INTRODUÇÃOAs investigações e pesquisas contínuas no campo da medicina, associadas à aplicação do armamentário tecnológico possibilitaram avanças no diagnóstico e tratamento das diferentes moléstias.
Estes avanços impulsionaram a ciência médica como um todo levando consigo à criação de novas especialidades e à dicotomia de outras já existentes que se viram impotentes para absorver plenamente a avalanche de novos conhecimentos produzidos.
A otorrinolaringologia, em particular a otologia, não foi exceção. A cirurgia otológica passou por uma evolução gradual até atingir o estado de arte em que se encontra atualmente. Otologistas pioneiros foram desenvolvendo e promovendo técnicas cirúrgicas que foram sendo aperfeiçoadas através dos anos à luz de avanços científicos e tecnológicos. A lupa e o formão foram completamente substituídos pelo microscópio operatório e as brocas de alta rotação. Com isto recessos outrora insondáveis dentro do osso temporal, passaram a ser explorados visualmente e abordados com precisão e segurança.
A cirurgia de otite média crônica - especialmente a colesteatomatosa - ilustra como nenhuma outra esta evolução.
Inúmeras foram as técnicas propostas para o tratamento desta entidade. Condutas mais radicais cederam espaço e popularidade a outras mais conservadoras, mas a unanimidade sobre qual seria a abordagem mais indicada está longe de ser atingida, gerando ainda discussões violentas e apaixonadas.
O bom senso indica que o uso de uma ou outra técnica está na dependência de aspectos intrinsicamente relacionados ao paciente, ao processo pedagógico, ao cirurgião e à infra-estrutura do local de atendimento.
Considerando-se o tratamento das otites médias crônicas (OMC), independentemente da abordagem escolhida ela deverá preencher os seguintes objetivos:
1- Identificação e tratamento da patologia
2- Obtenção de um ouvido seco e seguro
3- Ganho auditivo
Como mencionamos anteriormente, o número de técnicas cirúrgicas para o tratamento de OMC sobeja. As similaridades de muitas delas colaboram para que vários autores na intenção de caracterizarem suas preferências incorram em deturpações da nomenclatura otológica clássica. Não raramente deparamo-nos com neologismos inadequados tais como tímpano-mastoidectomia radical ou mesmo tímpano-mastoidectomia radical modificada de Bondy. É no mínimo curioso que, neste último caso, credite-se a Bondy a execução de timpanoplastias, as quais somente veiculadas 40 anos após ele ter descrito originalmente sua técnica.
Em um recente Simpósio sobre OMC realizado em Porto Alegre e coordenado pelo autor, foi preocupação inicial dos participantes a uniformização da nomenclatura das técnicas cirúrgicas mais executadas para posteriormente discorrerem sobre elas (1).
É nosso objetivo neste trabalho, revisar as definições dos procedimentos cirúrgicos sobre o osso temporal que apresentam maiores controvérsias e sinonímias abundantes. Em absoluto temos a pretensão de dar nomes a cirurgias consagradas, mas sim através de uma revisão de literatura, resgatar a essência original destes procedimentos, insistindo simplesmente que eles sejam chamados por seus nomes de "batismo" e não apelidados à revelia.
Nos parágrafos subseqüentes rapidamente discorreremos através dos fundamentos de cada técnica respeitando sempre suas descrições originais.
MASTOIDECTOMIA SIMPLES
Esta cirurgia foi primeiramente descrita por Riolanus em 1649 e Pe6t em 1736 foi o primeiro a executá-la com sucesso (2).
A cirurgia caiu no ostracismo até 1873 por ter causado a morte do rei da Dinamarca operado por condições inapropriadas (3).
Schwartze em 1873 foi o primeiro a sistematizar este procedimento detalhando sua técnica e indicações (4).
No final, do século XIX a cirurgia gozava de aceitação geral e era proclamada como uma medida insuperável no salvamento de vidas humanas na era pré-antibiótica.
Técnica: A mastoidectomia simples compreende na exenteração total do sistema de células mastóideas, consolidando as células aéreas separadas em uma única estrutura contínua, sem interferir no conteúdo do ouvido médio. (fig.1)
É feita uma incisão retro-auricular através da pele, subcutâneo e periósteo. Este é refletido e todo o córtex exposto. Com a broca, o osso é removido da fossa mastóidea até que o antrum seja identificado. A seguir o canal semi-circular lateral e a apófise curta da bigorna são identificados. Trabalhando a partir do antrum todas as células são exenteradas até que as finas lâminas ósseas sobre as fossas cerebrais média e posterior sejam identificadas. O aditus ad antrum é ampliado e a incisão retroauricular fechada em duas camadas.
FIGURA 1 - Mastoidectomia Simples: Há total exenteração das células mastóideas, sem que se interfira no ouvido médio.
Indicações:
a. Mastoidites coalescentes
b. Exposição do saco endolinfático
c. Procedimentos trans-labirínticos
d. Procedimentos peri-labirínticos
MASTOIDECTOMIA RADICAL
Em 1873, Von Troltsch introduziu uma modificação na mastoidectomia simples de Schwartze com objetivo de prevenir a otorréia persistente pósoperatória decorrente a presença de patologia residual na mastóide (5). O termo "radical" foi posteriormente cunhado por Von Bergmann para àqueles casos nos quais as paredes posterior e superior eram removidas (6). Custear, em 1889, descreveu esta cirurgia nos moldes em que hoje ela é conhecida (7).
Técnica: Este procedimento permite a exenteração completa da patologia localizada na cavidade timpânica, antrum e mastóide com a conseqüente criação de uma cavidade, onde o ouvido médio e o conduto auditivo externo fundem-se em uma estrutura única com bordos e superfícies regulares, exteriorizada através do meato acústico externo (o qual é largamente ampliado através de uma plástica meatal - meatoplastia.(fig.2)
A cirurgia é realizada após uma incisão retro-auricular com deslocamento anterior de orelha externa. O fresamento ósseo pode ser feito por duas rotas diferentes: de fora para dentro (no qual o antrum é explorado através da fossa mastóidea, como na mastoidectomia simples), ou de dentro para fora (o canal auditivo externo é alargado com o fresamento da parede posterior seguindo-se uma atieotomia e exposição do antrum via aditus). Esta técnica expõe diversas estruturas importantes como o estribo, o nervo facial e o canal lateral assegurando a sua proteção de lesões inadvertidas. A parede posterior é rebaixada até quase o nervo facial e a cavidade mastóidea completamente exenterada. Após este passo ter sido completado, os restos de tímpano são removidos juntamente com os ossículos (à exceção do estribo), a mucosa do ouvido médio è o tensor do tímpano.
A abertura timpânica da tuba auditiva é obstruída, a orelha retornada à sua posição original e uma generosa meatoplastia é então realizada.
Indicações: a. Patologias tímpano-mastoideas extensas ou recidivantes associadas a complicações intra-craneanas ou nas quais a restauração da função auditiva mesmo parcialmente não seja exeqüível.
b. Certos processos neoplásicos do osso temporal.
MASTOIDECTOMIA RADICAL MODIFICADA
Este procedimento teve seu desenvolvimento técnico a partir das mastoidectomias radicais. Desde que a mastoidectomia radical implicava a remoção completa do conteúdo do ouvido médio, muitas outras variantes cirúrgicas foram descritas com o objetivo de preservar a audição. Alguns autores como Jansen e Korner (1899)(8) sugeriram a preservação de ossículos e da membrana timpânica em determinadas cirurgias radicais, mas foi Bondy em 1910 que originariamente descreveu a mastoidectomia radical modificada (9).
FIGURA 2 - Mastoidectomia Radical: O ouvido médio, a mastóide e o CAE fundem-se em uma cavidade única, exteriorizada através do meato auditivo externo.
FIGURA 3 - Mastoidectomia Radical Modificada (Cirurgia de Bondy): O ouvido médio é preservado, e um retalho de pele rodado sobre a região atical e mastóidea.
Técnica: A técnica de Bondy possui aspectos comuns com a cirurgia radical. O acesso pode ser retro-auricular ou endoaural. Um extenso retalho tímpano-meatal é confeccionado com duas incisões verticais respectivamente à altura de 6 a 9 horas que são prolongadas até o anel timpânico. Este retalho é elevado, a parede superior do conduto é removida e a posterior rebaixada até o nervo facial. A seguir o colesteatoma é removido do ático e posteriormente do antrum podendo-se preservar a sua matriz. O retalho de pele é então rodado para cobrira região atical e a mastóide. (fig.3)
A meatoplastia foi incorporada a este procedimento anos mais tarde. O conteúdo do ouvido médio é preservado intacto.
Indicações: Esta cirurgia tinha como indicação exclusiva as patologias eolesteatomatosas ático-antrais, com o mesotímpano normal, perfuração timpânica limitada a pars flácida e audição normal.
TIMPANOMASTOIDECTOMIA COM PAREDE BAIXA
O desenvolvimento da otomicroscopia cirúrgica possibilitou a criação e incorporação de várias técnicas de timpanoplastias à mastoidectomia radical modificada de Bondy. Com efeito a tímpano-mastoidectomia com a parede baixa nada mais é que um refinamento da técnica de Bondy, associada à instrumentação cirúrgica do ouvido médio, onde se praticam técnicas modernas de timpanoplastia e limpeza completa do processo patológico do ouvido médio (10).(fig.4)
Indicações: a. Recidivas de colesteatomas após uso inicial das técnicas fechadas.
b. Grandes colesteatomas com destruição da parede posterior.
c. Procedência do seio lateral, não permitindo a abordagem do antrum.
d. Deiscências do assoalho da fossa média.
e. Inexperiência do cirurgião em realizar com segurança a técnica fechada.
TIMPANO-MASTOIDECTOMIA COMBINADA
Em 1958 Jansen descreveu a timpanotomia posterior (11). Outros cirurgiões otológicos também a descreveram com detalhes, incluindo Sheehy & Paterson (12) e Glasscock & Miller (13).
A timpanotomia posterior e a preservação da configuração anatômica do ouvido formaram os pilares para o surgimento da timpano-mastoidectomia dita combinada ou com manutenção da parede posterior alta.
FIGURA 4 - Tímpano-mastoidectomia de Parede Baixa: A instrumentação do ouvido médio é acrescentada à mastoidectomia radical modificada.
Técnica: Neste procedimento a parede posterior do conduto auditivo externo (CAE) é mantida intacta e a patologia do ouvido médio é exposta através da abertura do recesso facial, sendo removida em combinação via CAE e mastóide. (fig.5)
Inicialmente uma mastoidectomia simples é realizada. Após a identificação da fossa incudal, uma área triangular limitada superiormente por osso da fossa incudal, medialmente pelo segmento superior mastóideo do nervo facial e pela corda do tímpano lateralmente é identificada e o osso removido inicialmente com uma broca cortante grande, sendo esta substituída gradualmente por brocas menores e diamantadas até que o recesso do facial seja aberto e ampliado, permitindo que se enxergue a eminência piramidal, as janelas, o segmento timpânico do nervo facial, o processo cocleariforme e o óstio tubário.
Após a completa remoção dos tecidos patológicos o ouvido é reconstruído, o tímpano enxertado e o procedimento encerrado.
FIGURA 5 - Timpano-mastoidectomia Combinada: A parede posterior do CAE é mantida intacta e o recesso do facial abordado através da timpanotomia posterior.
Indicações: a. Otite média crônica colesteatomatosa
b. Descompressão do nervo facial
c. Glômus timpânico
d. Implantes cocleares
MASTOIDECTOMIA ANTERO- POSTERIOR
Farrior em 1968 descreveu e advogou a execução de uma mastoidectomia simples associada à aticotomia anterior e hipotimpanectomia assim como à timpanoplastia (realizada na maioria das vezes, mas originalmente ausente na denominação proposta por Farrior (14)).
Este acesso oferece flexibilidade na visualização e remoção de patologias situadas no mesotimpano, epitímpano e mastóide.
Técnica: Este acesso é semelhante à timpano-mastoidectomia combinada com a diferença que na mastoidectomia antero-posterior uma aticotomia amplia a exposição do ouvido médio através da remoção de osso da parede superior do CAE e scutum. Uma ponte óssea de 2mm é mantida entre o tegmen e a porção mais posterior do CAE separando anteriormente a aticotomia e posteriormente a cavidade mastoidea. Antes da reconstrução do ouvido médio o aditus é obliterado com músculo, cartilagem ou patê de osso com objetivo de evitar a formação de bolsas de retração secundárias.
Indicações: a. Colesteatomas primários com comprometimento do scutum ou extendendo-se posteriormente ao estribo em pacientes com ossos temporais bem pneumatizados.
EPITIMPANOTOMIA OSTEOPLASTICA
Esta cirurgia desenvolvida por Sabrina Wullstein combina uma exposição ampla de colesteatomas ático-antrais com a manutenção da parede superior do CAE com configuração normal (15).
Técnica: Após a exposição ampla da superfície óssea acima e atrás do CAE, a pele meatal das paredes superior e posterior é elevada até o nó de Rivinius. Estas paredes são afinadas ao mesmo tempo em que o CAE é ampliado, sem entretanto penetrar-se células antrais aficais. Um lábio ósseo a ser removido é demarcado com o auxílio de uma broca diamantada e aprofundado o suficiente até que possa ser quebrado e retirado com uma espátula. Assim uma ampla exposição ático-central é obtida. (fig.6a, 6b)
O colesteatoma é removido, o ouvido médio reconstruído, o lábio ósseo recolocado e o enxerto timpânico posicionado.
Indicações: a. Colesteatomas confinados à região ático-anual.
FIGURA 6A - Epitimpanectomia Osteosplástica: Uma broca diamantada delimita um lábio ósseo na região epitimpânica.
TIMPANO-MASTOIDECTOMIA COM A PONTE INTEGRA
No início dos anos oitenta Paparella desenvolveu a tímpano-mastoideetomia com a ponte íntegra (IBM), com o objetivo de minimizar as complicações indesejáveis das cavidades abertas, e ao mesmo tempo erradicar o processo patológico e reconstruir o ouvido médio em uma única etapa cirúrgica (16). Proclamava que com este procedimento compatibilizaria-se aspectos positivos de ambas técnicas abertas e fechadas, com baixos índices de recidiva associados a ganhos auditivos consideráveis.
FIGURA 6B - Epitimpanectomia Osteoplástica: Após a remoção do lábio ósseo, obtém-se uma ampla exposição do epitímpano e da articulação incudo-maleolar.
Técnica: Incisões endaurais ou retro-auriculares podem ser usadas. Quando as segundas são optadas, frequentemente combinam-se com as endaurais. A fáscia do músculo temporal é retirada, seguida do deslocamento de um largo retalho tímpano-meatal e exposição completa do córtex da mastóide. No passo seguinte, fresa-se ao máximo as paredes do CAE produzindo-se uma plástica deste canal que permitia visualizar-se completamente os 360 graus do tímpano ou seus remanescentes. Uma aticotomia, mastoidotomia e, se necessário, uma mastoideetomia são realizadas em seqüência. O ouvido médio é reconstituído e o adtus obliterado e o tímpano enxertado. Remove-se uma fatia generosa da cartilagem conchal a fim de se obter urna rneatoplastia que acomode a introdução do indicador do cirurgião. A obliteração da mastóide, assim como o uso de enxertos livres de pele (enxertos de Thiersch) são opcionais. (fig. 7)
Indicações: a. Otite média colesteatomatosa
b. Tecido de granulação
c. Bloqueio de aditus
d. Demais indicações dos outros procedimentos
TIMPANOPLASTIAS
São procedimentos cirúrgicos cujas finalidades são erradicar o processo supurativo crônico da cavidade timpânica, restaurar a aeracão do ouvido médio, reconstruir o mecanismo de condução sonora e criar uma cavidade seca.
Wullstein e Zollner em 1951 e 1952 foram, respectivamente, os preceptores destes procedimentos (17, 18).
Atualmente as timpanoplastias são executadas isoladamente ou associadas às mastoidectomia compondo uma miríade de combinações operatórias que se moldam de acordo com o tipo e extensão do processo patológico. Uma das classificações mais difundidas para as cirurgias das otites médias é a que se segue:
a. Miringoplastia
b. Timpanoplastia sem mastoidectomia
c. Tímpanoplastia com mastoidectomia
FIGURA 7 - Tímpano-mastoidectomia com a Ponte Íntegra: Executa-se o rebaixamento da parede posterior com manutenção de uma estreita ponte óssea sobre o aditas ad antrum.
Dentro desta classificação descreve-se as timpanoplastias em tipos I, II, III, IV e V dependendo da técnica empregada na reconstrução do mecanismo de condução sonora, o que varia em função do nível de comprometimento do sistema tímpanoossicular.
Na grande maioria das vezes, lesões mais extensas do ouvido médio são causadas por processos infecciosos oto-mastoideos crônicos, sendo necessário a abordagem da mastóide para a completa erradicação da patologia. Durante o planejamento peroperatório podemos lançar mão de vários requintes técnicos tais como aticotomia, canalplastia, mastoidotomia, secção do tendão do tensor do tímpano, estapedectomia, reconstrução da parede póstero-superior do CAE, estagiamento operatório, uso de Torps, Porps, tubos de ventilação, próteses de Wright, silastie etc ...
Todas estas opções são empregadas para superarmos as dificuldades técnicas e fisiológicas impostas pela doença alcançando plenamente o objetivo da reconstituição anatômica e funcional do órgão.
DISCUSSÃOA mastoidectomia radical com o conseqüente sacrifício auditivo à sua técnica já foi considerada como a única opção cirúrgica no tratamento dos colesteatomas e suas complicações.
Posteriormente, o surgimento da mastoidectomia radical modificada tomou possível a preservação da função auditiva em casos selecionados. Somente no anos cinqüenta Wullstein e Zollner valendo-se do microscópio operatório introduziram as técnicas timpanoplásticas que associadas às mastoidectomias revolucionaram conceitos então vigentes e refinaram a terapeutica cirúrgica das OMC, enfatizando pela primeira vez a preocupação com a restauração do sistema tímpano-ossicular.
Surgia então um novo conceito no tratamento das OMC: TÍMPANO MASTOIDECTOMIAS.
Durante os anos cinqüenta e boa parte dos sessenta a tímpano-mastoidectomia aberta (com rebaixamento da parede posterior) era uma unanimidade no tratamento das patologias do ouvido médio extensivas à mastóide, tais como colesteatomas invasivos, tecidos de granulação e grandes granulomas de colesterol. As dificuldades no manejo pós-operatório decorrentes às amplas cavidades resultantes das técnicas abertas, associadas à descrição da timpanotomia posterior por Jansen, formaram às bases para o surgimento das tímpanomastoidectomias fechadas (parede posterior intacta com abertura do recesso do facial).
A possibilidade de preservar a configuração anatômica do ouvido médio juntamente com os ganhos auditivos maiores rapidamente sedurizam aos otologistas e estas técnicas tornaram-se externamente populares e muito executadas nos anos setenta por profissionais gabaritados do mundo inteiro.
Uma revisão da literatura corrente mostra que na década passada muitos entusiastas pioneiros das técnicas fechadas revisaram seus conceitos e voltaram às tímpano-mastoidectomias abertas (19). Esta retomada das técnicas abertas deveu-se ao fato da cirurgia fechada ser tecnicamente mais difícil, em multi-estágios e, ainda mais relevante, apresentarem índices de recorrência maiores.
Este ciclo evolutivo profícuo em idéias e opções semeou controvérsias e gerou uma terminologia abundante, confusa e de classificação bastante difícil.
Esta profusão de termos trouxe consigo problemas na linguagem usada pelos autores do mundo inteiro no momento em que necessitavam relatar seus resultados cirúrgicos em congressos, simpósios e comunicações. Estes problemas seriam ainda mais relevantes em nosso país, uma vez que além de importarmos uma enormidade de termos originais, defrontamo-nos com seus sub produtos gerados a partir de interpretações pessoais e traduções diversas de procedimentos periodicamente introduzidos pela literatura internacional.
Meyerhoff em um artigo publicado no Laryngoscope de setembro de 1986 chamava a atenção para a dificuldade de disciplinar-se a nomenclatura otológica da mesma maneira que se havia conseguido em relação ao câncer da cabeça e do pescoço. Mesmo após um comitê da Academia Americana de Otorrinolaringologia ter se reunido exclusivamente para tratar da padronização destes termos (e efetivamente uma classificação ter nascido deste encontro) ela, na maioria das ocasiões, tem sido ignorada (20).
As tímpano-mastoidectomias são descritas pelo vários autores, dependendo da extensão e alcance do ato cirúrgico, como de parede alta ou baixa, técnicas abertas ou fechadas, radicais ou conservadoias, além de uma múltipla combinação de todos estes termos. São inúmeros na literatura artigos que propalam vantagens de uma mesma abordagem cirúrgica, referenciadas com várias denominações completamente diferentes. Como por exemplo, o mesmo procedimento - a tímpano-mastoidectomia com rebaixamento da parede posterior - é denominada por Farrior de mastoidectomia radical modificada moderna (21), por Sade de mastoidectomia radical conservadora (modificada) (22) e por Schuring de mastoidectomia radical (23)! E muita confusão.
Durante a elaboração deste trabalho, notamos através de conversas informais com colegas otorrinos a existência de um procedimento, que ao que tudo indica é muito utilizado em nosso meio, mas que não foi mencionado em nenhuma fonte consultada por nós. Ele consistiria de uma mastoidectomia simples, associada à uma aticotomia econômica e a instrumentação do ouvido médio sem abrir-se o recesso do nervo facial. Esta técnica teria sua maior indicação em alguns casos de otites médias crônicas não colesteatomatosas, mas com envolvimento mastoideo por grandes quantidades de tecido de granulação de colesterol. Talvez esta seja a técnica informalmente denominada de tímpano-mastoidectomia conservadora.
Mais uma vez, entretanto, a ambigüidade do termo pode nos conduzir à uma concepção diversa daquela que tencionávamos obter ao empregarmos este nome.
Definitivamente é nossa opinião que todo este arsenal de termos técnicos e controversos pode gerar uma série de mal-entendidos e conceitos deturpados, principalmente para àqueles que se iniciam na especialidade.
Por estas razões, achamos que há uma necessidade premente de uniformizar-se a nomenclatura dos procedimentos sobre o osso temporal para que no momento em que formos relatar nossos resultados e, através deles, formarmos consensos e opiniões nos expressemos de uma forma clara, inteligível, coerente e uniforme.
Na tabela I nós sugerimos uma classificação na tentativa de agrupar estes procedimentos, levando-se em consideração a preservação da parede posterior e a associação ou não da utilização timpanoplásticas.
A nossa intenção com esta classificação é somente estabelecer um ponto de partida para futuras discussões e debates mais amplos a respeito deste tema que, acreditamos, deva contar com a participação de todos os otorrinolaringologistas através de seus órgãos representativos.
REFERÊNCIAS1. Costa SS: Novos Conceitos nas Otites Médias Crônicas. Apresentado no IX Congresso da Amrigs. Porto Alegre, 1989.
2. Petit JL: Traité des Maladies Chirugicales. Paris, 1774.
3. Ballance CA: Essays on the Surgery of the Temporal Bone. MacMillan, London, 1919.
4. Schwattze HH, Eysell, CG: Uber die Kunstfche Eröffnung des Warzenfodsatzes. Arch Ohrenh 7:157, 1983.
5. Von Trölsch AF: Lehrbuch der Ohrenheilktunde mit Einschluss der Anatomie des Ohres. Fogel, Leipzig, 1873.
6. Von Bergmann E: Die Chirurgische Behandlung Von Hirnknurkheiten. Berlin, 1889.
7. Miglets A, Paparella MM, Saunders WH: Atlas of Ear Surgery, 4th ed St. Louis: The CV Mosby Company, 9, 1986.
8. Kömer O: Die Eitrigen Erkrakungen des Schläfenbeins. Bergmann, Wiesbaden, 1899.
9. Bondy G: Totalaufmeisselun mit. Erhaltung von Trommelfell und Gehörknöchelchen. Monatsschr. 44:15, 1910.
10. Shambaugh GE Jr, Glasscock ME III: Surgery of theEar, 3rd edn. Philadelphia: WB Saunders Company, 267-288, 1980.
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20. Meyerhoff WL, Truelson J: Cholesteatorna Staging. Laryngoscope 96 935-939, 1986.
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23. Schuring AG: Validating the Excision of Cholesteatoma. Otolaryngol Clin North Am 22(5): 1041-54, 1989.
* Pesquisador Afiliado, Internacional Hearfng Foundation - Minneapolá, MN, USA
** Ex-Research Fellow, Departamento de Otorrinolaringologia - Universidade de Minnesota, USA
*** Ex-Residente de Clinica Otorrinolaringologia - Santa Casa de São Paulo, SP
Endereço para correspondência: Dr. Sady Selaimen da Costa Rua Prudente de Morais 437/64 - Ribeirão Preto - SP - CEP 14015 - Fone: (016) 6368947
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral, Rio de Janeiro, 1990.