Introdução
O tétano é uma doença infecciosa aguda causada pela exotoxina tetanospasmina que é liberada pelo Clostridium tetani, um bastonete Gram +, móvel e estritamente anaeróbio. O bacilo é encontrado sob a forma de esporos nas camadas superficiais do solo, no tubo intestinal do homem e de certos animais, como também nas vestes e na poeira doméstica. Estas variadas fontes tornam facilmente suscetível a esta doença os indivíduos não imunizados que apresentam solução de continuidade na pele.
A tetanospasmina é uma poderosa exotoxina que age sobre as células motoras do sistema nervoso causando hipertonia da musculatura estriada de forma generalizada.
O tratamento consiste na remoção do foco da lesão - quando possível identificá-lo -, antibioticoterapia, SAT e cuidados gerais.
Sua letalidade é considerada elevada em nosso meio.
Relato do Caso
HDA: WMN, oito anos, masculino, pardo, estudante, natural do Ceará, procedente de Fortaleza, veio encaminhado do Hospital de Doenças Infecto-Contagiosas com o diagnóstico de tétano generalizado.
Há nove dias da admissão, após banho de imersão, a criança passou a apresentar otalgia à esquerda, evoluindo com otorréia uma semana depois. Usou gotas otológicas à base de cloranfenicol, sem obter melhora. Nesta ocasião, a mãe tentou limpar o ouvido da criança com uma "pinça de sobrancelha", retirando uma "pele esbranquiçada" (sic). O paciente apresentou dor e otorragia discreta. Nesta mesma noite, a criança apresentou otalgia intensa seguindo-se de edema na região periauricular inferior e submandibular, acompanhado de intenso eritema e febre baixa. No dia seguinte passou a apresentar dificuldade em abrir a boca, de caráter progressivo, evoluindo, após dois dias, com crises de contraturas musculares e impossibilidade de deambular.
Antecedentes Pessoais: episódios de otalgia (sem otorréia) durante as gripes e após banhos de imersão, cessando com o uso de gotas otológicas. Refere internamento hospitalar por crise asmática e diarréia. Esquema de vacinação: somente antipólio (Sabin).
Exame Físico: após aspiração de secreção purulenta fétida, visualizamos uma substância escura no terço interno do CAE esquerdo e tecido de granulação na sua parede póstero-inferior.
Tratamento Cirúrgico do Foco Suspeito: além do tratamento específico (SAT) e inespecífico (antibioticoterapia, sedativos, cuidados gerais etc.), o doente submeteu-se à limpeza cirúrgica de urgência da infecção otológica.
Os achados patológicos foram: bola de algodão, pedaços de esponja deteriorada e de odor fétido, tecido de granulação e necrótico no terço médio da parede póstero-inferior do CAE; MT edemaciada, hiperemiada, com pequena perfuração no quadrante ântero-superior e com tecido de granulação nas bordas.
A operação foi realizada com o auxílio de microscópio cirúrgico e instrumental de microcirurgia otológica. Realizamos limpeza completa do CAE com a retirada dos corpos estranhos (bola de algodão e esponja), debridamento e remoção do tecido de granulação e material necrótico (enviamos todo material para exame histopatológico). Fizemos, ainda, uma ampla miringotomia nos quadrantes inferiores para uma aspiração mais eficiente dos exsudatos do ouvido médio e facilitar a sua drenagem espontânea.
Após a limpeza cirúrgica, lavamos o ouvido com água oxigenada e infiltramos S AT no CAE, em torno da lesão, e no ouvido médio.
Evolução: a partir do PO imediato, a recuperação do paciente já se mostrava de forma evidente, com sensível diminuição das crises convulsivas. A recuperação do estado geral do paciente foi considerado rápido.
Exame Histopatológico: "processo inflamatório com focos agudizados".
Discussão
É possível que a fonte de esporos do Obstriditsm tetani tenha sido o corpo estranho (esponja) ou a própria "pinça de sobrancelha" usada no canal auditivo do paciente. O ferimento causado pelo instrumento doméstico, certamente permitiu a entrada do bacilo para a instalação do foco de infecção tetânica.
A oclusão do canal auditivo externo pelos corpos estranhos favoreceu a anaerobiose, criando condições propícias para a transformação dos esporos em forma vegetativa.
Como não foi identificado outro possível foco de infecção tetânica e o paciente apresentou uma extraordinária recuperação após a limpeza cirúrgica otológica, sugerimos a possibilidade de tratar-se de tétano otogênico.
Indiscutivelmente trata-se de um caso raro, tanto pela localização do foco de infecção (canal auditivo externo) como pela recuperação do doente (período de incubação inferior a quatro dias e o foco suspeito localizado no segmento cefálico). Realizamos um levantamento bibliográfico dos últimos cinco anos e não encontramos nenhuma referência que relacionasse otite externa e/ou média como foco de infecção tetânica.
Conclusão
É possível que uma otite externa e/ou média traumática desenvolva um foco de infecção tetânica, especialmente se houver condições de anaerobiose, como a causada pela presença de corpos estranhos obliterantes.
A remoção imediata de qualquer corpo estranho do CAE, representa uma medida profilática indiscutível.
Medidas preventivas como a administração de toxóide tetânico, devem ser consideradas em casos de corpos estranhos no CAE associados com processos inflamatórios e/ou traumáticos que não podem ser removidos imediatamente.
Summary
The authors present a case of a pacient at the age of 08 who developed generalized tetanus, se suspected focus was a otologic infection associated to strange body body.
They make a report of the surgical treatment of a suspect source of the tetanic infection and its result.
Bibliografia
1. Benson, C.A. & Harris, A.A. - Acute Neurologic Infections. Med. Clin. North Am 70 (5): 987-1011, Sept., 1986. 2. Beaty, N.H. - Tétano. In: HARRINSON. Medicina Interna 105 ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1984. 2516 p. Cap. 170, p. 1130-34. 3. Veronesi, R. - Tétano. In: VERONESI, R. Doenças Infecciosas e Parasitárias 55 ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1972. 1095 p. Cap. 54, p. 500-36.
* Residente do primeiro ano de Otorrinolaringologia do Hosp. Universitário WC - UFC ** Professor Auxiliar da Disciplina de Otorrinolaringologia da UFC
Trabalho realizado na Clinica de ORL do Hosp. Universitário Walter Cantídio - UFC
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