IntroduçãoO angiofibroma juvenil é um tumor que acomete exclusivamente adolescentes dó sexo masculino. Esta neoplasia é composta classicamente de uma rica trama vascular em meio a um estroma fibroso. Embora histologicamente classificada como benigna, comporta-se como maligna devido à sua localização na rinofaringe, agressividade (envolvimento de estruturas circunvizinhas inclusive endocranianas) e potencialidade em causar epistaxis1,2,3.
Clinicamente o angiofibroma apresenta-se como uma massa vermelho-acinzentada, brilhante, de consistência fibrosa, visível na fossa nasal ou na rinofaringe. O paciente apresenta epistaxis de modo freqüente e, às vezes, preocupante.
Acompanha o quadro, de modo variável, obstrução nasal, cefaléia, otite média serosa e rinorréia purulenta. Dependendo da extensão do tumor podem aparecer deformidades faciais como proptose, abaulamento da hemiface na região zigomática e da região do nariz-3.
O objetivo deste artigo é apresentar um caso de angiofibroma juvenil que invadiu ambas as fossas nasais - situação que raramente acontece e que, por conseqüência, tinha vascularização bilateral proveniente de ambas artérias maxilares internas.
Apresentação do CasoJ.O., masculino, 13 anos, com queixa de obstrução nasal bilateral, epistaxis de repetição e cefaléia há dois anos. Há um ano foi submetido a uma cirurgia para ressecção de provável hipertrofia de adenóide. Esta cirurgia teve de ser interrompida devido ao intenso sangramento. Alguns meses após, realizou-se biopsia, obtendo-se o diagnóstico de angiofibroma juvenil. Procurou, então, o Hospital das Clínicas da Fa
culdade de Medicina da Universidade de São Paulo onde o exame físico de entrada mostrava à rinoscopi anterior massa de superfície lisa, avermelhada, preenchendo ambas as fossas nasais (Figura 1). A tumoração era visível à rinoscopia posterior preenchendo toda a rinofaringe.
A tomografia computadorizada (Figura 2) mostrava a massa tumoral ocupando ambas as fossas nasais, estendendo-se à faringe, destruindo a parede medial dos seios maxilares bilateralmente, assoalhos das cavidades orbitárias, invadindo os seios etmoidais e esfenoidais. Posteriormente, envolvia as placas do pterigóide e abaulava o palato. Após a infusão de contraste iodado hidrossolúvel, encontrou-se discreto aumento de densidade, indicando aumento de circulação.
Procedeu-se a angiografia seletiva de ambas artérias maxilares internas e carótidas internas (Figuras 3a e 3b), a qual mostrou presença de processo expansivo vascularizado, nutrido por ambas as artérias maxilares internas e ocupando ambas as fossas nasais, nasofaringe e seio esfenoidal. Participavam ainda da vascularização do tumor a artéria vidiana e o tronco esfenolateral da artéria carótida interna direita.
Juntamente à angiografia procedeu-se a embolização de ambas artérias maxilares internas, com gelfoam, com desaparecimento desta vascularização no tumor.
O paciente foi submetido à cirurgia após cinco dias da embolização sob os efeitos da anestesia geral. Foi feita incisão sublabial (tipo Caldwell-Luc) prolongada. até a linha média bilateralmente 4. A seguir fezes antrotomia maxilar e depois comunicação do antromaxilar com a fossa nasal; repetiu-se a manobra no outro lado. A massa tumoral ficou visível na fossa nasal pelo antromaxilar. Fez-se o deslocamento digital e conseguiu-se liberar o tumor que foi removido inteiramente (Figura 4). Durante a cirurgia, principalmente na manipulação da massa tumoral, não houve sangramento e não foi necessário efetuar transfusão de sangue. Fez-se tamponamento naso-sinusal e foi administrado ampicilina pelo período de oito dias. O tamponamento foi retirado após 48 horas sem nenhuma intercorrência.
Teve uma excelente evolução, sem nenhum sinal de recidiva.
Figura 1 - Rinoscopia anterior mostrando envolvimento bilateral
Figura 2 - Tomografia computadorizado mostrando preenchimento de ambas as fossas nasais
Figura 3a - Artéria maxilar interna esquerda.
figura 3b - Artéria maxilar interna direta.
Figura 4 - Peça cirúrgica após a remoção.
Discussão e ConclusõesO ponto de origem 5.e mais comum desta neoplasia é na parede póstero-lateral da cavidade nasal, onde o processo esfenoidal do osso palatino encontra a asa horizontal do vômer e o teto do processo pterigóideo. Esta artéria facial externa e de vasos transfaciais. Crescimento cefálico no espaço pterigomaxilar em direção à fissura orbital inferior e além é associado com suprimento arterial proveniente da artéria carótida interna (artérias etmoidais anterior e posterior) e da artéria nasolacrimal (ramos da artéria oftálmica), bem como de vasos durais aberrantes e neovascularização proveniente do sifão carotídeo ou de vasos do tronco meningofaríngeo. Quando o tumor cresce para além da linha média ou assume proporções maiores pode ocorrer a contribuição carotídea bilateral J.8.
Alertamos com o relato deste caso os especialistas envolvidos na terapêutica do angiofibroma, quanto à variedade encontrada na vascularização e na extensão desse tumor. Ressaltamos a importância do estudo pré-operatório da extensão do tumor, através da tomografia computadorizadas, e da sua vascularização9, através da angiografia, já que o conhecimento do suprimento arterial é etapa fundamental na abordagem cirúrgica. Esses dois exames: tomografia computadorizada e angiografia são fundamentais e necessários para o diagnóstico2.3,9, sendo dispensável a biopsia. Esta somente será realizada se persistir dúvida no diagnóstico.
A abordagem terapêutica do giofibroma é assunto, no mínimo controverso 3. Alguns autores preconizam a conduta expectante, ou radioterapia 10,11,12,13, hormoniotera- pia2,14,15 ou cirurgia. A conduta e expectante é adotada na esperança que o tumor regrida com o passo dos anos até a idade adulta. Na experiência de um dos autores do artigo não houve regressão espontânea em nenhum caso, assim com e outros estudos l4.
Atualmente, o tratamento de escolha para o angiofbroma juvenil o controle pré-operatório do supri mento arterial, seja através de liga dura arterial ou, preferencialmente através de embolização seletiva, seguido da extirpação cirúrgica 1,3,916.
No caso em apreço, a tomografia computadorizada revelou a localização e a extensão do angiofibroma que tomava ambas as fossas nasais, rinofaringe, seios etmoidais e esfiróide. E a angiografia confirmou í bilateralidade do tumor que era nutrida principalmente pelas artéria, maxilar interna direita e esquerda, Este fato, isto é, de angiofibroroma bilateral é realmente de ocorrência muito rara. O tratamento pré-operatório de embolização seletiva da. artérias nutrientes do tumor fez com que a massa tumoral ficasse isolada da circulação sangüínea. A cirurgia foi realizada pela via de acesso sublabial, seguida de antrotomia maxilar e comunicação do antro para fossa nasal; manobra repetida no outro lado. Assim o deslocamento e manipulação da massa tumoral foram efetuados sem sangramento, ò que tomou mais fácil a remoção do tumor. A isto deve-se acrescentar que não foi necessário realizar transfusão de sangue. Este fato mostra a importância, o valor e a necessidade de se fazer pré-operatoriamente a embolização seletiva das artérias nutrientes do angiofibroma.
Atualmente é considerado fundamental na terapêutica cirúrgica do angiofibroma juvenil e feitura da tomografia computadorizada, angiografia e a embolização seletiva.
A tomografia computadorizada revela a localização e a extensão do angiofibroma, enquanto a angiografia informa a artéria nutriente do tumor. Estes dois exames oferecem condições para uma adequada e correta programação terapêutica.
A embolização seletiva da artéria maxilar interna e outras artérias nutrientes isola o tumor da circulação sangãfnea, o que facilita sobremaneira o ato cirdrgico, permitindo a remoção total da massa tumoral e diminuindo as recidivas.
SummaryThe authors report on a urtusual case of bilateral juvenile angiofibroma.
They show the value and the importance of CT scanning, arteriography and selective embolizadon in the surgical treaiment of this tumor.
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*Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Ex-Residente e Médico da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Serviço do Prof. Dr. Aroldo Miniti).
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