Propomo-nos a discutir, neste trabalho, os achados audiométricos e logoaudiométricos de 80 casos de síndromes vestibulares do tronco cerebral de etiologia diversa (neoplasias, processos degenerativos, processos cérebro-vasculares, afecções desmielinizantes, cisticercoses e malformações) e de 2 casos de síndromes do ângulo ponto-cerebelar com comprometimento troncular.
Em primeiro grupo de 70 doentes, estudamos a audiometria tonal liminar, tendo empregado, um audiômetro Peters SPD 2. Adotamos o padrão ISO 64.
A audição se revelou normal em 81,4% (57/70) dos casos. Observamos
a) - 8 casos com hipoacusia neuro-sensorial bilateral. Destas, 5 eram discretas (queda em tôrno de 40 dB na zona das 3 frequências da conversação: 500, 1000 e 2000 Hertz), 2 moderadas (entre 40 e 60 dB) e 1 acentuada (maior do que 60 dB).
b) 5 casos com hipoacusia neuro-sensorial unilateral, com queda discreta (em tôrno de 40 dB).
AUDIOMETRIA TONAL LIMINAR (70 anos)
Desejamos discutir alguns fatos:
1) - Que dados podemos deduzir do nosso material no tocante à relação entre topografia da lesão e disacusia?
Apenas um dos casos de disacusia teve localização bulbar (síndrome de Wallenberg). Em 10 casos de localização bulbar, apenas êste apresentou disacusia.
Aubry e Pialoux observaram 4 casos em 42 (10%), com hipoacusia, em lesões bulbares, o que corresponde aos noss achados. Nas lesões mais altas, bulbo-protuberanciais (região nuclear), protuberanciais, pedunculares ou com comprometimento secundário do tronco (tumor do IVº ventrículo ou do vermes cerebelar) a disacusia foi mais frequente, isto é, 13 casos em 60 (21,6%) . AUBRY e PIALOUX, em comprometimentos tronculares desta mesma localização, observaram 34 casos em 211 (16%), com alteração auditiva. Estão excluidos dêsse material 296 casos de esclerose múltipla, de observação frequente para os otoneurologistas europeus, mas rara em nosso meio. Nestes casos, apenas 3 apresentaram disacusia, de modo que um comprometimento auditivo sugere que devamos excluir êste diagnóstico, com grande probabilidade de acertarmos.
Como se depreende do exposto, a ocorrência de disacusia tonal é rara nas síndromes vestibulares do tronco cerebral. É oportuno registrarmos que, dos 14 casos com disacusia, 9 eram bilaterais e 5 unilaterais.
RELAÇÃO ENTRE DISACUSIA E TOPOGRAFIA DA LESÃO
2) - Quais as afecções que determinam mais frequentemente a disacusia?
A semiologia neurológica, a neurocirurgia ou a autópsia evidenciaram: 7 casos de processo vascular, 4 casos de neoplasia, 2 casos de processo inflamatório, 1 caso de esclerose múltipla.
Desta forma, predominaram nitidamente os processos vasculares e os tumores como causa de perturbação auditiva.
Em nossas observações, assim:
- Os processos vasculares ou tuntorais representam as causas mais frequentes (11/14 casos = 78%).
- As disacusias bilaterais aparecem com maior frequência do que as unilaterais (9/14 casos = 64%) .
Em face da pouca frequência de comprometimento auditivo aos tons puros nêsse primeiro grupo, interessamo-nos em averiguar, em um segundo grupo de doentes, o que ocorria em relação a audiometria tonal liminar e à logoaudiometria. (*)
Conhecíamos da literatura informações sôbre a questão, obtidas através da experimentação e de observações clínicas. Tem-se assinalado que a perda de grande número de fibras do nervo coclear ou das vias auditivas centrais é compatível com nenhum ou pouco prejuízo auditivo tonal liminar; ao contrário, a diminuição da população de células e de fibras cocleares pode acarretar alterações da discriminação vocal.
Assim a ocorrência de nível auditivo nomal ou razoável á audiometria tonal liminar, com índices percentuais de discriminação muitos baixos, indicaria lesão retrococlear ou das vias centrais.
Conforme se observa no quadro anexo, houve alteração de monta da discriminação em dissonância com a audiometria aos tons puros, em 6 de 10 casos de afecções do tronco cerebral e em 2 de 2 casos de neuroma do acústico (com compressão do tronco cerebral).
No primeiro caso de neuroma, o limiar logoaudiométrico era de 25 dB do lado do tumor e de 10 dB do lado são; os índices de discriminação, 40 dB acima do limiar, foram de 20% e de 44% respectivamente de cada lado. No segundo caso, o limiar logoaudiométrico era de 75 dB do lado do tumor e de 10 dB do lado oposto; a discriminação, 20 dB acima do limiar logoaudiométrico do lado doente, representou 0% ; do lado são, 35 dB acima do limiar, foi normal.
AUDIOMETRIA VOCAL SUPRALIMINAR (12 casos)
NOTA: Consideramos apenas valores abaixo de 50% de discriminação vocal como critério de déficit logoaudiométrico.
Lstes dados não alteraram, na casuística compreendida em nosso trabalho, o diagnóstico otoneurológico. Vias vemos interêsse nêles, pois, em certas contingências, poderão aparecer como achado importante a enriquecer sobremaneira o contexto otoneu rológico, auxiliando-nos na tarefa de precisar o diagnóstico.
Em trabalho de Goodman, observa-se que, nas lesões cocleares, a discriminação se apresentou bastante baixa em relação aos limiares para os tons puros, mas em nenhum de seus casos houve perda total da discriminação vocal. Ao contrário, metade dos doentes com tumores do ângulo ponto cerebelar não foram capazes de discriminar qualquer vocábulo do lado doente.
GOODMAN registra em seu material um caso de tumor do III.º ventrículo, em que a discriminação foi nula dos dois lados.
Em três casos de lesões da região mesencefálica, duas tumorais e uma cisticercótica, a discriminação foi extremamente baixa (% ou valores próximos a 0%) particularmente em dois dêles. O caso 1 era de cisticercose do mesencéfalo. O caso 2 evidenciou, à ventriculografia central, empurramento da porção posterior do III.° ventrículo, a qual ficou com aspecto arredondado, indicando compressão por tumor do tronco cerebral alto e, no ato cirurgico, os Drs. O. Barini e A. Alves observaram bloqueio à sondagem da porção alta do aqueduto de Sylvius, embora houvesse passagem para o líquido céfalo-raquidiano. Particularizamos éstes casos por representarem comprometimento de região onde há convergência das vias auditivas em direção dos colículos inferiores e dos corpos geniculados medais, antes de alcançarem a cortex temporal. Éste fato anatómico determina condições especiais, no trajeto das vias auditivas, para o aparecimento de dissociações entre a audiometria tonal lminar e a discriminação.
Concluimos que:
- As alterações auditivas tonais são raras nas lesões do tronco cerebral, observando-se, porém, com menos raridade nas lesões tronculares das regiões nucleares e supra-nucleares que nas lesões infra-nucleares.
- Os processos vasculares e tumorais representaram a causa mais frequente (13/17 casos = 77%).
- As disacusias bilaterais ocorreram com maior frequência que as unilaterais (12/17 = 64%).
- A falta de correlação entre a audiometria aos tons puros e a discriminação aos monossílabos ocorreu em 6/10 casos (600% de lesão do tronco cerebral.
- Em um caso de neuroma do acústico, a discriminação foi baixa bilateralmente, mas sobretudo do lado do tumor, enquanto no segundo, com perda tonal acentuada, a discriminação foi efetuada a 20 dB acima do limiar logoaudiométrico e representou 0% do lado do tumor.
SUMARIO
Os autores estudaram a audição de 80 casos de síndromes do tronco cerebral e de 2 casos de síndromes do ângulo ponto-cerebelar.
A audiometria tonal liminar mostrou que, nas síndromes do tronco cerebral, a alteração auditiva é pouco frequente (19,6% dos casos) e, se existente, é bilateral na maioria dos casos (64%). Os processos vasculares cxi tumorais representaram as causas mais comuns (77% dos casos).
A discriminação se mostrou baixa em 60% dos casos de síndromes do tronco cerebral e nos 2 casos de síndromes do ângulo ponto-cerebelar.
SUMMARY
The autores analyse the audition of 80 cases of brain stem syndrome and of two cases of cerebellopontine angle syndrome.
Pure tone audiometry showed that audition alteration is seldom frequent (19.6% of the cases) in the brain stem syndrome and, when existing, it is bilateral in the great majority of the cases (64%). Vascular diseases and tummos played an important role in the ethiology (77% of the cases).
Discrimination for speech was low in 60% of the cases of brain stem syndrome and in the 2 cases of cerebellopontine angle syndrome.
BIBLIOGRAFIA
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Trabalho da Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina (Prof.: Dr. Paulo Mangabeira Albernaz)
(*) Assistente.
(**) Assistente voluntário.