ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2304 - Vol. 56 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1990
Seção: Artigos Originais Páginas: 131 a 134
TUBERCULOSE NASAL - APRESENTAÇÃO DE UM CASO
Autor(es):
Lídio Granato *
Décio R. Campana **
Arthur Guilherme L. B. Sousa Augusto ***
Giulio Cesare Santo ****

Palavras-chave:

Keywords: tuberculosis; rose

Resumo: Os autores reportam um caso de tuberculose nasal sem evidência de comprometimento pulmonar. A hipótese diagnóstica inicial foi reforçada quando a biópsia de um nódulo na mama esquerda revelou Tuberculose. O caso relatado mostra a necessidade de tratamento antituberculoso por tempo prolongado para desaparecimento dos sintomas nasais.

Introdução

O comprometimento tuberculoso do nariz é muito raro com poucos casos descritos na literatura mundial, oferecendo grande dificuldade diagnóstica, confundindo-se com outras granulomatoses nasais.

A tuberculose nasal foi primeiramente descrita por Giovanni Morgagni, apud Waldman1, professor de anatomia, em 1761, em achados da autópsia de um jovem com ulcerações tuberculosas em palato mole, nasofaringe e nariz. Willigk1, em 1852, revendo 476 autópsias de indivíduos com tuberculose, encontrou apenas 1 que apresentava envolvimento tuberculoso do nariz (septo nasal). Havens1, revendo a literatura americana em 1931, encontrou 15 casos de tuberculose nasal primária, com diagnóstico duvidoso em 7 deles. Malfatti apud Banegas2, em 1941, revia a literatura mundial encontrando apenas 150 casos.

Diversos autores postulam que a raridade do acometimento primário tuberculoso nasal deve-se ao efeito bactericida do muco, bem como da proteção mecânica conferida pela mucosa ciliada. Igualmente infreqüente é a Tuberculose secundária nasal, indicando que a mucosa e submucosa não oferecem condições favoráveis para o crescimento do Mycobacterium tuberculosis, daí a cronicidade da doença nasal na maior parte dos pacientes3.

A infecção primária pode ser causada pela inalação de gotículas ou poeira infectadas, ou por trauma da mucosa septal nasal através de dedos contaminados.

A doença secundária pode ser associada com a difusão direta através da tosse de um indivíduo com foco pulmonar, ou por disseminação hematogênica. Uma vez estabelecido o M. tuberculosis na mucosa nasal, este dá lugar ao complexo primário tuberculoso, como se se tratasse de uma localização primária (pulmonar).

As mulheres são mais acometidas que os homens e a incidência é maior nas pessoas de meia idade e idosos3.

O septo nasal é mais freqüentemente acometido que a parede lateral; entretanto quando esta última é afetada, a lesão localiza-se preferentemente em corneto inferior.

O envolvimento de ambas as fossas nasais pode ocorrer, embora seja mais freqüente a unilateralidade do processo1.

Os sintomas mais comumente referidos, são a obstrução nasal acompanhada de episódios de epistaxes e rinorréia mucopurulenta. Outras queixas podem incluir prurido, crises esternutatórias, formação de crostas e cacosmia.

Classicamente a doença é inicialmente vista como uma tumoração septal rósea ou púrpura, ou como uma infiltração da mucosa com ulceração superficial sangrante ao toque com estilete. Pode ocorrer acometimento da pele da face e do nariz e envolvimento do ducto lacrimal, produzindo um abscesso frio do saco lacrimal. O envolvimento da pirâmide óssea é raro. Se não tratada, a doença evolui com destruição óssea (especialmente maxila e etmóide), com extensão orbitária e intracraniana3.

O bacilo da tuberculose é raramente isolado das lesões nasais e ocasionalmente encontrado na cultura de tecidos retirados de biópsias utilizando-se coloração apropriada ou da descarga nasal. Muitas vezes as biópsias resultam inconclusivas ou levam a diagnósticos errados confundindo-se com outras doenças granulomatosas (principalmente granulomatose de Wegener)1.

O diagnóstico diferencial inclui todas as doenças que podem produzir granulomas como sífilis, rinoscleroma, rinosporidiose, blastomicose, histoplasmose, actinomicose, leish maniose e principalmente sarcoidose. Outras possibilidades incluem a granulomatose de Wegener, e o granuloma médio-facial.

Relata-se a seguir o caso de uma paciente que além da tuberculose nasal, apresentava envolvimento pela mesma doença da mama e pele.

Caso clínico

D.L.N.F., mulher, raça negra, 30 anos, com história de obstrução nasal há 2 anos acompanhada de crostas, rinorréia amarelada bilateral e cacosmia. Há 1 ano, em consulta ginecológica de rotina, foi descoberto nódulo em mama esquerda que foi biopsiado, resultando em tuberculose. Nessa mesma época, um irmão teve diagnosticado tuberculose pulmonar. Foi então, encaminhada a Posto de Saúde para tratamento antituberculoso.

Na oportunidade apresentou lesão em pele de região frontal com formação constante de crostas que não cicatrizava. Na vigência do tratamento procurou consulta otorrinolaringológica sendo submetida a duas biópsias nasais com resultados sugestivos de tuberculose. Foi orientada a terminar o tratamento antituberculoso para posterior reavaliação. Ao fim deste, apresentava melhora significativa mas não completa dos sintomas nasais que recorreram três meses após, procurando então nosso serviço.



Fig. 1 - Discreto edema de asa nasal direita


 
Figs. 2 e 3 - Mucosa septal hiperemiada e granulosa na fossa nasal direita recoberta por crostas amareladas.



Em nenhum momento refere quadro pulmonar. Ao exame físico apresentava lesão exulcerada em pele de região frontal esquerda, recoberta por crostas com aproximadamente 2 cm de extensão. Pirâmide nasal sem deformidades. Asa nasal direita edemaciada (fig. 1). A mucosa septal de ambas as fossas nasais apresentava-se com lesão granulosa e hiperemiada principalmente à direita, recoberta por crostas amareladas (figs. 2 e 3). RX de tórax (fig. 4) normal e hemograma nada digno de nota PPD: negativo.



Fig. 4 - Rx de pulmão sem anormalidades.



Foi submetida à biópsia de mucosa septal e excisão de lesão de pele de região frontal, ambas resultando em tuberculose (figs. 5 e 6).

Foi encaminhada para tratamento antituberculoso, evoluindo com melhora do quadro nasal em quatro meses de seguimento. Após 8 meses observava-se discreto edema e hiperemia da mucosa septal e ao término de 12 meses de tratamento apresentava regressão completa do quadro nasal.

Discussão

Doenças que acometem raramente determinadas estruturas são de uma maneira geral de difícil diagnóstico e tratamento. A tuberculose primária nasal é infreqüente e poderia surgir por inalação do Mycobacterium tuberculosis ou mesmo por contaminação do dedo infectado. Naturalmente que os mecanismos de defesa da mucosa nasal dificultam a sua propagação.



Fig. 5 - (H.E. 35x) Lóbulo mamário com inflamação granulomatosa mais evidente no quadrante superior esquerdo.



Fig. 6 - (H.E.120x) Mucosa nasal com reação granulomatosa epitelioide evidenciando aglomerados histiocitários com células gigantes multinucleadas de Langhans.



A contaminação nasal secundária poderia se dar por disseminação a partir da vias aéreas por continuidade com tecidos vizinhos ou mesmo hematogênica ou linfática. No caso desta paciente ela não tinha evidência de lesão pulmonar, mas apresentava-se com mastite tuberculosa e lesão na região frontal esquerda. O diagnóstico da lesão primária deve ser feito sempre com precaução, visto que por vezes formas subclínicas da tuberculose podem passar despercebidas4.

Uma prova de que as fossas na sais representam um meio desfavorável à progressão da doença é sua tendência à cronicidade. O septo e às vezes as paredes laterais são acometidas surgindo tecido granuloso com ulceração e mesmo perfuração septal. Na nossa paciente predominava alterações leves na pele do vestíbulo, granulação na mucosa nasal e muita crosta.

Num paciente com evolução crônica e lesão úlcero-granulomatosa, várias hipóteses diagnósticas são possíveis: sarcoidose - seria o diagnóstico diferencial mais importante, e em seguida lues, rinoscleroma, blastomicoses e outras. Doenças como linfoma e granulomatose de Wegener podem servir como diagnóstico diferencial dependendo da fase evolutiva em que o paciente é examinado.

A experiência com estes casos mostra que deve-se recorrer a provas laboratoriais, tais como bacteriológico e cultura, estudo radiológico e complementação com biópsia. O diagnóstico definitivo geralmente é conseguido pelo estudo histopatológico, pois é muito difícil individualizar o agente etiológico por intermédio da bacterioscopia num meio de grande contaminação secundária, como na fossa nasal.

A microscopia, com freqüência, mostra a presença de tubérculos consistindo de agregações de células redondas, células epitelióides e tipo Langhans e ainda possivelmente focos de necrose caseosa.

Os preparados no caso da nossa paciente mostravam processo inflamatório caracterizado por proliferação histiocitária epitelióide que assume arranjo em granulomas com células gigantes multinucleadas de Langhans, circundadas por infiltrado de linfócitos. Estes granulomas estão bem delimitados. Portanto a histologia era típica de processo inflamatório granulomatoso, podendo tratar de tuberculose ou até mesmo sarcoidose.

Estes achados estavam presentes no material da mama, da pele do frontal e na mucosa nasal.

A prova terapêutica confirmou a hipótese de tuberculose.

O tratamento preconizado para esta paciente foi o esquema tríplice, além dos cuidados locais. Houve necessidade de tratamento por 1 ano para eliminação dos sintomas.

As complicações nos pacientes pós - tratamento das doenças úlcero-granulomatosas podem variar de acordo com a severidade e duração da afecção. Potencialmente pode ocorrer: perfuração de septo, rinite atrófica, estenose narinária, propagação com retração de regiões vizinhas. A nossa paciente no final do tratamento apresentava-se apenas com mucosa nasal ligeiramente atrófica e cicatriz retrátil ao nível da região frontal esquerda.

Conclusão

A tuberculose do nariz é uma manifestação rara, com poucos casos descritos, apresentando grande dificuldade diagnóstica, necessitando de pesquisa laboratorial e anátomo-patológica para sua confirmação, sendo que muitos doentes permanecem longos períodos sem um diagnóstico preciso.

O caso relatado mostra que o tratamento antituberculoso nasal deve ser feito por tempo prolongado.

Summary

The authors describe a case of nasal tuberculosis and report to world literature with regard to its ethiopathogenics and clinical aspects diagnosis and treatment.

That patient had nasal, mastitis and skin tuberculosis but had no evident lesion in the lungs. A long treatment was required for the symptoms to disappear.

Bibliografia

1. Waldman, S. R. & col. - Nasal tuberculosi A forgotten entity. Laryngoscope, 91(1):11-6,1981.
2. Banegas, A. Prats, E. R. & Garcia Lopez, M. - Tuberculosis nasal. An. Otorrinolaringol. Ibero Am., 9 :251-8, 1982.
3. Messervy M. - Primary tuberculoma of the nose with presenting symptons and lesions resenbling a malignant granuloma. J. Laryngol. Otol., 85:177-84, 1971.
4. Vassilakos, P. - Tuberculosis of the breast: cytologic findings with fine needle aspiration. Acta Cytol.,17:160-5, 1973.




Trabalho realizado no Departamento de O.R.L. da Sta. Casa de São Paulo.

* Prof. Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Sta. Casa de São Paulo.
** Chefe do Serviço de O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
*** Médico Voluntário do Departamento de O.R.L. da Sta. Casa de São Paulo.
**** Prof. Instrutor do Departamento de Ciências Patológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Sta. Casa de São Paulo

Endereço dos autores: Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Rua Dr. Cesário Mota Junior, 112 - Cep. 01221- Vila Buarque - São Paulo - SP
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia