ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2323 - Vol. 57 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1991
Seção: Artigos Originais Páginas: 65 a 75
ESTUDO HISTOPATOLÓGICO DOS EFEITOS DA CRIOTERAPIA COM DIÓXIDO DE CARBONO EM CORNETOS DE COBAIAS
Autor(es):
Edmir Américo Lourenço *
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida **
Armando Antico Filho ***
Regina Kikue Mizutani ****

Palavras-chave:

Keywords: nose

Resumo: Foram estudados os cornetos normais de uma cobaia e os efeitos histopatológicos de uma única sessão de crioterapia com dióxido de carbono em cornetos de 8 (oito) cobaias, sacrificadas cronologicamente até o final de oito semanas. Observou-se menor agressão tecidual do que com os métodos convencionais de cauterização nasal, em virtude da regeneração epitelial hiperplásica, acantose e diminuição do contingente glandular e moderado a intenso grau de fabrose submucosa. Estas três alterações teciduais, conseqüentes da crioterapia nasal com dióxido de carbono levam respectivamente a um aumento da resistência da camada epitelial, diminuição das secreções e diminuição do tamanho dos cornetos inferiores.

Introdução

A obstrução nasal crônica e a rinorréia são queixas bastante freqüentes nos consultórios otorrinolaringológicos. As soluções não-cirúrgicas são principalmente a infiltração nasal e a cauterização. Ambas promovem uma fibrose dos cornetos, diminuindo seu volume, e têm grande aplicação em rinites hipertróficas.

Algumas das complicações das infiltrações nasais ou de couro cabeludo já descritas na literatura incluem algia ocular, parestesia hemifacial homolateral, parestesia de membros (contralateral), diplopia, perda visual temporária, cegueira parcial, cegueira total irreversível imediata e a trombose cerebral por embolia(1, 2, 3, 4, 5).

Em decorrência destes desastres iatrogênicos, é crescente a tendência ao abandono das infiltrações nasais, cujas complicações, embora raras, são graves.

A termocauterização convencional utiliza a ponta incandescente e emana calor, que é transmitido ao corneto e às estruturas vizinhas, com alto índice de sinéquias. Está praticamente abandonada.

A eletrocoagulação, baseada na radiofreqüência, eletrocoagula as proteínas e não há transmissão de calor para as estruturas vizinhas.

Estes dois métodos formam uma cicatriz muito grande no corneto, com destruição de sua estrutura, dando lugar a uma cicatriz fibrosa espessa.

Começamos então a utilizar, em nosso Serviço, a crioterapia com CO2 (dióxido de carbono)(6, 7).

Na literatura é descrita a utilização de outros gases, como freon(8), nitrogênio líquido(9, 10, 11) e protóxido (ou óxido nitroso - N2O)(8, 9, 10, 12), bem como da combinação de dióxido de carbono e acetona(12).

As temperaturas atingidas por esses gases são bastante variáveis. O nitrogênio líquido, extensamente utilizado nos Estados Unidos da América, particularmente sob a forma de spray, atinge temperaturas muito negativas, chegando a - 196°C, o que pode provocar hemorragia, perfuração septal, sinéquias, sinusite, otite média secretora, febre, cefaléia e até necrose óssea de extensão variável, dependendo do tempo de exposição(8, 12). Com o spray de nitrogênio cauteriza-se tudo dentro do nariz, inclusive estruturas normais, não havendo seletividade.

O óxido nitroso e o freon dão temperaturas de aproximadamente -40°C, e o dióxido de carbono, utilizado por nós, atinge -70°C, podendo chegar a -89°C(6, 7, 12).

Outras queixas são rinorréia posterior, cefaléia, peso facial, secura na boca e alterações ósmicas.

A temperatura letal para as células é a partir de -30°C. Nesta temperatura, ocorre aderência da ponta do aparelho â mucosa do nariz, iniciando processos de ruptura das membranas celulares, por formação intra e extracelular de cristais de gelo, bem como uma desidratação com destruição tóxica, em virtude do aumento de eletrólitos e das trocas de pH nos líquidos intra e extracelulares(5, 11, 12).

O limite da congelação depende da bola de gelo que é formada com uma linha bem definida, separando o tecido não-afetado(12). O grau de destruição tissular depende da temperatura, do tempo de exposição e do formato e tamanho da probe(9, 12). Em 24 horas forma-se exsudato fibrinoso sobre a região tratada, que gradualmente é eliminado. A temperaturas inferiores a -120°C, há destruição dos tecidos(11), incluindo a estrutura colágena da membrana basal, por isso a reepitelização se dá com epitélio hiperplasiado, não havendo regeneração do epitélio original, regeneração esta que é verificada com temperaturas até -80°C.



Figura 1 - Válvula nasal normal de cobaia. Aumento 60 X.



Figura 2 - Aspecto histológico normal de um corneto de cobaia. Aumento 150 X.



Material e Método

Utilizamos nove cobaias adultas sadias. A primeira foi sacrificada para estudo anatômico das estruturas do nariz e visualizamos no diminuto intróito nasal uma formação micros copicamente semelhante a um corneto, mas que histologicamente não era um corneto, mas a válvula nasal, incluindo músculos e cartilagem (figura 1). Retiramos os cornetos, procedemos a estudo histológico e individualizamos com precisão qual a região a ser congelada pela ponta do criocautério (figura 2).

Procedemos, então, à rinotomia lateral de oito cobaias e à criocauterização unilateral de corneto inferior com CO2.

Sacrificamos as cobaias em 24 horas, 48 horas, quatro dias, sete dias, dez dias, duas semanas, quatro semanas e oito semanas para estudo histopatológico dos cornetos congelados, comparados com o corneto normal contralateral de todas elas.



Figura 3 - Equipo de crioterapia.



Figura 4 - Cilindro de CO2 e manômetro.



Figura 5 - Probe do equipo de crioterapia.



O material utilizado constou de um cilindro de 4 kg, com CO2 pressurizado, um manômetro, um cabo adaptâdo do manômetro a um pedal, um cabo adaptado do manômetro a uma caneta dotada de uma haste angulada em 15 graus, especificamente idealizada em nosso Serviço para uso intranasal, cuja extremidade de cobre, de formato cilíndrico (probe), mede sete milímetros de comprimento por 2,5 milímetros de diâmetro, correspondendo ao local onde ocorre a congelação (figuras, 3, 4 e 5).

Comprimindo o pedal, o contato da probe com a membrana mucosa do corneto inferior promove sua aderência e uma pequena partícula de gelo surge, congelando a área de contato.

Em virtude das diminutas dimensões dos cornetos inferiores das cobaias, congelamos durante 60 segundos uma única área numa única sessão, a uma pressão de 750 libras-força por polegada ao quadrado. A seguir, aguardamos alguns segundos, para descongelamento espontâneo, sem qualquer tração da probe, para evitar arrancamento de fragmentos da mucosa. Não ocorreu sangramento em nenhuma das cobaias.

Resultados

No estudo histológico de um corneto normal de cobaia, temos um epitélio predominantemente pavimentoso estratificado não-corneificado, com áreas de epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado e outras de epitélio cilíndrico ciliado simples ou mesmo cilíndrico simples. Há muita vascularização e glândulas seromucosas, predominantemente serosas. A coloração pelo PAS mostrou-se positiva em alguns pontos, o que indica a presença de glândulas mucosas; contudo, a predominância é de glândulas serosas.

Em 24 horas forma-se uma crosta fibrino-leucocitária. Há edema, congestão, hemorragia, trombose e marginação dos leucócitos (figuras 6 e 7).

A marginação dos leucócitos, pela perda do fluxo laminar dentro dos vasos, ocorre principalmente nas primeiras 48 horas e indica um processo inflamatório agudo (figura 8).

A trombose vascular é bem caracterizada em aumento de 600 vezes, com tecido róseo amorfo constituído principalmente por fibrina e plaquetas (figura 9).

Há intensa hemorragia (hemácias fora dos vasos da submucosa), intensa congestão (hemácias dentro dos vasos), edema na submucosa (com espaço entre as células bastante aumentado) e o contingente glandular encontra-se bastante reduzido (figura 10).



Figura 6 - Corneto de cobaia 24 horas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 7 - Corneto de cobaia 24 horas após realização de crioterapia com CO2- aumento de 150 X.



Figura 8 - Marginação de leucócitos em corneto de cobaia 48 horas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 600 X.



Figura 9 - Trombose vascular em corneto de cobaia 48 horas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 600 X.



Figura 10 - Aspecto geral de corneto de cobaia 48 horas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 11 - Corneto de cobaia, quatro dias após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 12 - Corneto de cobaia sete dias após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Em quatro dias surge um inicio de fibrose submucosa, com proliferação de fibroblastos ("miofibroblastos") capilares e há discreta hiperplasia epitelial de algumas glândulas (figura 11).

Com sete dias a fibrose se acentua, inicia-se a reepitelização dos bordos da região cauterizada e o contingente glandular encontra-se bastante reduzido (figura 12).

O exsudato neutrofílico da fase aguda vai progressivamente dando lugar a um infiltrado inflamatório linfoplasmocitário.

A partir de duas semanas, como resultado final, em oito semanas, temos uma regeneração epitelial, com acantose irregular que penetra em alguns ductos glandulares, diminuição do contingente glandular e uma fibrose submucosa em grau moderado a intenso (figuras 13, 14, 15 e 16 e quadro geral cronológico dos achados histopatológicos).



Figura 13 - Corneto de cobaia dez dias após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 14 - Corneto de cobaia duas semanas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 15 - Corneto de cobaia quatro semanas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Figura 16 - Corneto de cobaia oito semanas após realização de crioterapia com CO2 - aumento de 150 X.



Discussão

Revendo a literatura, é consenso que a crioterapia nasal traz benefícios aos pacientes a ela submetidos. Morre e Bicknell(13), comparando os resultados do tratamento da rinite crônica vasomotora pela crioterapia e pela cauterização convencional, observaram que eles praticamente se equivaliam.

Uma grande vantagem da crioterapia é, sem dúvida, a regeneração epitelial descrita na literatura(6, 7, 11), o que não ocorre com a eletrocoagulação e a diatermia, além de não produzir cicatrizes e possibilitar sessões repetidas(6, 7).

Principato(12) descreveu como efeitos histológicos do óxido nitroso núcleos picnóticos, edema e cito plasma granular e, posteriormente, infiltração leucocitária, trombose vascular e necrose das paredes vasculares.

Conclusão

A crioterapia não é a solução completa para obstrução nasal, rinorréia ou catarro pós-nasal, mas é um método simples, barato, eficaz, pouco agressivo à mucosa nasal e, portanto, à sua fisiologia. A regeneração epitelial hiperplásica, a intensa acantose e a diminuição do contingente glandular, bem como moderado a intenso grau de fibrose submucosa, se constituem nos achados histopatológicos experimentais mais importantes após a crioterapia com CO2 de cornetos de cobaias.

Desta forma, se obtém o que se almeja com uma cauterização, isto é, uma diminuição do tamanho dos cornetos e do contingente glandular, correspondendo a uma melhora a nível de utilização clínica, respectivamente, dos sintomas obstrução e rinorréia.

Summary

We observed the normal turbinates of a guinea pig and the histopatologic alterations induced by cryotherapy with carbon dioxide into the inferior turbinates of eight guinea pigs, in a unique session, dead even eight weeks.

It was confirmed the small tissue lesion, with hiperplasic epithelium regeneration, acanthosis with redution of the glands and moderate to severe submucous fibrosis. These three tissue alterations induced by nasal cryotherapy with carbon dioxide produce improvement of the mucous membrane resistence, decrease of nasal drainage and redution of the inferior turbinates size.





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* Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - São Paulo.
** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - São Paulo.
*** Professor Responsável da Disciplina de Patologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - São Paulo.
**** Auxiliar de Ensino Voluntária da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - São Paulo.

Trabalho apresentado no 28° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia - SP, realizado no Centro de Convenções Rebouças - outubro/1986.

INSTITUIÇÃO: FACULDADE DE MEDICINA DE JUNDIAÍ - Rua Francisco Telles, n° 250 - V. Arens - Jundiaí - SP - Brasil - CEP 13200 - Fone (011) 437-1379.

Endereço para correspondência: Edmir Américo Lourenço - Rua do Retiro, n° 424 - 5° andar Conj. 53154 - B. Anhangabaú - Jundial - SP - Brasil - CEP 13200 - Fone (011) 434-1697.
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Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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