz (1974)6, revisando a literatura, também encontrou dados semelhantes (1,8% de casos). Entre os cistos dermóides, o cisto epidermóide de assoalho de boca é ainda mais raro, sendo que King (1994) encontrou, entre 198 casos de cistos dermóides desta região descritos na literatura, 108 cistos dermóides propriamente ditos, 32 cistos epidermóides e 7 teratomas7.

Na avaliação de pacientes com cistos de assoalho de boca, deve se fazer diagnóstico diferencial com rânula, obstrução do dueto da glândula submandibular, neoplasia de glândula sublingual ou salivares menores, cisto do dueto tireoglosso, higroma cístico, celulite e acúmulo de tecido adiposo. O mesmo é realizado através da anamnese, exame físico, exames de imagem e anátomo-patológico Os cistos dermóides em geral apresentam-se como estruturas císticas, de crescimento lento e progressivo, presentes desde a infância, localizando-se mais freqüentemente na linha mediana. Ao exame físico, apresentam consistência amolecida, sendo geralmente indolores à palpação, sem sinais flogísticos e sem mobilidade com a deglutição. Nos exames de imagem, observa-se uma estrutura encapsulada, de conteúdo cístico, sem captação à cintilografia7, 1.

Os autores descrevem um caso de cisto epidermóide em assoalho de boca de grandes dimensões, atendido na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, discutindo sua origem, classificação, localização e abordagem cirúrgica.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Paciente com 15 anos de idade, do sexo masculino, natural e procedente de Rondônia, procurou a Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP com queixa de abaulamento em região de assoalho de boca e submental, de crescimento lento e progressivo, indolor, sem sinais flogísticos há 10 anos. Apresentava disartria e negava dispnéia ou disfagia. Ao exame físico, notava-se um abaulamento em assoalho de boca, de consistência cística, medindo cerca ele 6 X 6 cm, deslocando a língua póstero-superiormente e elevando as glândulas sublinguais e os óstios dos ductos das glândulas submandibulares, que aparentemente situava-se na superfície (Figura 1).



Figura 1. Massa abaulando o asse Ilho da boca. Notem-se a incisão horizontal no assoalho da boca, com esposição da cápsula do cisto, e a posição dos óstios dos ductos das glândulas submandibulares, que se encontram cateterizados.



Figura 2. Imagem de perfil do paciente mostrando o abaulamento da região submental.



A região submental encontrava-se abaulada (Figura 2) e, à palpação, havia continuidade com a massa intraoral. No exame da região cervical não foram encontradas adenomegalias.



Figura 3. Tomografia computadorizada de face. Corte axial, mostrando lesão hipoatenuante, de contornos bem definidos em assoalho de boca.



O hemograma, exames bioquímicos de rotina e o raio X simples de tórax não apresentaram alterações. A tomografia computadorizada revelou formação cística de conteúdo homogêneo, encapsulado e de paredes finas, localizada em assoalho de boca, no nível da linha média, deslocando o músculo genioglosso e genio-hióideo lateralmente (Figuras 3 e 4), medindo 6 X 5 X 7 cm. A glândula tireóide apresentava-se tópica e de aspecto normal.

Como o cisto apresentava protusão importante no nível do assoalho bucal e localizava-se predominantemente acima dos músculos genioglosso e geniohióideo, optou-se por abordagem intraoral. Apesar elo tamanho ela lesão, a intubação orotraqueal do paciente foi realizada sem maiores dificuldades, graças ao seu caráter cístico. Os duetos das glândulas submandibulares foram cateterizados para facilitar sua identificação durante a cirurgia. Incisou-se a mucosa do assoalho bucal e os tecidos subjacentes entre a inserção da língua e os duetos das glândulas submandibulares, até se atingir a cápsula cio cisto. Iniciou-se a dissecção do mesmo, separando-o do tecido conjuntivo e musculatura adjacente, até sua completa liberação e remoção (Figura 5). Aproximou-se a musculatura com sutura em nível ela linha mediana, aproximando-se os músculos do assoalho da boca afastados lateralmente pelo cisto. A mucosa foi aproximada, deixando-se dreno de Penrose.

O paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório, recebendo alta após três dias da cirurgia, sendo encaminhado para o Serviço de Fonoterapia para correção de distúrbio articulatório.

Ao exame anátomo-patológico, a massa apresentou-se como cisto de revestimento epidérmico, contendo queratina em seu interior, medindo 5,0 X 4,5 X 4,0 cm e pesando 30g e firmando diagnóstico de cisto epidermóide.



Figura 4. Tomografia computadorizada de face. Corte coronal, mostrando lesão hipoatenuante e ocupando o assoalho de boca, cota projeção intraoral e submental, separando no plano mediano a musculatura extrínseca da língua e do assoalho de boca, com exceção do músculo milióideo.



Figura 5. Peça cirúrgica. Notem-se as dimensões do cisto.



DISCUSSÃO

Cistos dermóides são cistos formados por revestimento epidérmico. Histologicamente, são divididos em três tipos de acordo com seu conteúdo. Se não há anexos dérmicos presentes, o cisto é dito epidermóide; se anexos como glândulas sebáceas, glândulas sudoríparas ou folículos pilosos estão presentes, o cisto é denominado dermoide7, 1. O terceiro tipo, denominado teratoma, é formado por revestimento contendo estruturas derivadas das três camadas germinativas -ectoderma, endoderma e mesoderma -, podendo conter em seu interior anexos dérmicos, segmentos de músculo, osso e mucosa respiratória ou gastrointestinal5, 4, 11. O caso em discussão trata-se de um cisto epidermóide, pois, ao anátomo-patológico, evidenciou-se que era revestido por epiderme e continha queratina em seu interior, sem outros anexos.

A patogênese dos cistos dermóides permanece obscura12, existindo duas teorias para explicar sua origem. A mais popular é a teoria congênita, a qual sugere que o cisto se origina de tecido pluripotente mediano encarcerado durante a fusão dos primeiro e segundo arcos branquiais, na terceira e quarta semanas de vida intra-uterina. A segunda é a teoria adquirida, na qual ocorreria implantação de células epiteliais nos tecidos profundos durante a vida intra-uterina secundária a trauma cirúrgico (amniocentese por exemplo) ou acidental7.

Com relação à localização, os cistos podem ser classificados como medianos e laterais. Colp (1925)3 classificou os cistos de acordo com sua relação com a musculatura. Podem localizarse acima do músculo genio-hióide e abaixo do músculo genioglosso, abaulando o assoalho de boca; podem se localizar abaixo do músculo genio-hióide e acima do músculo milo-hióide, abaulando a região submental ou podem localizar-se lateralmente, no espaço submandibular, acima do músculo milo-hióide e lateral à base da língua7. A tomografia computadorizada mostrou um cisto mediano, localizado acima do músculo milo-hióide, separando o músculo genio-hióide e gênio-glosso lateralmente, extendendo-se acima destes últimos. Clinicamente, observamos que o cisto abaulava tanto o assoalho de boca quanto a região submentual.

A localização do cisto é fator determinante na abordagem cirúrgica. Em sua maioria, os autores sugerem abordagem intraoral para o cisto sublingual e a abordagem submentual para os cistos submentual e submandibular5, 4. Seward (1965)10 e Rapidis (1981)9 preconizam abordagem intra-oral para todos os casos, exceto se houver vasos sangüíneos calibrosos adjacentes ao cisto. Outros sugerem abordagem extra-oral para grandes cistos, para evitar lesão de estruturas adjacentes importantes7.

No caso relatado, realizamos cateterização dos duetos submandibulares para identificar os mesmos, prevenindo sua lesão durante a cirurgia, como preconizado por King (1994)7. Iniciamos com abordagem intra-oral; e, através de dissecção cuidadosa, foi possível a exérese completa do cisto, mesmo de sua porção inferior, sem que houvesse lesão do mesmo ou de estruturas adjacentes. Em nosso caso, a abordagem intra-oral foi suficiente, não se necessitando de unta v ia submental conjugada, e poupando-se o paciente de uma cicatriz externa. Por tratar-se de afecção benigna, acreditamos que tal conduta seja satisfatória, devendo se reservar o acesso extra-oral para os casos em que houver dificuldade de retirada do cisto por acesso intra-oral e cistos exclusivamente submentais ou submandibulares, em concordância com Seward (1965)10 e Rapidis (1981)9.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os cistos dermóides devem ser lembrados no diagnóstico diferencial das lesões cervicais de linha mediana, sendo importantes a realização de anamnese e exame físico cuidadosos, associados a exames de imagem apropriados.

O tratamento é cirúrgico e sua programação deve levar em conta os dados supracitados e a experiência e bom senso do cirurgião.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BLANCO, I. L.; CLIMENT, F. P.; SANCHIS, R. C.; VAILLO, F.Y.; GUASP, C. O. - Quiste dermoide gigante de suelo de boca. Anales O.R.L. Iber. Amer., 6: 601-608, 1995.
2. BULTIN, H. T. -Diseases of tongue. London: Cassal, p. 237, 1885. Apud: Al-Khayat, M.; Kenyon, G.S. - Midline sublingual dermoid cyst. J. Laryngol. Otol., 104: 578-580, 1990.
3. COLP, R. -Dermoid cyst of the foor of the mouth. Surgery, Gynecology and Obstetrics, 40:183-195, 1925. Apud: Al-Khayat, M.; Kenyon, G.S. - Midline sublingual dermoid cyst. J. Laryngol. Otol., 104: 578-580, 1990.
4. EPPLEY, B. L.; BELL, M. J.; SCLAROFF, A. - Simultaneous ocurrence of dermoid and heterotopic intestinal cysts in the floor of the mouth of a newborn. J. Oral Maxillofac. Surg., 43: 880-883, 1985.
5. FAERBER, T. H.; HIATT, W. R.; DUNIAP, C. - Congenital teratoid cyst of the floor of the mouth. J. Oral Maxillofac. Surg., 46.- 487490, 1988.
6. KATZ, A. D. - Midline dermoid tumours of the neck. Arch. Surg., 109:822-823, 1974.
7. KING, R. C.; SMITH, B. R.; BURK,J. L. - Dermoid cystin the floor of the mouth. Oral Surg., Oral Med., Oral Pathol., 78:567-576, 1994.
8. NEW, G. B.; ERISHJ. B. - Dermoid cysts of the head ad neck. Surgery, Gynecology and Obstetrics, 65:48-55, 1937. Apud: Al Khayat, M.; Kenyon, G. S. -Midline sublingual dermoid cyst. J. Laryngol. Otol., 104: 578-580, 1990.
9. RAPIDIS, A. D.; ANGELOPOULOS, A. P.; SCOUTERIS, C. - Dermoid cyst of the floor of the mouth: report of a case. Br. J. Oral Surg., 19:43-51, 1981.
10. SEWARD, G. R. -Dermoid cysts of the floor of the mouth Br. J. Oral Surg., 3: 36-47, 1965. Apud: King, R.C.; Smith, B.R.; Burk, J.L. - Dermoid cyst in the floor of the mouth. Oral Surg., Oral Med., Oral Pathol., 78: 567-576, 1994.
11. TAKATO, T.; MASARU, L; YOSHIYUKI, Y. -Heterotopic gastrointestinal cyst ç>f the oral cavity. Ann. Plast. Surg., 25: 146-149, 1990.
12. TRIANTAFILLIDOU, E.; KARAKASIS, D.; LASKINJ. -Swelling of the floor of the mouth. J. Oral Maxillofac. Surg., 47: 733-736, 1989.




*Médico Estagiário da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médica Otorrinolaringologista pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Médico Assistente-Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da 1inicersidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Serviço do Professor Aroldo Miniti).
Endereço para correspondência: Walmir Eduardo Paixão Assis D'Antonio - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica -Hospital das Clinicas da FMUSP - Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar - sala 6021 - 05403-000 São Paulo/ SP - FAX: (Oxx11) 280-0299.

Artigo recebido em 20 de abril de 1999. Artigo aceito em 10 de junho de 1999.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia