INTRODUÇÃOA presença de disfagia, sintoma comumente referido na prática médica, abre um grande espectro de possibilidades diagnosticas. Entre estas, uma causa pouco comum descrita na literatura é a presença de um osteófito gigante na coluna cervical, sendo a disfagia presente, nestes casos, em 6 a 28% dos pacientes7, 11, 3. O mecanismo da disfagia é a interferência com a deglutição na junção faringo-esofágica ou com a peristalse esofágica na coluna cervical baixa. Algumas patologias podem levar à formação de grandes osteófitos cervicais, entre elas destacando-se a hiperostose idiopática esquelética difusa (DISH), a espondilite anquilosante, a doença degenerativa articular, a presença de uma hérnia com núcleo pulposo calcificado, a presença de traves ósseas congênitas e as seqüelas dos traumatismos7, 11.
Neste trabalho é relatado um caso e revista a literatura sobre este tema pouco comum.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOPaciente W. A. S., do sexo masculino, com 80 anos de idade, apresentou-se em janeiro de 1998 para avaliação no ambulatório de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, no Hospital das Clínicas de Franco da Rocha /SP, relatando uma disfagia a sólidos, não progressiva e não associada a sintomas gástricos há três meses, acompanhada de perda de peso. Referia como antecedentes: hipertensão arterial sistêmica controlada, hiperplasia benigna de próstata, etilismo há 30 anos e tabagismo há 20 anos. Ao exame físico, não foram encontrados gânglios palpáveis; e, à oroscopia, observou-se uma tumoração na parede posterior da hipofaringe, de consistência pétrea, recoberta por mucosa lisa de aparência normal (Figura 1).
Foi solicitada uma tomografia computadorizada, que evidenciou um volumoso osteófito da coluna cervical na altura de C3-C4, com projeção anterior na hipofaringe (Figura 2).
O paciente evoluiu sem queixas depois de receber tratamento clínico com antiinflamatórios não hormonais e fisioterapia.
DISCUSSÃONa bibliografia pesquisada entre 1990 e 1997, foram encontrados 22 artigos referindo a correlação entre disfagia e doenças degenerativas da coluna cervical.
A região mais freqüentemente afetada pelos osteófitos localiza-se na altura da cartilagem cricóide (C4 a C6), local onde o esôfago encontra-se relativamente fixo, com pouca mobilidade7, 9, 11, 6. Assim, a presença de disfagia por osteófito em coluna torácica é rara e, para tanto, o osteófito precisa ser muito grande12.
Figura 1. Abaulamento hipofaríngeo posterior a direita em paciente disfágico de 80 anos de idade. BL - base da línga. E - epiglote. Visão por endoscopia rígida de zero grau.
Esta patologia é mais prevalente em homens com idade superior a 50 anos com hipoparatireoidismo, hipofosfatemia e hipocalcemia7. Além da queixa de disfagia progressiva, outros sintomas podem estar presentes, como sensação de corpo estranho na garganta, tosse seca, perda de peso, odinofagia, disfonia, obstrução das vias aéreas e/ou dor7, 1, 8, 2, 4.
Os principais mecanismos pelos quais osteófitos podem ocasionar disfagia são: (a) compressão direta da massa óssea anormal sobre a faringe ou esôfago, na sua porção imóvel, na altura ele C4 a C6; (b) inflamação dos tecidos moles, resultado da repetida fricção da faringe ou esôfago sobre a massa osteofítica, levando a unia parafaringite ou paraesofagite; (c) osteófitos no nível de C3-C4 impedem a retroversão fisiológica da epiglote sobre a entrada da laringe durante a deglutição; (d) ossificação do ligamento longitudinal posterior7, 9, 12, 1, 8, 2, 10.
A entidade nosológica chateada hiperostose idiopática esquelética difusa (DISH), descrita por Forestier em 1971, é a principal doença causadora de osteófitos gigantes, sendo caracterizada pela formação de pontes ósseas unindo a porção anterior de pelo menos quatro corpos vertebrais consecutivos, com espessamento da córtex vertebral, não ocorrendo, entretanto, a degeneração do disco vertebral. As articulações sacroilíacas são freqüentemente afetadas e não há anquilose apofisária7, 11, 8, 5.
Na espondilite anquilosaste ocorrem extensa anquilose e alargamento da borda vertebral, havendo entretanto preservação da altura do disco7. A doença degenerativa articular cause. esclerose das bordas superior e inferior da vértebra e diminuição do disco intervertebral7, 11.
Figura 2. Tomografia computadorizada da coluna vertebral, evidenciando acentuada osteofitose com abaulamento para a luz hipofaríngea.
A rotina diagnóstica utilizada para comprovar a disfagia provocada por um osteófito inclui, além da história e do exame físico (especialmente a laringoscopia direta e indireta), raio-X cia região cervical de perfil, raio-X contrastado de esôfago, endoscopia digestiva (principalmente para afastar a hipótese de um carcinoma esofágico) e a tomografia computadorizada2. No caso relatado neste trabalho, o diagnóstico foi feito apenas pela história e exame físico. Uma vez constatado o abaulamento na parede posterior de hipofaringe, a tomografia computadorizada foi o passo seguinte a ser tomado para avaliação do grau, extensão e padrão de acometimento do osteófito sobre a região.
O tratamento mais adequado deve ser inicialmente conservador, como foi feito no paciente descrito, utilizando-se antiinflamatórios não hormonais. Eventualmente, podem ser usados esteróides sistêmicos, relaxantes musculares ou medicação anti-refluxo7, 8. Quando o tratamento conservador não apresenta resultados satisfatórios (8% dos casos), deve se optar pelo tratamento cirúrgico: osteofitectomia cervical pela via extrafaríngea ântero-lateral (osteófitos entre C2-C7), póstero-lateral (osteófito em C3) ou pela via faríngea transoral (osteófitos entre C1-C4)7, 11, 8.
CONCLUSÃODurante a investigação diagnostica de um paciente que apresenta queixa de disfagia, a hipótese de osteofitose cervical .tão deve ser descartada no diagnóstico diferencial, principalmente nos indivíduos idosos. O tratamento conservador é a primeira opção terapêutica, sendo a conduta cirúrgica reservada para os casos de disfagia severa e resistentes ao tratamento clínico, devido ao inerente risco anestésico para esses pacientes, em geral com idade avançada e portadores de problemas clínicos.
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* Médica Estagiária de 2° Ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí/ SP.
** Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
***Alunos do Curso de Graduação Médica da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
**** Médica Residente do 1° Ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
Instituição: Faculdade de Medicina de Jundiaí.
Endereço para correspondência: Edmir Américo Lourenço. Rua do Retiro, 424 - 5° Andar, Cjto. 53 e 54 - Bairro Anhangabaú- 13209-000- Jundiaí/ SP.
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Artigo recebido em 21 de outubro de 1998. Artigo aceito em 19 de janeiro de 2000.