ISSN 1806-9312  
Segunda, 22 de Julho de 2024
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2316 - Vol. 57 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1991
Seção: Artigos Originais Páginas: 33 a 35
Pefloxacin no tratamento da otite externa maligna
Autor(es):
Siomara Bambirra*
Maria Cristina L. Cury Féres**
Wilma Terezinha Anselmo***
José Antonio Apparecido de Oliveira****

Resumo: A Otite Externa Maligna (OEM), como processo infeccioso grave e de evolução fulminante, representa um desafio terapêutico. O objetivo desse trabalho é o de apresentar uma opção para o tratamento ambulatorial dessa patologia. Os autores mostram dois casos de pacientes atendidos no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, diabéticos, portadores de episódios recorrentes de OEM, tratados previamente com Amoxacilina, Gentamicina, associação de Tobramicina e Carbenicilina, não se obtendo resultados favoráveis. Nesses pacientes foi utilizada a associação de Pefloxacin e Rifampicina por um período de cinco semanas, obtendo-se remissão completa do quadro. Os pacientes permanecem assintomáticos há seis meses. É ressaltada a importância do esquema utilizado, devido à administração oral da medicação, o que permite aos pacientes a manutenção de suas atividades, evitando os inconvenientes de uma internação por tempo prolongado, reduzindo assim substancialmente os gastos do tratamento.

Introdução

As primeiras citações sobre OEM foram feitas por Toulemouche em 1838(1). Na literatura recente, Meltzer e Keleman foram os primeiros a descrevê-la, em 1959(2). Posteriormente, em 1969, Chandler introduziu o termo OEM como uma nova entidade, pela elevada mortalidade e evolução fulminante com que esta doença se apresentava(3). Representa uma infecção progressiva e invasiva que se inicia no CAE, usualmente em idosos diabéticos, podendo se disseminar pelo osso temporal, base do crânio e estruturas contíguas. Não é raro encontrá-la em crianças pequenas com extrema deficiência imunológica(4,5). O paciente se queixa de otalgia intensa e rebelde a tratamentos locais, mostrando ao exame otoscópico edema do CAE, presença de exsudato e tecido de granulação. Para a maioria dos autores a Pseudomonas aeruginosa é sempre agente causal; existem publicações isoladas apontando outros organismos como o Aspergillus fumigats, S. aureus e Proteus mirabilis(6,7). No indivíduo diabético a P. aeruginosa encontra condições propícias à agressividade e disseminação. A microangiopatia do diabetes, especialmente a da pele do conduto auditivo externo, resulta em pobre perfusão local dos tecidos. Fatores extracelulares elaborados pela Pseudomonas tornam o meio particularme adequado à invasão dos tecidos. A exotoxina A, semelhantemente à toxina diftérica, atua sobre a síntese protéica, tendo um efeito necrotizante, além de inibir a função de granulócitos e macrófagos. A Pseudomonas também elabora proteases e fosfolipase, atuando esta última como um fator de permeabilidade vascular, sendo eliminada em um meio rico em carboidratos ou no soro de diabéticos hiperglicêmicos. Doroghazi e cols., em 1981, sugeriram que a combinação desses fatores e a pobre perfusão dos tecidos no ouvido do paciente com microangiopatia diabética do osso temporal culminam no quadro clínico da otite externa invasiva(8,9,10,11). A avaliação radio1ógica pode ser feita através da cintilografia óssea, utilizando-se para isso do technetium ou do gallium. O technetium diagnostica precocemente uma osteomielite do osso temporal devido à intensa atividade osteoblástica. O gallium permite um acompanhamento da efetividade da droga usada, sendo realizado no início e no término do tratamento, uma vez que sua captação retornará ao normal assim que se conseguir a esterilização dos tecidos afetados. A tomografia computadorizada e a imagem de ressonância magnética avaliam a extensão anatômica dos tecidos moles envolvidos na OEM(12,13.t4), Inicialmente o tratamento da OEM consistia em remoção cirúrgica dos tecidos comprometidos, com risco elevado de contaminação de áreas não-infectadas. Já em 1972 Chandler propôs uma associação de antibioticoterapia com tratamento local dos tecidos, obtendo melhora considerável em seus resultados. A combinação Aminoglicosídeo com Carbenicilina por um período de 412 semanas mostrou-se bastante eficaz no combate desta infecção, exigindo, porém, período prolongado de hospitalização, com custo elevado e riscos de oto e nefrotoxicidade(15). O objetivo dos autores nesse trabalho é o de apresentar uma opção para o tratamento ambulatorial dessa patologia.

Apresentação de casos

Caso nº 1

20.03.88 - SO, 47 a., mulato, atendido no Ambulatório de O.R.L. do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com queixa de otalgia à esquerda, febre e dor à percussão da mastóide. Otoscopia: CAE edemaciado com secreção amarelo-esverdeada. Foi medicado com Hiconcil, Voltaren e Otosy nalar por 10 dias. Colhida a cultura.

12.04.88 - Paciente retorna com persistência dos sintomas e sinais. Cultura positiva para Pseudomonas aeruginosa. Foi medicado com Amicacina, curativo local diário e cauterização do conduto com nitrato de prata a 20%. Testes audiológicos foram feitos antes, durante e após o tratamento. O paciente evoluiu com otalgias recorrentes.

08.01.89 - Paciente retorna com novo episódio de otalgia intensa à esquerda e febre. Otoscopia: CAE edemaciado, descamativo e com secreção purulenta. Foi medicado com Amoxil, corticóide tópico e Voltaren por 10 dias.

12.02.90 - Paciente queixando otalgia constante bilateral, dor intensa na mastóide esquerda. Otoscopia: CAE edemaciado com hiperemia e descamação. Foi internado por cinco semanas e tratado com Tobramicina. Complicações: evoluiu inicialmente com oligúria, sem alterações nos níveis de uréia e creatina, a glicemia de jejum e o teste de tolerância à glicose se mostram pela primeira vez alterados: glicemia 153; GTT: basal 107, 30'163, 60'204, 90'242 e 120'168. Cintilografia MDP99n TC: normal. Alta em 19.03.90 com remissão total do quadro. As audiometrias, assim como os testes vestibulares, se mostraram sempre normais.

Discussão

A OEM como processo infeccioso grave representa um desafio terapêutico. Diferentes tratamentos clínicos (associação de aminoglicosídeos e penicilina, cefalosporinas de 3ª geração, novos antibióticos como a Tycarcilin), além de abordagens cirúrgicas, foram propostos desde a sua primeira descrição(16,17,18). A oxigenação hiperbárica também pode ser associada em casos refratários(19). Muitos desses tratamentos pecam pelo alto custo, agressividade, efeitos colaterais e limitação às atividades normais dos pacientes. Uma nova quinolona tem sido usada com sucesso em pacientes que não respondem ao tratamento preconizado(20,21,22). O Pefloxacin é um antibiótico de amplo espectro, com atividade contra bactérias gram-negativas, incluindo a P. aeruginosa, bactérias gram-positivas e bactérias anaeróbicas. Apresenta uma boa absorção oral, relatando-se ser tão efetivo como a Tobramicina e superior à Tycarcilin em pneumonia experimental por Pseudomonas. Tem também uma boa penetração óssea. Nenhum efeito colateral sério ou reação adversa por este antibiótico foram observados no ser humano, tanto pela via endovenosa como a oral(23). A associação desta droga com a Rifampicina tem demonstrado uma eficácia superior ao tratamento parenteral convencional(24). Os dois casos apresentados foram tratados com esta associação, sendo ambas as drogas administradas oralmente. Desse modo, foi eliminada a necessidade de hospitalização prolongada e os riscos associados à administração parenteral, como flebite e trombose. Outra vantagem do tratamento proposto é a ausência do risco de oto e nefrotoxicidade, efeitos colaterais conhecidos quando da administração de aminoglicosideos.

Summary

Malignant External (MEO), as a severe infection with fulminating evolution, remains a therapeutic problem. In this paper, the autores report an option for the ambulatorial therapy of the disorder. It was reported two patients from the Otorhinolaringology Ambulatory of the Faculty of Medicine Hospital, in Ribeirão Preto, São Paulo University.

Both patienis were diabetics, with recurrents episodes of MEO, previously treated with Amoxacilin Gentamicin and Tobramicin, but without definitive result. They were treated with combination of Pefloxacin and Rifampin for 5 weeks, with complete remission of the Symptoms and remain free of infection for 6 months after the end of therapy.

The authors coment the importance of this therapy, with oral administration, what keeps the patient in his daily activity, avoids prolonged hospitalization and reduces the costs of treatment.

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* Médica-residente do 2° ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

** Pós-graduanda da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

*** Professora Assistente do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeindo Preto. USP.
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*** Professor Titular de Otorrinolaringologia e Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. USP.

Trabalho realizado no HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO - USP e apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXIII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral.

Endereço dos autores: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - "Campus'" de Ribeirão Preto - Av. Bandeirantes, 3.900 - CEP 14049 - RibeirâoPreto - SP.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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