ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
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2315 - Vol. 57 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1991
Seção: Artigos Originais Páginas: 29 a 32
As emissões otoacústicas
Autor(es):
Noisio Guilherme Moraes Ferreira*
Ary Guilherme Ferreira**

Palavras-chave:

Keywords: Neurossensorial deafness

Resumo: Os autores apresentam uma revisão bibliográfica dos últimos dez anos sobre as otoemissões acústicas. São comentados fatos pertinentes à técnica de execução dos exames, uma crítica dos resultados e as suas indicações clínicas.

Kemp(1), em 1978, utilizando um microfone emissor e um microfone receptor colocados no interior do meato acústico externo registrou ondas sonoras originadas do ouvido interno. Essa energia de escape da cóclea, através da cadeia ossicular do ouvido médio e membrana timpânica que chegava até o ouvido externo foi chamada de otoemissão acústica. Em 1979, Kemp(2), usando a mesma técnica, detectou as otoemissões espontâneas, isto é, energia sonora advinda da cóclea na ausência de qualquer estímulo sonoro.

Para explicar esses fenômenos o ouvido interno tinha que possuir estruturas capazes de gerar energia própria. Brownel(3) demonstrou "in vitro" que as células ciliadas externas (CCE) possuem no seu citoplasma proteínas contráteis. As células ciliadas externas são pouco adaptadas à função sensorial (inervação aferente pouco abundante, sem mielina). Por outro lado sua inervação aferente poderia modular, através do sistema nervoso central, o sistema de proteínas contráteis, do seu citoplasma, colocados em evidência por Flock(4) e col. Esses fenômenos gerados pela atividade da CCE são chamados fenômenos ativos endococleares. As células ciliadas internas (CCI) realizavam a transdução da energia acústica em fenômenos bioelétricos. Essas células seriam transdutores passivos, isto é, elementos que traduzem informações mecânicas que lhe são transmitidas pela estruturas cocleares. Assim, as CCI não poderiam ser a base das otoemissões(5,6).

As otoemissões provocadas (OEP) são detectadas no conduto auditivo externo alguns milisegundos após a estimulação por "CLIC" ou um curto impulso tonal (Burst). A OEP é medida segundo o tempo de latência, duração, espectro de freqüência(7,8). O outro parâmetro pesquisado é o limiar. Trabalhos de Kempi(9), Probst(10), Penner(11) e Wilson(12) afirmam que a presença da OEP é de 100% com limiar tonal auditivo ?20 dB SPL na freqüência de 1000 Hertz. Outros trabalhos confirmam que a incidência da OEP decresce linearmente com o crescimento do limiar audiométrico. As otoemissões provocadas nunca acontecem quando os limiares do clic subjetivo ou a média tritonal são , ?35 dB SPL. Obviamente em todos estes casos se pressupõe a normalidade do ouvido médio.

Outro tipo de energia advinda do ouvido interno em resposta a uma estimulação acústica contínua por sons puros de freqüência (Fl e F2 chamadas freqüências primárias) é o produto de distorção (DPE)(13,14).

Desta maneira as otoemissões são classificadas em:

1. Otoemissões espontâneas (OES)
2. Otoemissões provocadas retardadas (OEP)
3. Produtos de distorção (DPE)

Otoemissões espontâneas

Em 1987, Rebillard(15) et al afirmavam que as otoemissões espontâneas traduziriam um disfuncionamento discreto dos mecanismos ativos cocleares. O fenômeno seria gerado por uma descontinuidade da impedância da membrana basilar. Essa descontinuidade poderia ser a conseqüência da presença de algumas CCE supranumerárias ou falta de células externas. A ausência das CCE poderia ser congênita ou devido à ação de ruídos ou drogas ototóxicas. Zureck e Clarkh (16) mostraram que chinchilas expostas ao ruído apresentavam OES enquanto que em animais criados no silêncio as OES estavam ausentes.





Desde 1981 inúmeras publicações relatam casos de OES e acúfenos (Tabela 1). Penner(11), em 1990, afirma que a prevalência de tinitus causados por otoemissões espontâneas poderia variar de 1,1% a 9,5%.

Trabalhos de Bray e Kemp(9) e outros pesquisadores britânicos afirmam que metade dos casos de zumbidos incapacitantes ocorrem em pacientes com audição normal ou perdas auditivas tão leves que o paciente ainda não percebeu. Assim sendo, caso se aprofundasse a pesquisa das OES nesta população sofredora de acúfenos com audição normal encontrar-se-ia de 800.000 a 1.500.000 casos de zumbidos provocasos por OES na população britânica. Estas opiniões são conflitantes com o que afirma Bonfils(6) et al, também em 1989. "Não há relação entre acúfenos e otoemissões espontâneas." Uma cóclea normal pode apresentar otoemissões espontâneas.
Otoemissões provocadas

Na década de 80 inúmeros autores afirmam que o estudo das OEP é um exame simples, não-invasivo, rápido, objetivo, que permite explorar os mecanismos ativos endococleares(17).



Fig. 1: Otoemissão provocada (OEP) num indivíduo normal, em resposta a um clic de intensidade decrescente de 30 a -10 dB HL. O limiar de percepção do indivíduo ao clic era de 0 dB HL. O limiar da OEP era de -10 db HL. (Adaptado Bonfils 5)



O material necessário para a sua realização compreende uma cadeia clássica de estimulação (clic) e registro parecido com aquele utilizado para o estudo dos potenciais evocados auditivos. Uma sonda idêntica à do impedanciômetro contendo microfone emissor e o microfone receptor, pesando cerca de 20 g, veda o CAE. A este sistema se acopla o analisador espectral de Fourier. Diferentes parâmetros são estudados: a latência, o limiar, a amplitude e o espectro de freqüências(18,19).

Como as CCE são as primeiras a serem lesadas nas hipoacusias endococleares e este exame permite explorar a orelha interna em níveis infraliminares(5) (Fig. 1), é lícito pensar que se pudesse detectar uma lesão do órgão de Corti inicial que ainda não tivesse provocado elevação dos limiares auditivos. Assim, poderíamos utilizar as otoemissões provocadas em clínica otológica para:
1. Despistamento de uma surdez na criança;
2. Vigilância de uma população de risco coclear (exposição ao ruído, ototóxicos);
3. Acompanhamento de surdez endococlear evolutiva (surdez flutuante, surdez súbita);
4. No hidrops coclear as OEP e testes do glicerol podem provar de maneira objetiva a reversibilidade do hidrops labiríntico;
5. No neuroma do acústico a OEP encontra-se alterada em 75% dos pacientes(20).

Bonfils et al(6), estudando os resultados de 1.200 exames audiológicos e otoemissões acústicas, afirmam:

- O único parâmetro de interesse clínico é a presença ou ausência da otoemissão.

- Não se registra OEP na presença de uma surdez de transmissão com limiar audiométrico médio de 20 a 25 dB.

- Também não se registra OEP em surdez de percepção endococlear com limiar audiométrico médio nas freqüências de 1 a 4 K Hertz que ultrapassa 25 a 30 dB HL.

- É possível registrar OEP na presença da lesão da via auditiva central.
- A aplicação essencial da OEP parece ser despistamento da surdez na criança jovem e recém-nato. Principalmente na população de risco auditivo ou incidência de surdez elevada: sofrimento neo-natal, síndrome de polimal-formação, antecedentes de surdez familiar, embríopatia (rubéola, citomegalovírus, sarampo), fetopatias (incompatibilidade sangüínea, tratamento ototóxico durante a gravidez). Nesta população as OEP separam dois grupos: aqueles com limiares iguais ou inferiores 25 a 30 dB HL daqueles com uma alteração mais profunda da audição. Ausência de resposta levaria a um estudo completo como a eletrococleografia e audiometria do trono cerebral. Sposetti(21) et al analisando 3.158 registros de OEP afirmam, malgrado o entusiasmo e as esperanças suscitadas no diagnóstico e vigilância na maioria, das surdezes, que não passa de uma técnica de detecção de uma ligeira hipoacusia na criança.



Fig. 2: Exemplo típico da análise espectral de DPE por estimulação de duas freqüências primárias F1 e F2 (flechas negras). A flecha branca mostra o produto de distorção 2F1 - F2 analisado neste estudo. (Adaptado Lonsbuty-Martin 13)



Fig. 3: Curva entrada-saída da amplitude média da DPE 2F1 - F2 em função da intensidade de estimulação por freqüências primárias F1 e F2 numa relação F1/F2 compreendida entre 1.18 e 1.28. No indivíduo normo ouvinte (n =10, quadrado negro) existe dois desníveis: um desnível débil que satura rapidamente (flecha branca) e outro desnível acentuado que não satura (flecha negra). No indivíduo apresentado uma surdez de percepção endococlear (n = 10, bola negra) só o segundo desnível persiste. (flecha negra) (Adaptado Bonfils 14)



Os produtos de distorção DPE

Os produtos de distorção (DPI são fenómenos gerados por todo sistema físico ou bio1ógico que responde de maneira não-linear. DPE aparecem quando se estimula o ouvido por dois sons contínuos sinusoidais Fl e F2. Esses produtos são vários e suas freqüências correspodem às combinações das duas freqüências primárias: F2 - F1, 2F1 - F2, 2F2 - F1, etc. Entre estes, o produto de distorção 2F1 -F2 parece ser aquele que estuda de maneira mais eficiente a cóclea normal ou doente(14) (Fig. 2).

A eletrococlografia, OEP e BERA estudam as altas freqüências. O DPE permite investigar toda a extensão cóclea pela seleção da freqüência do estímulo. Com DPE podemos a ciar o estado da cóclea nas freqüencias de 250 a 1000 Hertz de importância capital em audiologia pediátrica. Esse estudo dos restos auditivos é fundamental para adaptação de prótese ou implante coclear. O DPE é uma medida objetiva e reproduzível da função do CCE da cóclea. Graças ao método de análise e registro automatizados, o exame é objetivo, não havendo nenhuma parti-cipação do paciente, podendo ser realizado em qualquer idade. O exame consiste na colocação de uma sonda da mesma maneira que na timpanometria, contendo dois autofalantes e um microfone miniaturizados. O sinal recolhido é analisado por um analisador de espectro e comandado por um programa de computador desenvolvido especialmente para este fim(22).

A relação F2/F1 que nos fornece melhores dados para análise da cóclea está compreendida entre 1.18 e 1.28. Utilizando-se esta relação e intensidade de estímulos F2 = Fl obtêm-se curvas de entrada/saída em dois declives:

a) Um primeiro declive que parece refletir fielmente a atividade micromecâmica endococlear (atividade dependente da atividade contrátil das CCE).

b) Um segundo declive mais abrupto que não satura, ligado às propriedades mecânicas passivas do órgão de Corti(14) (Fig. 3).

Com o teste do DPE pode-se separar uma perda neural da sensorial nas surdezes neurossensoriais. O DPE informa sobre quantidade e qualidade da perda auditiva, enquanto que o OEP só investiga a quantidade da perda(23).

Conclusão

As otoemissões provocadas são testes objetivos de avaliação da função auditiva do ouvido interno. Os exames são não invasivos, rápidos, bem tolerados, podendo ser praticados em qualquer faixa etária. Qualquer problema de condução do ouvido médio impede a sua realização.

As otoemissões provocadas retardadas (OEP) e as DPE (produtos de distorção) avaliam aspectos diferentes da mesma cóclea, sendo, portanto, testes complementares na investigação da integridade das células ciliadas externas.

Summary

A bibliografic revision of otoacoustic emissions was done in the last ten years. The authors comment about these indications, technics and results.

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência: Dr. NOISIO GUILHERME MORAES FERREIRA - Rua Domingos Ferreira, 15/1202 - Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - CEP 22050.

* Mestrando de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
** Chefe do Setor de Otoneurologia do Hospital Geral de Bonsucesso (Inamps) do Rio de Janeiro.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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