IntroduçãoA utilização de computadores na prática médica já é uma realidade há vários anos, estando os médicos habituados com o seu uso, principalmente na área de diagnóstico. O uso de Tomógrafos computadorizados, Analisadores de potenciais evocados, Audiômetros computadorizados, e outros, já é familiar aos Otorrinolaringologistas nos grandes centros urbanos. O seu uso na área clínica ou administrativa, até alguns anos atrás, estava limitado a grandes centros médicos devido principalmente ao seu custo e tamanho. O aparecimento de computadores de pequeno porte, baixo custo e com capacidade de memória e rapidez cada vez maiores, fez com que crescesse o interesse pelo seu uso em pequenas clínicas ou consultórios(1).
No nosso meio, o uso de microcomputadores na prática diária do consultório ainda está dando seus primeiros passos e deixa muitos médicos interessados, porém apreensivos, na hora de se decidirem pela implantação de um equipamento desse tipo. Já existem sistemas comercializados com essa finalidade que de um modo geral são muitos úteis nas áreas clínica e administrativa, mas ainda não preenchem todas as necessidades da várias especialidades médicas.
Quando um médico é apresentado a um "sofware" clínico, que geralmente consta de gerenciadores de banco de dados (cadastro de clientes, controle de marcação de consultas, arquivo de dados clínicos, de medicamentos, etc.), uma planilha eletrônica de cálculo e um processador de textos, ele não se lembra que para o arquivamento, por exemplo, dos dados de um prontuário médico, terá que digitá-los na sua íntegra, porque não existem ainda sistemas comercializados que facilitem essa tarefa. Visto sob este aspecto, a praticidade de se arquivar os dados, por exemplo em disquetes, se perderá na dificuldade de introdução dos dados. Ou o médico terá de ser um bom datilógrafo e ir digitando os dados durante a consulta ou então eles terão que ser digitados após as consultas, aumentando o tempo e custo do processo. Para contornar esses problemas podem ser usados códigos que substituem alguns dados pré-estabelecidos(2) ou de questionários que seriam respondidos diretamente pelo paciente e posteriormente digitados(3).
Portanto muito cuidado ao adquirir um programa clínico sem antes pesar os prós e contras, e, depois, não utilizá-lo, e nem o microcomputador, em todas as suas potencialidades.
Quando comecei a me interessar pelo uso do microcomputador no consultório encontrei relatado na literatura como ele poderia ser utilizado para a emissão de receitas: "com alguns toques no seu teclado, após ir montando uma receita durante a consulta", ela poderia ser impressa com todos os dados que normalmente são escritos e mais aqueles que apenas são comentados como reações adversas, detalhes específicos e também possíveis dietas necessárias
Mas, entre o "possível" e o "real" que existe no mercado de "sotware" para esse fim, e também outros fins específicos para cada especialidade médica, existe um vale imenso, que deverá ser preenchido com muito trabalho.
Em relação à emissão de receitas todos os programas comercializados funcionam como um processador de textos; ou seja: têm-se que digitar todos os dados que vão aparecer no receituário.
ObjetivoAo imaginar como poderia utilizar o microcomputador para emissão de recitas pretendi realizar um programa que, a partir da introdução de alguns dados essenciais como o nome, idade e peso do paciente, mais o medicamento e duração do tratamento, o restante dos dados contidos normalmente em uma receita como o "uso", via de administração, posologia habitual e o total do medicamento seriam automaticamente emitidos, usando o menor número de toques possíveis para facilitar a digitação e aumentar a rapidez de emissão da receita.
Equipamento utilizadoO equipamento utilizado foi um dos mais simples e econômicos do mercado; um microcomputador TK 3000 compact com memória para armazenamento (RAM) de 320 KB acoplado aos periféricos habituais: duas unidades de disco ("disk-dri ves"), uma impressora Grafix MTA e um monitor de vídeo US de fósforo verde.
Metodologia
O programa foi realizado na linguagem Basic (5). Para que se compreenda a programação vamos analisar os dados existentes em uma receita habitual(6), tendo sido colocado entre parênteses um código de variável para cada dado:
Para XXXXX (F$)
USO INTERNO (J$)
Amoxicilina (G$) cáps. de 500 ing (Q$)...24 (E) cáps. (R$)
Tomar (K$) uma (1$) cápsula (L$) de 8 em 8 horas (M$) por via oral (N$) durante (OA$) 8 (D) dias. (OB$).
Podemos dividir os dados acima em partes que podemos definir como variáveis "independentes": o nome do paciente (variável F$), o medicamento (G$ e Q$) e a duração do tratamento (D) em dias que precisam ser digitados.
A via de administração (J$, K$ e N$), a periodicidade (M$) e o total (E e R$) podem ser definidas como variáveis "dependentes" dos dados anteriores e podem ser obtidas através de uma programação e emitidas automaticamente de acordo com as variáveis "independentes" introduzidas. As variáveis OA$ e B$ são geralmente aquelas mostradas no exemplo ("fixas").
As variáveis mais frequentemente utilizadas para os medicamentos programados foram definidas no início do programa e algumas delas estão apresentadas na tabela 1 como exemplo.
O fluxograma da fig. 1 mostra a sequência do programa(7). A partir, do início (módulo 1) são definidas as variáveis que vão ser usadas e dimensiona-se as matrizes a serem utilizadas (módulo 2). Em seguida digita-se o nome do paciente, idade, peso (para crianças) (módulo 3) e o nome do medicamento (módulo 4). Nesse ponto aparece na tela as formas de apresentação do medicamento numeradas de acordo com a apresentação (módulo 5). A figura 2 mostra como essa sequência aparece na tela do monitor. Nas formas de apresentação o número 0 corresponde a drágeas, o 1 a comprimidos, o 2 a cápsulas, o 3 e 4 a soluções orais, e assim por diante, podendo-se então definir algumas variáveis "dependentes" em uma única sub-rotina para qualquer medicamento, dependendo do número digitado. Por exemplo, se for digitado 2 a variável B$ é "USO INTERNO", a G$ é "Tomar", as variáveis F$ e I$ são "cáps." e a K$ é "Por via oral" (módulo 6).
Nesse nível é definido a periodicidade habitual para esse medicamento (no ex. de 8 em 8 horas) ou é apresentado uma sub-rotina de escolha da periodicidade (módulo 7). Em seguida entra-se com a duração do tratamento em dias (módulo 8).
Fig.1 - Fluxograma.
Estas duas últimas seqüências são mostradas na figura 3.
Se for um medicamento de uso tópico é definido o local da aplicação ou é apresentada uma sub-rotina para essa escolha (módulo. 9 - fig. 4).
Em seguida o programa define a dosagem adequada de acordo com a idade e peso (módulo 10). A figura 5 mostra um exemplo da programação onde é feito o cálculo da posologia da Amoxicilina suspensão de 50 mg por ml. Na linha 3250, onde A é a idade e C o peso do paciente, a fórmula mostrada representa a dosagem (I$(Y)) em ml para cada tomada em um total de 48 mg por Kg de peso por dia para 3 tomadas diárias.
A seguir é calculado o total de medicamento a ser utilizado de acordo com a dosagem e duração do tratamento (módulo 11) e, por fim, as modificações necessárias naqueles dados que tenham que ser diferentes daqueles obtidos nas sub-rotinas e as informações complementares (módulo 12). Como exemplo de mudança de um dado obtido através de uma sub-rotina é o caso da Eritromicina (fig. 6) que tem duas formas de apresentação com drágeas. Tendo-se usado o número 1 para drágeas e não comprimidos como está na sub-rotina, neste ponto modifica-se os dados que forem necessários.
Prosseguindo a sequência do programa há uma sub-rotina (módulo 13) com um desvio para se introduzir novo medicamento (desvio F) ou imprimir os medicamentos que foram escolhidos (módulo 14). Digitando-se S aparece uma solicitação de novo medicamento e digitando-se N a receita é impressa (fig. 4).
Fig. 2 - Entrada de dados: nome, idade, peso e nome do medicamento.
Fig. 3 - Periodicidade e duração do tratamento.
Fig. 4 - Local de aplicação para medicamentos tópicos e desvio para outro medicamento (S) ou impressão (N).
Fig. 5 - Parte da programação para o cálculo da posologia da Amoxicilina.
Fig. 6 - Ex. de uma mensagem de erro.
Fig. 7 - Ex. de impressão no receituário.
Em todas as fases onde há introdução de dados existe um "desvio" (desvios A a E) com uma mensagem de erro (módulo 15). Isso ocorrerá se houver um erro nas digitações, se o medicamento não estiver arquivado ou a forma de apresentação não for compatível com a idade e peso do paciente. A fig. 6 mostra um caso onde optou-se pelo uso de drágeas de 500 mg de Eritromicina para uma criança de 8 meses de idade, aparecendo uma mensagem de "erro" e solicitando a digitação de outro medicamento.
Finalmente existe um desvio para se iniciar novamente o processo para um novo paciente (desvio G) ou para o fim do programa (módulo 16).
A sequência apresentada é usada para cada medicamento que se queira utilizar, usando-se as mesmas subrotinas para todos eles e o número de medicamentos arquivados vai depender da capacidade de memória do microcomputador.
A fig. 7 mostra um exemplo de impressão no receituário, que pode ser com folhas contínuas ou não.
Comentários geraisO programa apresentado para a emissão de receitas com a utilização de um microcomputador tem como características principais:
1 - o uso do menor número de toques possíveis necessários para sua impressão: digita-se apenas o nome, idade e peso do paciente, o medicamento, o número referente à forma de apresentação e a duração do tratamento. Para alguns medicamentos também a periodicidade e o local de aplicação (codificados).
2 - o uso efetivo da capacidade de análise de dados do microcomputador para esse fim específico, não sendo apenas um editor de textos como o que existe nos programas clínicos mais comumente comercializados. O programa mostra as formas de apresentação do medicamento, define a via de administração a ser impressa e calcula a posologia e total a ser utilizado. Além disso também avisa se houver algum erro nas digitações.
3 - pode ser feito com um equipamento relativamente simples.
4 - é um programa de fácil realização para quem tenha noções de programação, apesar de trabalhoso, tendo sido feito na linguagem "Basic".
5 - pode ser utilizado como um programa isolado ou fazendo parte de qualquer programa clínico que contenha outros procedimentos.
6 - pode ser adaptado para qualquer medicamento de qualquer especialidade médica.
A utilização rotineira deste programa mostrou ser muito prático e eficaz, agilizando a emisssão de receitas, tornando-a clara e elucidativa para o paciente e evitando erros de digitação e posologia. Também no uso de fórmulas "magistrais" mostrou ser bastante útil já que as fórmulas podem ser codificadas, bastando digitar o código para que ela seja integralmente impressa.
Conclusão e PerspectivasO uso do microcomputador na prática clinica já é uma realidade em fase de expansão, existindo vários "softs" no mercado para esse fim, que são bastante úteis de uma maneira geral mas ainda não abrangem todas as necessidades específicas das várias especialidades médicas Em relação à emissão de receitas todos funcionam como um "Editor de Textos", tendo-se que digitar todos os dados que vão ser impressos no receituário. O programa apresentado mostra uma maneira prática de se utilizar a capacidade de análise de dados de um microcomputador para a emissão de receitas , simplificando-a e auxiliando o médico a evitar erros na sua digitação.
À primeira vista, depois de feita a programação dos medicamentos mais utilizados, têm-se a impressão que o trabalho está terminado. Na realidade isso não ocorre porque esta é uma área muito dinâmica, pois os lançamentos de novos medicamentos, e, por outro lado, a mudança de apresentação ou suspensão da fabricação de medicamentos são muito frequentes, tendo-se que mudar a programação. Por isso é conveniente que o médico que esteja utilizando este programa possa modificá-lo quando necessário, ou tenha um programador para esse fim, se não em pouco tempo ele estará desatualizado.
Vejo com boas perspectivas a utilização de microcomputadores para emissão de receitas, e deixo para os programadores profissionais a idéia de se realizar um programa auto-explicativo para usuários não programadores. Ou seja, o próprio médico poderia pré-definir os medicamentos que mais utilizasse e sua posologia habitual. Uma outra possibilidade seria a confecção de um programa semelhante ao descrito e que contenha todos os medicamentos comercializados com suas formas de apresentação e todas as posologias possíveis. Um trabalho estafante mas não impossível.
SummaryA program realized in Basic language is presented for use in microcomputers to emit printed prescriptions in Otorhinolaryngology. Some essencials data are digitated as: the pacient's name, age and weight, and treatment duracion; the other data that completes the prescription are defined by the program as: the administration route, posology and different contmercial drug's dosages and emas a message if any error should occur by digitadon.
Bibliografia1. Stell, P. M. and Morton R. P., A microprocessor system for the storage and retrieval of otol gologicol data. The J. of Laryng. and Otol. I. 98, Nov. 1984.
2. Castagno, L. A., O microcomputador em Otorrinolaringolo Rev. Bras. de Inform. em Sadde, Vol.1, N° Mar/Abr. 1988.
3. Sabbatini R. Q E., Utilizando o computador na anamnese clinica. Rev. Bras. de Inform. em Saúde, Vol.1 N° 1, Set/Out. 1986.
4. Nascimento, L. G. C., O microcomputador no consultório médico. Cartgraf. Ed. Ltda, Campinas SP 1983.
5. Manual de Tk. Microdiptal Eletrônica Ltda. São Paulo SP 2ª ed. 1986.
6. Cançado, J. E, Á prescrição, em Marra, U. D. Medicina Ambulatonal. Cap. 82, Ed. Guanabara Koogan 1982.
7. Alves A. P., Progamação. Ed. Atlas S. A., 1a ed. 1938.
8. Alberti, P. W. e aut., A computer data bank system for Oto and Audiologic data. Arch.Otolaryngo1, Vol.109, April 1983.
OBS - O autor se coloca à disposição dos interessados para eventuais contatos sobre a listagem do programa.
Trabalho realizado na Unidade de Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia, rua Borges Lagoa 282, São Paulo, SP, CEP 04038, Tel. 549-4959 e 549-4960.
* Mestrado em Otorrinolaringologia pela PUC, São Paulo.
* Título de Assistente Mestre pela Fac. de Ciências Médicas e Biológicas da PUC, Sorocaba.