ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2313 - Vol. 57 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1991
Seção: Artigos Originais Páginas: 13 a 17
Eletrocoagulação submucosa ambulatorial de cornetos nasais: avaliação após dois anos
Autor(es):
Lucio A. Castagno*

Palavras-chave: Obstrução nasal; cornetos nasais; eletrocoagulação submucosa

Keywords: Nasal obstruction; nasal turbinates; submucosal electrocoagulation

Resumo: Obstrução nasal crônica é sintoma freqüente e secundário de diversas etiologias. Desvios de septo e hipertrofia óssea de cornetos nasais podem requerer tratamento cirúrgico. Rinites alérgicas ou vasomotoras crônicas são tratadas clinicamente, mas quando acompanhadas de hiperplasia mucosa severa de cornetos nasais necessitam a realização de outros procedimentos. Cauterização linear superficial, eletrocoagulação submucosa, crioterapia ou aplicações de lasers de argônio ou dióxido de carbono podem ser utilizados para reduzir o volume dos cornetos nasais e os resultados parecem semelhantes. Neste estudo são apresentados os resultados obtidos com eletrocoagulação submucosa em 39 pacientes. Ao final de dois anos, 18 (46,2%) indicaram resultados "excelentes", outros 18 referiram "alguma melhora" e apenas três (7,7%) pacientes permaneceram inalterados com obstrução nasal severa. Não ocorreram complicações.

Introdução

Obstrução nasal crônica é problema freqüente e responsável por quase 60% das consultas de pacientes com queixas naso-sinusais, particularmente nas três primeiras décadas de vida(1). Em condições normais, a respiração é feita através das fossas nasais, sendo a respiração oral apenas um complemento adquirido e antifisiológico que não filtra, aquece ou umidifica o ar. O septo, cornetos e o revestimento mucoso nasal são responsáveis por mais de 40% da resistência total das vias respiratórias(2). Maior resistência ocorre nas alterações anatômicas como desvio de septo e hipertrofia óssea de cornetos. Rinite alérgica ou vasomotora crônica podem causar edema e espessamento da mucosa dos cornetos inferior e médio(3,4), aumentando a resistência à respiração nasal.

Existem diversas modalidades de tratamento para obstrução nasal crônica, desde controle medicamentoso da congestão nasal até procedimentos cirúrgicos. Nos desvios de septo severos (tipo 1II de Cottle) a alternativa é essencialmente a septoplastia(5). Em situações intermediárias, quando a obstrução é em parte ou unicamente secundária à hiperplasia mucosa dos cornetos ou quando o paciente recusa a indicação cirúrgica preferimos utilizar a eletrocoagulação submucosa de cornetos inferiores. O procedimento é simples e feito a nível ambulatorial sob anestesia local. Neste trabalho são discutidos os resultados obtidos.

Material e métodos

Foram avaliados 39 pacientes submetidos à eletrocoagulação submucosa de cornetos e acompanhados por dois anos. Os sintomas de obstrução nasal, rinorréia, prurido nasal e espirros foram quantificados pelo paciente considerando a intensidade e freqüência de cada um, segundo uma escala visual analógica (Figura 1), antes do procedimento, após um mês, após um ano e após dois anos. Os resultados obtidos foram introduzidos em microcomputador e correlações estabelecidas.

A eletrocoagulação submucosa de cornetos inferiores foi feita a nível ambulatorial e sob anestesia local. Nessa técnica, os cornetos inferiores são vaporizados com lidocaína 10% spray e, a seguir, infiltrados com lidocaína 2% 0.8-1 ml ao longo de cada corneto. Após alguns minutos uma agulha de 4 cm conectada ao eletrocautério (Cameron-Miller Co model 26-240, programado para coagulação) é inserida no corneto e a cauterização submucosa feita durante cerca de 1-2 minutos, removendo-se a agulha lentamente(3). À medida que a região do corneto próxima à ponta da agulha é cauterizada, a mucosa torna-se branquicenta. Todo o pro cedimento leva 15-20 minutos, ao final do que o paciente retorna às suas atividades sem qualquer restrição. É comum uma congestão nasal reacional ao longo da primeira semana, que pode requerer o uso temporário de descongestionantes sistêmicos, após o que a permeabilidade nasal melhora progressivamente. Não foram observadas reações vaso-vagais, epistaxes ou outras complicações nos pacientes estudados.



Flg. 1: A severidade dos sintomas nasais é avaliada subjetivamente de acordo com a intensidade e a freqüência com que ocorrem. O paciente identifica na escala o valor numérico correspondente.



Fig. 2: Patologias subjacentes à obstrução nasal crônica. Os resultados decorrem da avaliação subjetiva do próprio paciente ao final de dois anos.
HC - Hiperplasia mucosa de cornetos inferiores
HCA - Hiperplasia mucosa de cornetos associada à rinite alérgica
DS2 - Desvio de septo tipo II de Cottle
DS3 - Desvio de septo tipo III de Cottle



Resultados

A idade variou de 11 a 67 anos (média de 29,6 e desvio padrão de 20,1 anos). Eletrocoagulação submucosa de cornetos inferiores também foi rotineiramente feita em pacientes abaixo de 10 anos durante adenoidectomias, mas com anestesia geral, portanto, excluídos deste estudo. Entre os pacientes 21 (53,8%) eram do sexo masculino e 18 (46,2%) do sexo feminino.

As patologias principais responsáveis pela obstrução nasal foram em 21 (53,8%) hiperplasia mucosa de cornetos secundária à rinite vasomotora crónica ou medicamentosa; em 9 (23,1%) rinite alérgica perene; e em outros 9 pacientes, desvio de septo (tipo II de Cottle em três e tipo III em seis pacientes) associado à hiperplasia mucosa de cornetos, habitualmente contralateral ao lado predominante do desvio (Figura 2).

Ao final de dois anos os pacientes avaliaram os resultados obtidos. Três (7,7%) sem qualquer melhora e com desvio de septo tipo III de Cottle foram submetidos a septoplastias pelas técnicas de Killian ou Gullén; 18 (46,2%) referiram alguma "melhora", incluindo outros seis pacientes com desvio de septo; e os restantes 18 pacientes informaram resultados "excelentes" (Figura 2).

Seis (15,4%) pacientes consideraram o procedimento "indolor", 30 (76,9%) "pouco doloroso", e apenas 3 (7,7%) "muito doloroso" (Figura 3). A propósito da expectativa prévia em relação ao procedimento, entre 27 pacientes que responderam a questão, 6 (22,2%) a entenderam "inferior ao esperado", 12 (44,4%) "corresponderam" e 9 (33,3%) fica ram "acima da expectativa" (Figura 4). Ainda entre esses 27 pacientes, 24 (88,9%) dispunham-se a fazer uma nova eletrocoagulação caso necessário.



Figura 3



Figura 4



Fig. 5: Resultado da eletrocoagulação submucosa de cornetos inferiores na obstrução nasal. A severidade da obstrução é índice numérico de 1 (inexistente) a 100 (permanente e total) decorrente da multiplicação da intensidade e a freqüência (Int. X Freq.), de acordo com a escala visual analógica descrita. Os valores representam a média ±desvio padrão para todos os 39 pacientes estudados.



Os sintomas responsáveis pela "resposta nasal limitada"(6) foram estatisticamente avaliados considerando-se uma empírica relação funcional entre a intensidade e a freqüência da obstrução, rinorréia, prurido nasal ou crises de espirros. Sistemática semelhante tem sido utilizada na avaliação de pacientes vertiginosos(7). Tomando o índice resultante da multiplicação da intensidade pela freqüência na escala visual analógica anteriormente descrita é possível notar uma significativa redução na obstrução nasal. O efeito já é sentido após um mês da eletrocoagulação submucosa dos cornetos inferiores tornando-se mais acentuado ao final de um ano. Passados dois anos parece haver um pequeno decréscimo na eficácia, embora a permeabilide nasal permaneça muito superior ao estado pré-cauterização (Figura 5). Ainda que todos pacientes tenham referido obstrução nasal (e por isso mesmo foram submetidos ao procedimento) apenas um pequeno número, deles (menos de 25%) queixou-se de rinorréia, crises de espirros ou prurido nasal, o que impossibilitou análise estatística precisa desses sintomas.

Discussão e conclusão

Obstrução nasal crônica pode ser sintoma incapacitante e secundário de diversas etiologias. Desvios de septo aumentam a resistência nasal e devem ser corrigidos cirurgicamente de acordo com a severidade(5,8). Hipertrofia óssea dos cornetos nasais - aquelas em que o uso de vasoconstritor tópico reduz minimamente a obstrução e não há excesso de tecido mole à palpação - deve ser tratada com turbinoplastias(ressecção mucosa de parte do corne to)(9,10,11,12,13). Hiperplasia mucosa redundante ocorre em alguns pacientes, particularmente naqueles com rinite alérgica ou submetidos no passado a repetidas injeções de esteróides ou substâncias esclerosantes nos cornetos. Nesses casos a mucosa é extraordinariamente flácida e polipóide, havendo também mínima resposta ao vasoconstritor tópico. O tratamento envolve ressecção generosa do tecido hiperplasiado, metade do qual pode ser removido sem receio de rinite atrófica(9).

Freqüentemente, entretanto, os cornetos são volumosos e ingurgitados devido a "alterações vasomotoras", quando a mucosa parece hiperplasiada mas sem degeneração, e há boa resposta ao vasoconstritor tópico(9,14). O tratamento pode ser feito com cauterização linear superficial da mucosa(8,9), eletrocoagulação submucosa(9,12,15) ou ainda crioterapia dos cornetos nasais(16,17,18). Nos últimos anos, lasers de argónio(8,19) ou dióxido de carbono(20) também têm sido utilizados. Os resultados obtidos com essas diversas técnicas parecem semelhantes. A eletrocauterização linear superficial é eficaz em cerca de 60% dos pacientes, embora 10% possam desenvolver nova obstrução e necessitar outro tratamento(8). Eficácia semelhante tem sido descrita na eletrocoagulação submucosa com radiofreqüência, que produz a precipitação protéica sem transmissão de calor, levando à retração cicatricial do tecido erétil do corneto sem lesar significativamente a mucosa e, portanto, prevenindo a formação de sinéquias freqüentes na cauterização superficial(8,12,16).

Neste estudo, após dois anos, 36 (92,3%) referiram "alguma melhora" na permeabilidade nasal, metade dos quais com resultados "excelentes" segundo a avaliação subjetiva dos próprios pacientes. Apenas 3 (7,7%) com desvio de septo severo (tipo III de Cottle), que haviam recusado a indicação cirúrgica, permaneceram inalterados e foram então submetidos à septoplastia. Considerando uma empírica relação entre a intensidade e a freqüência da obstrução nasal como a maneira mais apropriada de avaliar a severidade do sintoma, é possível precisar que houve um significativo aumento da permeabilidade nasal com a eletrocoagulação submucosa. O efeito máximo parece ocorrer ao final de 12 meses, e após dois anos nota-se uma discreta redução na eficácia (Figura 4). A crioterapia apresenta resultados também semelhantes(8,21), com a vantagem relatada de permitir a regeneração do epitélio ciliar(16). O tamanho do probe, contudo, pode ser um fator limitante, principalmente no acesso às regiões posteriores do corneto nasal(17).

A hiperplasia mucosa dos cornetos inferiores pode retornar com o tempo, particularmente quando associada à rinite alérgica. Neste estudo pode-se notar um leve agravamento da obstrução nasal após os dois anos se comparados aos resultados obtidos ao final do primeiro ano. Entretanto, dada a simplicidade do procedimento, 89% dos pacientes dispunham-se a ser submetidos à nova eletrocoagulação submucosa se necessário. Os presumíveis pobres resultados obtidos nos pacientes com hiperplasia mucosa de cornetos associada a desvios de septo severos (tipo III) indicam que, nesses casos, a septoplastia é o tratamento primário e comumentemente associado à eletrocoagulação submucosa. Essa, contudo, pode minimizar a obstrução em alguns pacientes com contra-indicações sistêmicas ou que recusem a septoplastia.

A eletrocoagulação submucosa ambulatorial com anestesia local é procedimento de fácil execução e oferece boas alternativas no manuseio da obstrução nasal crônica por hiperplasia mucosa de cornetos inferiores. A escolha correta do paciente é, como habitualmente, fundamental para a qualidade dos resultados obtidos.

Summary

Chronic nasal obstruction is a com symptom secoruiary to several etiologies. Surgical treatment may be needed for septal deviations or osseous enlargement of the inferior turbidness. Allergic or vasomotor chronic rhinitis are treated clinically, but when there is a signif cant mucosal hyperplasia of the inferior turbidness others procedures are necessary. Linear superficial cauterization, submucoal eletrocoagulation, cryosurgery and laser may be used with approximately similar results. In this study 39 patients were treated with submucosal electrocoagulation of the inferior turbinates. After 2 years just 3 (7, 7%) patients did not improve and remained with distressing nasal obstruction. There were no complications with the procedure.

Referências bibliográficas

1. Castagno L.: Arquivo computadorizado de pacientes na prática otorrinolaringológica: suporte estatístico. Rev. Bras. Otorrinolaringol, 1989, 55(2): 67-75.
2. Uziel A., Guerrier Y.: Phisiologie des voles aéro-digestives supérieures. Masson Editeurs, Paris, 1984, 1-21.
3. Castagno S., Castagno R.: Rinites hipertróficas irreversíveis: de como trará-las. Rev. Bras. Otorrinolaringol, 1977, 43: 53-55.
4. Kennedy D et al.: Functional endoscopic sinus surgery, in The Principles and Practice of Rhinology, John Wiley & Sons publishers, N. York, 1987, 879-902.
5. Neves Pinto R.: Rinoseptoplastia funcional. Rev. Bras. Otorrinolaringol, 1975, 41: 50-66.
6. Fadal R.: The nnedical management of non infectious rhinitis, In The Principles and Practice of Rhinology, John Wiley & Sons publishers, N. York, 1987, 341-372.
7. Arenberg I, Stahle J.: Staging Meniére's disease: description of a vertigo-disability profile. Otolaryngol Clin. N. America, 1980, 13(4): 643-656.
8. Brain D.: The nasal septum, In ScottBrown's Otolaryngology, tome IV, Butterworths, London, 5th edition, 1987, 154-179.
9. Saunders W.: Nasal obstruction, in The Principles and Practice of Rhinology. John Wiley & Sons publishers, N. York, 1987, 385-393.
10. Mabry R,: Inferior turbinoplasty: patient selection, technique and long-term consequence. Otolaryngol Head Neck Surg, 1988, 98: 60-66.
11. Courtiss E.: Diagnosis and treatment of nasal airway obstruction due to inferior turbinate hypertrophy. Clin Plast Surg., 1988, 15: 11-13.
12. Meredith G.: Surgical reduction of hypertrophied inferior turbinates: a comparison of electrofulguration and partial resection.Plast Reconstr Surg., 1988, 81: 891-899.
13. Riviere F. et al.: La résection sous-muqueuse des cornets inferiéurs. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac, 1989, 106: 297-303.
14. Jones A et al.: Predicting the outcome of submucosal diathermy to the inferior turbinates. Clin Otolaryngol, 1988, 14: 41-44.
15. Groves J.: Coagulation diathermy treatment of nasal obstruction, in Operative Surgery, Butterworths, London, 3rd edition, 1976, 37-39.
16. Lourenço E et al.: Crioterapia nasal com dióxido de carbono. JBM Otorrinolaringol, 1989, 3: 11-16.
17. Williamson I et al.: A new cryoprobe with advantages in turbinate freezing. J. Laryngol Otol, 1988,102:503-505.
18. Bicknell P.: Cryosurgery for allergic and vasomotor rhinitis. J Laryngol Otol 1979, 93:143-146.
19. Soldatov I.: Laser in rhinoplasty, in New Dimensions in Otorrhinolaryngology. Head and Neck Surgery, tome I, Elsevier Science publishers, Amsterdan, 1985, 679-681.
20. Kirschnev R et al.: Intranasal surgery with the carbon dioxide laser, in New Dimensions in
Otorrhinolaryngology. Head and Neck Surgery, tome II, Elsevier Science publishers, 1985,187-188.
21. Haight J, Gardiner G.: Nasal cryosurgery and cautery. J Otolaryngol 1989, 18: 144-150.




* Otorrinolaringologista, Clínica Dr. Castagno, Pelotas, RS.

Endereço para correspondência: Dr. Lucio A. Castagno - Clinica Dr. Castagno - Rua General Osório, 1585 - Pelotas, RS, 96020.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia