ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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2285 - Vol. 56 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1990
Seção: Artigos Originais Páginas: 07 a 08
Estudo crítico das reconstruções ossiculares por necrose da apófise lenticular da bigorna*
Autor(es):
Sílvio Caldas Neto**
Fernando Freitas Ganança***

Resumo: De 62 casos de pacientes portadores de necrose da bigorna secundária a processos crônicos do ouvido médio, foram estudados 11 que apresentavam apenas a apófise lenticular comprometida, sendo submetidos a reconstrução ossicular por diferentes técnicas, as quais tiveram seus resultados funcionais analisados e comparados.

Como sabemos, a continuidade da cadeia ossicular do ouvido médio é de enorme importância para a amplificação da energia sonora que atinge a membrana timpânica e será conduzida ao ouvido interno. Funcionando como uma alavanca interfixa, a cadeia ossicular vibra em tomo de um eixo que corresponde a uma linha imaginária que passa ao longo da apófise curta da bigorna e o ligamento anterior do martelo. Pressão exercida na membrana utilizará o cabo do martelo como braço de potência da alavanca e a apófise longa da bigorna, mais curta, como braço de resistência. O som é assim amplificado na razão de aproximadamente 2:1. Por outro lado, a diferença de superfície entre a área vibratória da membrana timpânica e a platina do estribo representa uma concentração de energia em torno de 17:1. Em termos de decibéis, a amplificação total é de cerca de 28dB. A interrupção da cadeia ossicular logicamente prejudicará ambos os mecanismos de condução e amplificação do sistema, do que resultará uma perda auditiva que depende, também, da condição da membrana.

Quando há concomitância de perfuração timpânica, que é o mais freqüente, a perda auditiva, em geral, não ultrapassa os 35 a 40, pois a perfuração permite que a onda vibratória atinja diretamente as janelas oval e redonda. No entanto, se a membrana timpânica está íntegra, ela obriga o som a seguir através da cadeia ossicular interrompida, o que acarretará perda da ordem de 60dB.

A necrose de um ou mais elementos da cadeia ossicular secundária a processos inflamatórios crônicos do ouvido médio tem sido a maior responsável pela sua interrupção, havendo uma maior ocorrência em relação à bigorna, possivelmente, por ser ela trinos vascularizada do que os outros elementos da cadeia, 2.3.4.

Em trabalho anterior, de 1.2.3 ouvidos operados de processos inflamatórios crônicos da caixa timpânica com reconstrução ossicular, 62 (50,4%) eram portadores de alguma forma de necrose da bigorna, interrompendo a transmissão sonora. Várias propostas têm sido encontradas na literatura para a correção dessa eventualidades 7-8.9.10.

Todas elas atuam no sentido de refazer a conexão do estribo com a membrana timpânica diretamente, desprezando a vantagem da ação da alavanca perdida pela ausência da bigorna, ou indiretamente (em contato com o cabo do martelo quando este está presente). Em face da manutenção da relação de superfície entre a membrana timpânica e a platina do estribo, espera-se uma restauração considerável da transmissão. Ocasiões, no entanto, existem em que a necrose da bigoma limita-se à apófise lenticular fração de milímetro da ponta da a fase longa. Nessas situações o cirurgião vê uma boa possibilidade conservar a bigorna e interpor, entre o defeito, o fragmento de osso cortical ou cartilagem autógrafa ou homógrafa, reconectando os ossículos e mantendo, assim, além da relação hidráulica tímpano-platina, o mecanismo de alavanca.








O nosso trabalho consistiu na pesquisa de incidência e resultado funcional de reconstrução ossícular, pelo método acima citado, de necrose da apófise lenticular entre 62 casos de necrose de bigorna secundários a infecção crônica não colesteatomatosa do ouvido médio (60 pacientes).

Destes casos, 47 (75,8%) tinham necrose da apófise longa da bigorna; quatro (6,4%), da apófise longa e cruras do estribo; 11 (17,7%) da apófise lenticular isolada (Tab. 1). Dos onze casos, dois tiveram reconstrução através de transposição da bigorna sobre o capítulo do estribo e por baixo do cabo do martelo e nove foram reconstruídos por meio da interposição de fragmento de osso cortical autógrafo retirado do rebordo timpanal ósseo do conduto auditivo externo (7 casos) ou de cartilagem costal homógrafa conservada (2 casos). Destes nove casos, foram eliminados dois por não terem seguimento audiométrico pós-operatório adequado. Os sete restantes tiveram avaliados os resultados funcionais da reconstrução com base no gap pós-operatório entre as curvas tonais obtidas por via aérea e óssea. Os resultados são expressos na tabela 2.

Observando-se estes resultados e partindo-se do princípio de que podemos considerar bons resultados um fechamento do gap até 20dB, notamos que apenas 4 dos casos o obtiveram. Apesar de ser pequeno o número de casos que restou da nossa seleção, não podendo ser expresso em termos percentuais, é de ser notar que os ganhos funcionais deixam muito a desejar, quando comparados com aqueles obtidos em casos de lesões ossiculares bem maiores. Em trabalho anteriores, onde analisamos 27 casos de reconstrução ossicular por ausência total da bigorna, quando procedimentos bem maiores foram exigidos, notamos fechamento do gap para 20dB ou menos em 20 casos. Outros autores11 desenvolveram esse tipo de raciocínio, preferindo abandonar a reconstrução ao nível da apófise lenticular e interpor uma prótese conectando a apófise longa com a platina do estribo, ignorando a supra-estrutura deste. Tal procedimento não foi utilizado em nenhum dos casos por nós estudados.

Achamos poder, então, concluir que a reconstituição da apófise lenticular isolada, nos casos estudados, apesar ser uma cirurgia simples e, teoricamente, mais fisiológica, não proporciona resultados tão bons quanto os obtidos nas reconstruções onde toda a bigorna estava ausente ou foi retirada, procedendo-se assim a uma substituição total da mesma. Nestas ocasiões, mesmo havendo comprometimento só da apófise lenticular, a retirada cirúrgica da bigorna na apófise lenticular, a retirada cirúrgica da bigorna na sua totalidade com posterior reconstrução deve ser considerada como boa alternativa, bem como interposição com prótese de material biocompatível entre a apófise longa da bigorna e a platina do estribo.

Summary

Among 62 cases of patienis with incus necrosis resulting from chronic pathologies of the middle ear, 11 were studied wich presented only demage of the lenticular process and were submited to ossicular reconstruction perforrned through different techniques that had their functional results analysed and compared.

Referências bibliográficas

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10. Luetje, C.M. & Denninghoff, J.S. - Perichondrial attached double cartilage block: a better alternative to the PORP. Laryngoscope 1987; 97: 1106-8.
Lippy, W.H. & Rizer, F.M.L. - Reconstructing the absent lenticular process. Laryngosçope,1987;97:1149-50




* Trabalho realizado na clínica de ORL do Hospital das clínicas da Universidade Federal de Medicina.
** Médico estagiário da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco.
*** Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.

Endereço do autor: Av. Boa Viagem, 2514, Ap. 1202, Recife, PE, Brasil CEP 51020
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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