INTRODUÇÃONo trauma de face, destacam-se as fraturas envolvendo a região orbitáriria e dentre os ossos que constituem a cavidade orbitáriria, o osso malar está entre os mais freqüentemente atingidos. Ele constitui parte importante do assoalho e da parede lateral e salienta-se ao nível da porção lateral do terço médio da face, estando muito sujeito a agressões, semelhante ao que acontece com a pirâmide nasal, também uma estrutura óssea proeminente.
O osso malar compõe o "pilar" lateral superficial frontozigomático-maxilar (1), pilar este que tem papel de suporte e proteção das partes moles craneofaciais. Absorvendo energia contida em um objeto contundente e fraturando-se freqüentemente, ele cumpre sua função de protetor dos tecidos e das estruturas frágeis da região (fig.1).
As apófises zigomátieas dispõe-se segundo três planos espaciais, e desta forma contribuem para manter o conteúdo orbitário em seu lugar. Uma vez atingidos, o malar e a órbita podem sofrer alterações que freqüentemente repercutem não apenas diretamente no globo ocular, mas na posição e movimentação deste dentro do cone orbitário (2). Os sinais e sintomas do trauma podem ser visuais e estéticos. Qualquer alteração discreta da posição de uma pálpebra ou do globo ocular é facilmente visível enoftalmo e diplopia são seqüelas duradouras em fraturas orbitárias, (3,4), sendo muitas vezes difícil correção (5).
Fraturas de órbita ou do osso malar nem sempre são facilmente percebidas, freqüentemente havendo alterações discretas ou mesmo ou mesmo alteração alguma (2) ao exame menos minucioso, particularmente se já houve instalação de edema. Não é raro palpar-se o rebordo orbitário inferior à procura de desnível e nada ser encontrado, embora o assoalho orbitário esteja fraturado.
FIGURA 1 - Pilarsuperficial pronto-zigomático-maxilar (Reprod livro: Cirurgia craeomaxilofacial - Psillakis e col., 1987)
No presente trabalho pretendese apresentar a experiência adquirida na avaliação e manipulação de fraturas do osso malar e da órbita, segundo a óptica do autor.
MATERIAL E MÉTODOForam utilizados prontuários de 156 pacientes com história de trauma facial atendidos nos últimos 5 anos na Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Botucatu.
O levantamento efetuado para obtenção de dados foi realizado mediante a elaboração de um protocolo que contemplou os itens: anamnese, exame geral ORL, inspeção e palpação seqüencial dos ossos da face, exame da mordida e da articulação temporomandibular, achados radiográficos, exame oftalmológico pré e pós tratamento, tratamento adotado, resultados imediatos e tardios, complicações.
Do mesmo protocolo retiraram-se as seguintes informações para o presente trabalho: sexo, idade, causa do acidente, região atingida, ossos envolvidos e tipo de tratamento realizado.
A apresentação dos dados relativos à idade, sexo e causas do acidente envolvem todos os casos levantados e não apenas aqueles com fratura de malar ou de órbita, por não ter sido notado, em análise prévia, diferença percentual, considerando todos os ossos ou apenas osso malar e órbita.
O número de prontuários utilizáveis foi muito menor do que o número total levantado, pois muitos registros médicos não forneciam um mínimo de informações solicitadas pelo protocolo. Fraturas nasais não foram incluídas no estudo.
TABELA I
RESULTADOSQuanto a (o):
1. Sexo: cerca de 87% dos casos eram do sexo masculino e 13% do sexo feminino.
2. Idade: houve predomínio das idades na faixa de 21 a 40 anos, com o percentual de 61% do total (tabela 1).
3. Causa do acidente: como se vê na tabela II, acidentes com veículos automotores foram responsáveis por cerca de 40% casos, seguindo-se quedas e agressões com 30% e 22%, respectivamente.
4. Ossos fraturados: muitos pacientes apresentaram mais de uma fratura, de maneira que o total de ossos atingidos foi maior que o número de pacientes computados (Tabela III).
TABELA II
Entre os 156 pacientes com fraturas de ossos da face 66 apresentaram lesões orbitárias e malares isoladas e 24 apresentaram-nas acompanhadas de outras fraturas totalizando 90 pacientes atingidos. A tabela III mostra o número de ossos fraturados e inclui os demais ossos que compõe o terço médio da face e outras regiões, para termos de comparação. Houve 211 fraturas em 156 pacientes, malar e órbita perfazendo mais de 40% dos ossos fraturados.
5. Tratamento efetuado - A tabela IV apresenta os diversos procedimentos para a redução e imobilização utilizados. A redução fechada foi realizada basicamente com gancho de aço. O nº de procedimentos foi maior que o ns de pacientes pois, em vários, foi necessário mais de uma medida corretiva.
TABELA III
6. Lesões oftalmológicas associadas - A tabela V expõe 13 distúrbios oftalmológicos significativos, vários deles em um mesmo paciente: hiposfagma, hipomotilidade, diplopia, hemorragia subconjuntival, uveite traumática.
DISCUSSÃOO sexo predominante entre os traumatizados foi o masculino, havendo sete vezes mais homens acidentados do que mulheres. Estatísticas semelhantes podem ser encontradas tanto em países desenvolvidos (5,6) quanto em subdesenvolvidos (7).
A faixa etária predominante situou-se entre os 21 e os 40 anos, onde estão 61 % dos atingidos.
TABELA IV - Tratamentos adotados nas fraturas de malar e órbita
Acidente com veículos motorizados, seguido por queda e agressões foram as causas principais do trauma. Estes dados são concordes com aqueles obtidos por vários autores (3,5,7).
A enorme diferença percentual entre homens e mulheres, mesmo em países onde não há grande números de mulheres motoristas pode ser explicado, talvez, pelo maior tempo de uso do veículo e por um abuso maior das leis de trânsito pelos homens. Os homens também estão mais expostos a quedas pois são eles que fazem, em geral, os trabalhos mais perigosos e pesados. Além disso, talvez exponham-se mais a briga e aos acidentes esportivos.
Os sinais da fratura do osso malar e da região orbitária são vários e o encontro de diversas evidências sugerem o trauma: edema e hipoestesia da região geniana e do lábio superior, ecmose palpebral, trismo e má oclusão, afundamento da região, limitação do movimento ocular, desnível à palpação do rebordo orbitário inferior e arco zigomático, desnível, crepitação e dor ao se pressionar a região da sutura maxilozigomática por via bucal (porção inferior do pilar frontozigomático-maxilar). Nem sempre todos esses sinais e sintomas são encontrados em um mesmo paciente; às vezes eles são pouco perceptíveis, podendo ser notado se procurados com atenção.
TABELA V - Lesões oftalmológicas associadas.
As fraturas que ocorrem nas grandes traumas do terço médio da face, destacam-se por apresentar vários ossos fraturados bilateralmente, além de estarem acompanhado de lesões de partes moles tais como o globo ocular e o aparelho lacrimal e, principalmente, por se acompanharem de problemas neurológicos de gravidade variável. Estas fraturas são ricas em sinais e sintomas mas são menos freqüentes e como merecem abordagem específica não serão comentadas aqui.
Nos casos em que há pouca evidência de fratura e a própria assimetria de face deixa dúvida à inspeção e à palpação, deve-se observar a região malar postando-se atrás e acima do paciente sentado ou, ao contrário, observando a face do paciente de baixo para cima. Nestas duas posições vêm-se, mais facilmente, pequenas assimetrias (fig.2). Pode-se ainda colocar os dedos indicadores nos dois rebordos orbitários inferiores e comparar suas posições, pressionando-se os dois dedos igualmente, caso não haja edema ou, ao contrário, comprimindo mais o indicador do lado edemaciado. Quando o edema prejudica a observação, pode-se aguardar alguns dias até sua regressão. Relato, espontâneo ou não, de sangramento nasal sem qualquer evidência de trauma nasal, indica possível fratura de órbita ou malar.
Radiografias nas posições de Waters, Caldwell, submentovertex e para arco zigomático devem ser realizadas para esclarecer dúvidas do exame clínico e para avaliação da extensão dos danos causados. A planigrafia ajuda a encontrar traços de fraturas suspeitas e a tomografia computadorizada é muito útil para observação de detalhes do cone e do conteúdo orbitário (4).
A projeção de Waters mostrará velamento do seio maxilar mesmo que não haja fratura evidente do osso maxilar ou malar. O velamento é uma indicação de fratura malar ou maxilar. Este fato ocorre devido à forte pressão transmitida ao seio maxilar diretamente ou via osso malar agredido, o qual tem sua face articular com o osso maxilar próxima da parede lateral do mesmo seio. Ocorre ruptura da mucosa com hemorragia intrassinusal e edema. Jacoly & Dolan (6) encontraram velamento do seio maxilar em 94 % de seus casos de fratura malar.
FIGURA 2 - Visão das saliências malares, olhando a região de baixo para cima, de frente, com a cabeça do paciente parcialmente estendida.
As radiografias nas posições de Waters e Caldwell servem não apenas para mostrar claramente traços e fratura, mas também para evidências indiretas destes, tais como desnível da borda inferior ou alteração dos diâmetros da órbita afetada, os quais podem estar aumentados ou diminuídos, horizontal ou verticalmente, quando comparados com o lado normal. Deve-se investigar ainda a presença de dois ou três pontos de ruptura, ausência de foramen infraorbitário, densidade linear anormal nas linhas do rebordo orbitário (o inferior, principalmente) e na linha radiológica que corresponde à parede lateral do seio maxilar (Waters), a qual pode mostrar-se espessa, borrada e ou interrompida (6) (fig.3).
Nossa experiência permitiu observar que, quando o objeto contundente é flexível e ou deformável (a mão fechada para socar, o joelho, um pedaço de madeira) a fratura tende a ocorrer ao nível das suturas do osso malar, não havendo fragmentação do corpo propriamente dito.
Os procedimentos adotados para correção das fraturas levaram em conta os dois tempos que um tratamento de fratura requer: de início a redução e em seguida, a imobilização ou fixação. Freqüentemente a redução de fraturas simples de osso malar e de arco zigomático dispensam a imobilização. A redução através de via cirúrgica e osteossíntese foi a mais utilizada por nós. Ela é necessária nos casos em que o osso malar e a órbita apresentam evidências de fraturas cominutiva, o que pode ser suspeitado pelo tipo de agente contundente e por evidências clínicas (história, palpação) e radiológicas.
FIGURA 3 - Fratura maxilar a esquerda e infraorbitária a direita, seios maxilares velados, apagamento do orifício infraorbitário esquerdo, interrupção, borramento e densidade alterada da linha correspondente d parede lateral do seio maxilar esquerdo (seta)
A redução aberta de fraturas simples do osso malar exige que sejam realizadas pelo menos duas osteossínteses (o malar tem quatro articulações) para que haja estabilização óssea. Em casos em que há fratura cominutiva envolvendo órbita e maxila, permanece uma instabilidade mesmo com osteossíntese. Estes casos exigem imobilização através da suspensão com o fio de aço apoiado no processo zigomático do osso frontal e posterior fixação intermaxilar, usando arco de Erich.
Quedas, agressões e disputas esportivas freqüentemente produzem fraturas não cominutivas com forte impactação do osso malar e arco zigomático. O exame clínico não revela mobilidade de fragmentos, o que, aliás, ocorre com freqüência, seja pela dor causada pela palpação, que impede o exame bem feito, seja pelo edema da região.
Se o exame permitir sentir e a radiografia reforçar a impressão de impactação, usamos tratar estes casos com gancho de aço pois não há necessidade de osteossíntese, devido à natureza da fratura. Qualquer dúvida a respeito do resultado do procedimento, levanos à via aberta e osteossíntese.
O uso do gancho é motivo de controvérsia. A experiência é decisiva para julgar se há indicação. Havendo falha no assoalho orbitário não corrigida pelo levantamento com gancho, poderá ocorrer herniação do conteúdo orbitário para dentro do seio maxilar, com restrição do movimento ocular.
Outras vias para levantar o osso são usadas, sejam elas através do sulco bucoalvcolar ou segundo a técnica de Gilles, como fazem alguns autores (8,10).
As evidências de fratura do assoalho orbitário freqüentemente nos conduzem à via cirúrgica para exploração e identificação de lesões, quando então podemos nos deparar com perdas ósseas acentuadas, não corrigidas pela redução. Nestes casos, reparamos o defeito com enxerto de osso obtido ou da parte anterior do seio maxilar, ou da tábua externa do osso parietal.
A órbita e o osso malar são o envoltório do globo ocular e de músculos, nervos e vasos orbitários que podem ser afetados em conjunto ou isoladamente (2). Os resultados de diferentes estudos divergem bastante sobre a freqüência das lesões oculares propriamente ditas (8,9). Nossos resultados não permitem comparação pois não incluímos no estudo os grandes traumas do terço médio, que costumam vir acompanhados de graves lesões oculares. Deslocamento de retina, luxação de cristalino, enucleação, edema de papila, etc., foram encontrados, entretanto, no levantamento global que incluiu todos os casos envolvendo órbita.
Embora as lesões oculares propriamente ditas sejam pouco freqüentes, as outras lesões também comprometem a capacidade visual e estas não são raras. Por este motivo, o exame oftalmológico deve ser obrigatório em todos os casos e não apenas nos grandes traumas do terço médio e na fratura "blow-out" (9). Nossa rotina inclui, aliás, um exame oftalmológico prévio a qualquer tratamento e outro imediatamente após o ato terapêutico, tanto para verificar a correção dos defeitos quanto para investigar se a manipulação provocou algum dano ao conteúdo da órbita.
A avaliação dos resultados a longo prazo poderá revelar alterações previamente não observadas, estéticas e funcionais. Os melhores resultados, sem dúvida, serão aqueles obtidos após uma completa identificação de todos os traços de fratura. O otorrinolaringologista é um profissional qualificado para resolver, com sucesso, os diversos tipos de trauma facial, de preferência junto com os outros profissionais, para o completo restabelecimento das condições estéticas e funcionais anteriores ao trauma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Sturla, F. - Anatomia craniofacial, in: CIRURGIA craneomaxilofacial; osteotomias estéticas da face. Rio de Janeiro, Medsi, 1987. pgs.3 - 14.
2. McCoy, F. J.; Chandle, R A.; Magnan, C. G.; Moore, J. R; Siemsen, G.: an analysis of facial fractures and their complications. Plast. Reconst. Surg., 29 (4): 381 - 391, 1974.
3. Miller, G. R; Tenzel, R.R: Ocular complications of midfacial fractures. Plast. Reconst. Surg., 39 (1): 37 -42, 1967.
4. Keller, J. D.; Dougherty, M.: Orbital trauma in the tripod fracture. Rev. Laringol, 106(1):57-67, 1985.
5. Àfzelius, L E.; Rosar, C. - Fractures of malar bone. Follow up study based upon a questionnaire - ORL, 41: 227 - 233, 1979.
6. Jacoby, G. G.; Dolan, K. D.: Fragment analysis in maxillogacial injuries: The tripod fracture. J. Trauma, 20 (4): 292 - 296, 1980.
7. Adekeye, E O.: Fractures of the zigomatic complex in Nigerian patients. J. Oral Surg., 38:596 - 599, 1980.
8. Jabaley, M. E.; L.erman, M.; Sanders, H. J.: Ocular injuries in orbital fractures. Laryngoscope, 90: 1565 - 1568, 1980.
9. Banovetz, J. D.; Duvall, A. J.: Zygornatic fractures. Otolaryngol. CL. N. Am., 9 (2): 499 - 506, 1975.
* Professor doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu Universidade Estadual Paulista - Botucatu - S.P.
** Professor doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu Universidade Estadual Paulista - Botucatu - S.P.
*** Residente de 3°ano na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu (1989)
**** Ex-residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu.
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu.
Endereço do Autor: Rua Petúnia. 180 - Botucatu - S.P. - CEP: 18.600