INTRODUÇÃOA tuberculose laríngea é uma das mais freqüentes granulomatoses desse órgão.
Outros granulomas laríngeos são: a leishmaniose, a sífilis, a sarcoidose e a lepra. Micoses, como a blastomicose, a criptococose e a granulomatose de Wegener (1,2).
A tuberculose buco-faríngea isolada, é ao contrário um granuloma raro na região (3,4).
O que encontramos mais freqüentemente é o comprometi mento faríngeo, acompanhando a tuberculose de laringe.
As lesões faringo-laríngeas são geralmente secundárias à tuberculose pulmonar e constituem (excluindo-se a meningite tuberculosa), juntamente com o escrófulo e a otite média, as afecções tuberculosas mais comuns em cabeça e pescoço (5).
O comprometimento nasal pelo bacilo de Koch é extremamente raro (6).
É interessante lembrar que a tuberculose pulmonar pode raramente, por infiltração mediastinal afetar indiretamente a laringe, provocando paralisia recurrencial, geralmente à esquerda (7).
Na era pré-quimioterápica, o comprometimento da laringe ocorria mais em jovens com quadros de disseminação, sendo o seu aparecimento de péssimo prognóstico para o paciente (2).
Dos sintomas gerais predominam o emagrecimento, febrícula, tosse às vezes com expectoração sanguinolenta, astenia, sudorese noturna (2,7).
Os pacientes dos casos clínicos aqui descritos compareceram todos em primeira consulta na Clínica O.R.L. do H.S.P.M. Com suspeita de granulomatose laríngea, feita em nossa Clínica e com a confirmação diagnóstica de tuberculose pulmonar primária e tratamento feitas pela Clínica Pneumológica de nosso Hospital.
Às queixas que levaram à suspeita de tuberculose laríngea foram a rouquidão e emagrecimento.
Freqüentemente ocorria odinofagia intensa (3). Isso, nos casos em que existia comprometimento isolado ou simultâneo da faringe ou quando as lesões ocorrem a nível de áditus da laringe(epiglote, pregas ari-epiglóticas e comissura posterior), que são estruturas que participam diretamente no mecanismo de deglutição.
St. Clair Thomson - 1955 (8), admite que a dor intensa, seja produzida pela ulceração, infiltração submucosa, pericondrites ou neurites.
O aspecto do comprometimento faríngeo da tuberculose é de lesões pálidas finamente granulosas e infiltrativas, extremamente dolorosas à deglutição.
As lesões laríngeas podem ser confundidas com laringites crônicas inespecíficas, granulomas ou tumores.
Os aspectos à laringoscopia indireta podem corresponder a hiperemia e edemas (em especial da epiglote), granulações, vegetações e ulcerações superficiais (2,7) ou aspectos tipo leucoplásico (observação pessoal).
Nossa experiência mostra que não existe preferência ou predominância na localização das lesões.
Autores (9), admitem que as lesões da laringe deixaram de ser mais de comissura posterior, como antigamente. Porque hoje os tratamentos são freqüentemente ambulatoriais, não mais com pacientes acamados.
Talvez também porque as lesões anteriores da laringe poderiam ocorrer mais por via hematogênica ou linfática. Embora, admita-se que a via broncogênica de contaminação pelo bacilo seja a predominante.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOSOs 5 casos que ora apresentamos foram diagnosticados na Clínica O.R.L. do H.S.P.M. de março de 1984 a junho de 1985, portanto no intervalo de 15 meses.
Nesse mesmo período, foram diagnosticados em nosso Hospital 128 casos de tuberculose pulmonar. Ocorrendo a tuberculose laringo-faríngea em 3,9% do conjunto dos casos de tuberculose pulmonar.
Dos pacientes estudados, 1 foi de tuberculose faríngea, 2 de tuberculose faringo-laríngea e 2 de tuberculose laríngea.
Na literatura, a tuberculose laríngea corresponde a mais ou menos 1% dos casos de tuberculose pulmonar (10).
Entretanto em autópsias de pacientes falecidos em decorrência da doença, Soda et al. (9), encontraram 30% de comprometimento das laringes.
Portanto, parece que a localização laríngea é mais freqüente do que é clinicamente encontrada.
CASOS CLÍNICOSCASO 1
V.B, fem, 24 anos, branca, professora.
Procurou a clínica O.R.L. em 20/03/84 com queixa de rouquidão e emagrecimento de 8 Kg em 5 meses.
Apresentava febrícula e sudorese. Fez uso de medicação antiinflamatória, (pensando-se em processo inflamatório inespecífico) porém sem resultado.
Ao exame O.R.L.: edema de toda laringe, com hiperemia e edema de epiglote, além de lesões granulosas grosseiras sobre as cordas vocais.
FIGURA 1 - Retração, estrias e cavidade em lobo superior direito. Infiltrado alveolar no 1/3 médio do hemitóraz direito, gânglio paratraqueal direito.
Encaminhada à Pneumologia: baciloscopia negativa em 6 amostras. Foi tratada com isoniazida, rifampicina e pirazinamida.
CASO 2
S.A, masc, 32 anos, pardo, jardineiro.
Compareceu à Clínica O.R.L. de 10/07/84 com história de disfagia, odinofagia intensa e emagrecimento de 1 Kg em 3 meses. Também queixava-se de otalgia bilateral sem outras queixas otológicas. Tinha feito uso de vários medicamentos sem melhora.
Ao exame O.R.L.: lesões úlcero-necrosantes em toda a mucosa de orofaringe, incluindo pilares anterior, posterior e úvula. À otoscopia: membranas timpânicas íntegras sem anormalidades. Palpava-se gânglio em cadeia cervical esquerda, móvel indolor, com aproximadamente 2 cm de diâmetro.
Foi realizada biópsia em 11/07/84 a nível de orofaringe (figura 2).
FIGURA 2 - Processo inflamatório granulomatoso de provável etiologia tuberculosa
A radiografia do tórax revela ( figura 3 )
Após 1 mês com tratamento de esquema tríplice, houve melhora do estado geral e ganho de 4 kg de peso. Após o término do tratamento, o paciente estava sem queixas, porém apresentava sinéquia parcial do palato mole à parede posterior da faringe.
CASO 3
A.G.L., masc, 32 anos, branco, motorista.
Procurou nosso Serviço com queixa de disfonia, odinofagia e emagrecimento de 6 Kg em 3 meses.
Apresentava febrícula pela manhã e no final da tarde. Sudorese, tosse e discreta dispnéia.
Ao exame O.R.L.: hiperemia da parede posterior do orofaringe, com edema e hiperemia da corda vocal direita.
A radiografia do tórax revela (figura 4).
Baciloscopia: positiva.
Fez uso de rifampicina e isoniazida por 6 meses, com regressão total das queixas.
FIGURA 3 - Opacidade alveolar em lobo superior direito cavitário.
CASO 4
C.G.C, fem, 64 anos, branca, do lar.
Procurou a O.R.L. em 8/01/85 com história de disfonia e disfagia há 10 dias. Emagrecimento que não sabia caracterizar o quanto e em quanto tempo.
Ao exame O.R.L.: observamos secreção catarral em hipofaringe, seios piriformes e cordas vocais, com edema a nível de epiglote.
A radiografia de tórax revela (figura 5).
Baciloscopia: positiva.
Tratada com esquema tríplice, com melhora clínica e radiológica.
FIGURA 4 - Opacidade alveolar cavitária em terço superior do hemitdrar esquerdo
CASO 5
W.C, masc, 38 anos, branco serviçal.
Procurou nossa Clínica em 17/06/85, com caixa de rouquidão, dor à deglutição, inclusive para líquidos e emagrecimento de 10 Kg em 2 meses. Tosse produtiva. Negava febre.
Ao exame O.R.L.: hiperemia discreta de orofaringe, com edemas de cordas difuso e secreção catarral sobre as mesmas.
A radiografia de tórax revela (figura 6)
Baciloscopia: positiva.
Tratamento com esquema tríplice específico. Melhora clínica e radiológica.
FIGURA 5 - Infiltrafo misto cavitário bilateralmente, com retração acentuada de todo hemitórax direito.
COMENTÁRIOSA tuberculose extrapulmonar, corresponde segundo diferentes autores de 11 a 23 % dos casos de infecção pelo bacilo de Koch (5).
Na esfera O.R.L., as lesões de linfadenite cervical (escrófulo), laringe e ouvidos, são as mais freqüentes.
Mais raramente a tuberculose é encontrada na boca, faringe e glândulas salivares, fossas nasais ou como abcesso retrofaríngeo (2).
Geralmente o tratamento tem êxito com os esquemas clássicos.
Nos caso por nós coletados, todos os pacientes foram submetidos a exame O.R.L. completo. Em seguida solicitado Rx de tórax.
A lesão pulmonar sempre esteve presente em nossos pacientes. Os doentes foram em seguida encaminhados à Clínica Pneumológica onde foi realizado baciloscopia para comprovação diagnóstica e instituídos os esquemas clássicos de terapia.
Como resultado obtivemos o desaparecimento das queixas O.R.L. e a cura da tuberculose pulmonar.
FIGURA 6 - Opacidade alveolar e intersticial em ambas ápices cavitários.
CONCLUSÃODeve-se pensar em tuberculose faringo-laríngea, sempre que o paciente apresentar-se com quadro de disfonia, disfagia intensa e emagrecimento.
Nesses casos e frente ao exame O.R.L., nunca esquecer de solicitar radiografia de tórax, que abre um horizonte no diagnóstico da infecção pelo bacilo de Koch das vias acro-digestivas superiores.
BIBLIOGRAFIA1. Campana, D.R.; Sampaio, A.A.L.; Cundari, M.C.; de Almeida Piado, M.V.F.; Galupo, M.T.G.: Criptococose - Comprometimento laríngeo. Apresentação de um caso. Rev. Bras. de Otorrinolaringologia. vol 53 nº 2 Abril/Maio/Junho/ 1987.
2. Thaller, S.R.; Gross, J.R_ Pilch, B.Z.; Goodman, M.L.: Laryngeal Tuberculosis as manifested in the Decades 1963 - 1983. Laryngoscope 96: July 1987.
3. Garrido, E; de Palacios, A.D.; Egañes, H.; Heredia, A.M.: Manifestaciones orofaringeas de la tuberculosis. Bol. Hosp. Univ. Caracas. vol 18. 1988.
4. 4.Carrol, N.; Bain, R.J.i.; Tseung, M.H.; Edwards, R.H.T.: Tuberculous retropharyngeal abcess producing respiratory obstruction. Thorax 1989; 44: 599-600
5. Swart, J.G.; De Flamingh, D.Q.; Hamersina, T.:Histologically detected extrapulmonary tuberculosis in the head and neck region. South African Medical Journal vol. 71. 6 june 1987.
6. Granato, L.; Campana, D.R.; Augusto, A.G.L.B.S.; Santo, G.C.:Tuberculose nasal - apresentação de um caso. Rev. Bras. de Otorrinolaringologia - vol. 56 nº 3 - jul/ago/set 1990.
7. Rupa, V.; Bhanu, T.S.: Laryngeal tuberculosis in the eighties-an indian experience. The Journal of Laryngology and Otology. September 1989. vol. 103. pp. 864-868.
8. St. Clair Thompson (1955) -Tuberculosis of the larynx in Diseases of the Nose and Throat (V.E.Negus, ed.), Cassell and Co. Ltd., London, p. 878-879.
9. Soda, A.; Rubio; H.; Salazar, M.; Ganem, J.; Berlanga, D.; Sanchez, A.: Tuberculosis of the Larynx: Clinical aspects in 19 patients. Laryngoscope 99: November 1989.
10. Waldman, R.D.: Tuberculosis and the Atypical mycobacterial Otolaryngologic Clinics of North America - cot 15,. Number 3, August 1982.
AGRADECIMENTOSNossos agradecimentos ao incentivo e colaboração dados pela Clínica Pneumológica e de Anatomia-Patológica do H.S.P.M.
* Chefe da Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Ex-Residente da Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público de São Paulo.
*** Assistentes da Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
Trabalho realizado na Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
Rua Castro Alves nº 60 - 6º andar São Paulo -Capital - C.E.P. 01532
Trabalho apresentado na II Jornada Médica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. 2 a 5 de outubro de 1935.