ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
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2290 - Vol. 56 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1990
Seção: Relato de Casos Páginas: 33 a 37
Glomus timpânico: diagnóstico e tratamento. Apresentação de três casos
Autor(es):
Priscila Bogar*
Edson Bastos Freitas**
Carlos Alberto Caropreso***
Aroldo Miniti****
José Celso Rodrigues da Silva*****
Ricardo Ferreira Bento******

Palavras-chave:

Keywords: middle ear; Glomus jugulare

Resumo: s autores apresentam 3 casos de glomus timpânico, tratados na Clínica ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de 1984 a 1989. O diagnóstico é comprovado através de Tomografia computadorizada de osso temporal e arteriografia digital. O tratamento é sempre cirúrgico. A técnica utilizada foi sempre mastoidectomia com timpanotomia posterior e o sangramento é evitado com o uso de SURGICEL. O uso de embolização seletiva pré-operatória ajudou a diminuir consideravelmente o sangramento trans-operatório.

Introdução

Tumores glômicos são também chamados de quemodectomas ou paragangliomas não chamafins. Eles surgem de paraganglios (ou corpo de glomus) descrito pela primeira vez por Guild(1). São vistos em qualquer localização aonde existem essas células desde o sistema nervoso central até artérias femorais(2). No osso temporal os corpos de glomus são pequenas massas de até 1,5 milímetro de diâmetro. São formados por capilares e pré-capilares interpostos por células epidermóides localizadas na adventícia do bulbo jugular, ramo timpânico do nervo glossofaríngeo (nervo de Jacobson), e ao longo do ramo auricular do nervo vago (nervo de Arnold) (1).

O tumor ocorre predominantemente em mulheres (75%), tendo pico de incidência na 52 década de vida(3). São tumores de crescimento lento e destrutivo, ocorrendo metástases em 4 a 6,5% dos casos(3,4), podendo ter reocorrência até 5 a anos após sua lá extirpação(5).

Clinicamente o glomus timpânico apresenta-se com tinitus pulsátil, perda auditiva, e massa avermelhada atrás da membrana timpânica vista por transparência em ouvido médio otoscopia. O glomus jugular se diferencia do timpânico por apresenta também sinais e sintomas de ex são intracraniana e envolvimento pares cranianos além das mesmas características clínicas(2).

Os paragangliomas macroscopicamente são massas avermelhadas roxas que sangram facilmente à manipulação. Microscopicamente, apresentam-se como ninhos de células com abundante citoplasma granuloso eosinofílico, separados por trabéculas delicadas contendo capilares de paredes finas. O comportamento clínico não se relaciona com os achados microscópicos(3.6).

Tradicionalmente o diagnóstico é confirmado através de tomografia, arteriografia e jugulografia retrógrada, sendo que a tomografia computadorizada de alta resolução é o exame de eleição(2,7,8,9).

As opções de tratamento para os glomus podem ser paliativas (embolização, radiação) e definitivas (cirurgia ou combinações). Na escolha, deve ser levado em consideração a extensão, localização e o tamanho do tumor; sendo a cirurgia a modalidade terapêutica preferível nas pequenas lesões(1 0).

O principal diagnóstico diferencial do glomus timpânico é em relação ao glomus jugular, sendo este obtido através de sinais da tomografia computadorizada de alta resolução tais como: presença de ar entre o bulbo da jugular e o tumor, integridade da parede óssea do bulbo da jugular, fossa jugular sem alterações e crista júgulo carotídea intacta(1,7).

Deve-se fazer também diagnóstico diferencial com as seguintes alterações: fossa jugular gigante, carótida aberrante ou aneurismática, artéria estapediana persistente, neurilenomas do IX, X, XI, XII par, meningeomas, sarcomas e carcinomas do osso temporal, colesteatomas e coleções fluídas ou massas inflamatórias sob o promontório(5.7).

A arteriografia caracteriza a patologia circulatória e mostra bem o glomus timpânico, a principal irrigação é através da artéria timpânica inferior, ramo da artéria faríngea ascendente, em ambos os glomus, não (sendo um bom exame para diferenciá-los . A arteriografia digital mostra relação do tumor com os vasos ores, exclui a presença de glomus jugular. A jugulografia retrógrada evidencia bem características do bulbo da jugular.

A finalidade deste trabalho é presença de 3 casos de glomus timpânico tratados na Clínica de Otorriolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo no período de 1984 a 1989 e discutir métodos de diagnóstico e a terapêutica ciúrgica.

Apresentação dos Casos

CASO 1

M.P.B. 32 anos, feminino, branca, procedente de São Paulo, capital. Paciente atendida em 2210311984 com história de barulho pulsátil e hipoacusia em ouvido esquerdo há 6 meses.

À otoscopia apresentava membrana timpânica íntegra, discretamente abaulada com massa avermelhada pulsátil, vista por transparência em ouvido médio à esquerda.

Na audiometria apresentou disacusia de condução com gap médio de 25 dB à esquerda. A impedanciometria deste lado mostrou curva tipo C (classificação de Jerger), com ausência de reflexo estapediano. Foi observada pulsação da agulha do "balance do impedanciomerro, sugerindo tumor glômico, segundo Lopes Filho W ). Baseado nos achados clínicos foi solicitada planigrafia multidirecional e CT de crânio (com interesse para osso temporal). Evidenciou-se a presença de massa preenchendo a caixa do ouvido médio sem comunicação com a fossa jugular ou carotídea. Feita hipótese diagnóstica de glomus timpânico, procedeu-se a uma timpanornastoidectomia exploradora, onde foi encontrado um tumor vinhoso com 3 mm de diâmetro com inserção em promontório, sendo retirado conforme técnica descrita a seguir. O resultado anátomo - patológico revelou tumor glômico.

CASO 2

I.V.D. 38 anos, sexo feminino, branca, procedente de Jaboticabal-SP.

Paciente atendida em , 16/7/1986, com história de otalgia e plenitude auricular à direita há dois meses. Após um mês começou a apresentar otorragia diária que piorava com esforço físico.

A paciente tinha história pregressa de duas timpanoplastias à direita, sendo a última há 16 anos e 2 timpano-mastoidectomias à esquerda, sendo a última há 12 anos. Faz uso de prótese auditiva a esquerda há 11 anos.

A otoscopia observou-se a presença de sangue rutilante em conduto auditivo externo, membrana timpânica íntegra com discreta retração e opacificação central abaixo do cabo do martelo.

A audiometria revelou uma disacusia mista bilateral com óssea média de 50 dB e gap de 25 dB à esquerda e de 20 dB à direita, com boa discriminação. A impedanciometria mostrou curva tipo C (Jerger) e ausência de reflexo estapediano bilateral.

Foi solicitada planigrafia de osso temporal onde visualizou-se massa preenchendo a caixa do ouvido médio e discreto aumento do golfo jugular à direita.

A CT de osso temporal mostrou massa preenchendo ouvido médio e alargamento do forame jugular à direita com integridade do teto da fossa jugular. A jugulografia retrógrada afastou suspeita de glomus jugular. Indicou-se uma exploração cirúrgica do osso temporal, através de uma mastoidectomia.

Encontrou-se tumor de aspecto vinhoso de aproximadamente 3 nmm que preenchia o ático e englobava cadeia ossicular. Através de uma timpanotomia posterior, foi retirada toda a massa e realizada uma reconstrução de cadeia ossicular. Não havia comunicação com o golfo da jugular ou canal carotídeo. O anátomo-patológico revelou tumor glômico.

CASO 3

J.M.Z., 51 anos, sexo masculino, branco, procedente de São Paulo, capital.

Foi atendido em 10105189 com história de zumbido pulsátil e hipoacusia progressiva à esquerda há meses.

A otoscopia mostrava uma massa avermelhada pulsátil que abaulava a membrana timpânica (Fig. 1).

Paciente apresentou audiometria de 12110!88 com discreta perda neurossensorial em 4000 Hz à esquerda e impedanciometria normal. Foi solicitada nova audiometria que revelou disacusia mista com via óssea média de 40 dB com gap de 10 dB.

A impedanciometria foi normal com reflexo presente. Foi descrito pela fonoaudiologia que realizou o exame, pulsação da agulha do "balance" do aparelho, sugerindo tumor glômico, segundo Lopes Filho M).

A CT de osso temporal (Fig. 2) revelou massa preenchendo hipotímpano ao nível do bulbo da jugular, sem comprometimento do teto.

Foi realizada arteriografia digital (Figs. 3 e 4) que mostrou tumor vascular com nutrição proveniente de artéria faríngea ascendente, sendo este embolizado (Fig. 5). Quatro dias após foi realizada exploração cirúrgica do osso temporal através de uma mastoidectomia. Foi encontrado tumor de aspecto vinhoso de aproximadamente 2 mm aderido ao promontório (Fig. 6), na região do hipotímpano, sem comprometimento do bulbo jugular ou carotídeo. Foi ressecado todo o tumor (Fig. 7) e utilizado broqueamento com broca de diamante e SURGICEL (Fig. 8) para conter o sangramento. O resultado do exame anátomo-patológica foi de tumor glômico.

Discussão

A confirmação diagnóstica nos 3 casos apresentados foi baseada na tomografia computadorizada de alta resolução. No caso 2 foi feita jugulografia retrógrada para afastar a hipótese de glomus jugular, pois na tomografia computadorizada apresentou alargamento ao forame jugular. No caso 3 foi realizada arteriografia digital com posterior embolização do tumor.



Figura 1 - Otoscopia



Figura 2 - Tomografia compuitadorizada mostrando a massa no hipotímpano com a parede do golfo da jugular e a crista jugulocarotídea preservadas.



Figuras 3 - Arteriografia digital da faríngea ascendente.



Figuras 4 - Arteriografia digital da faríngea ascendente.



Embora na literatura muitos autores afirmem que o diagnóstico diferencial entre o glomus timpânico e jugular é realizado apenas pela tomografia computadorizada de alta resolução(2 e 7), em um dos nossos casos houve dúvida e apenas a jugulografia retrógrada pode diferenciar. O quadro clínico dos casos apresentados foi compatível com a descrição da literatura. O exame audiométrico revelou disacusia de condução ou mista. Na impedanciometria foi notado pulsar da agulha do balance em todos os casos. O tratamento cirúrgico foi o escolhido e para maior segurança foi realizada mastoidectomia conservadora com timpanotomia posterior, com o objetivo de expor todo o ouvido médio. Após visualização de todo o tumor foi realizada exérese por dissecção romba. O sangramento foi controlado com o uso de broca de diamante e SURGICEL. No caso em que foi realizada embolização pré-operatória o sangramento foi significativamente menor. No caso 2 foi necessária a reconstrução da parede posterior do conduto e cadeia ossicular com cortical do osso temporal.

Conclusão

Tomando-se por base os casos apresentados concluiu-se que.
1) A apresentação clínica predominante foi zumbido pulsátil, hipoacusia e massa avermelhada em ouvido médio.
2) A tomografia computadorizada de alta resolução é o melhor meio diagnóstico de glomus timpânico.
3) A arteriografia digital auxilia o diagnóstico e a embolização concomitante diminui significativamente o sangramento intra-operatório. Preconizamos a sua realização em todos os



Figura 5 - Arteriografia pós-embolização



Figura 6 - Tumor visto através timpanotomia posterior



Figura 7 - Tumor retirado.



Figura 8 - Leito do tumor brocado e com SURGICEL.



4) A mastoidectomia e a timpanotomia posterior facilita a exposição do tumor e fornece maior segurança para o controle do sangramento.
5) O sangramento pode ser bem controlado com o uso de broca de diamante e SURGICEL (R).

Summary

The authors presents 3 cases of timpanic glomus, treated at the "Clínica ORL do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo" from 1984 to 1989. The diagnosis was concluded using CT scan and digital arteriography.

The treatment is always surgical. The used tecnique was mastoidectomy with posterior tympanotomy and the bleeding was stoped using SURGICEL.

The use of embolizanon during arteriography, decress considerabely the bleeding during surgery.

Bibliografia

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11. Lopes F.O. - The early diagnosis of a glomic tumor in the middle-ear by means acoustic impedance. Impedance News letter 1:1-5,1975.




* Residente de 1 ano da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Residente de 2 ano da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Residente de 3 ano da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo .
**** Professor responsável pela Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Médico Assistente da Divisão ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
****** Professor Doutor da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Sob o patrocínio do Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em Otorrinolaringologia (CEDAO)

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