INTRODUÇÃOMieloma múltiplo ou mieloma generalizado ou mielomatose, é doença de etiologia desconhecida, caracterizada pela proliferação de células que, microscopicamente, têm aspecto de plasmócito.
Esta doença começa na medula óssea, de início insidioso, e quando diagnosticada, usualmente, já se encontra num estágio avançado. As vezes, no seu curso ocorrem manifestações extramedulares, sob forma de massas tumorais, constituída predominantemente por plasmócitos em meio a uma fina trama reticular.
Tumores contendo plasmócitos, indistinguíveis daquelas células que ocorrem no mieloma múltiplo, podem surgir nas vias respiratórias, cavidade oral ou outras regiões extra medulares. Estes tumores são denominados PLASMOCITOMAS.
Um grupo de pacientes com esta moléstia, poderão apresentar, no futuro , a doença generalizada, outros, poderão sofrer grave invasão mortal deste tumor maligno, e outros, ainda, poderão não apresentar evidências da doença, local, ou à distância, seguindo tratamento.
INCIDÊNCIAA exata incidência não é bem conhecida.
Em 1942 Hellwig (1) encontrou 63 casos publicados na literatura, e em 1949, Stout (2) e colaboradores discutiram 9 casos próprios e revisaram 95 publicados.
A maior estatística que conhecemos da literatura, conta com 27 pacientes acompanhados por Ewin e Foote (3), trabalho publicado em 1952. Mais recentemente, a maior série publicada foi da Mayo Clinic por Webb (4) e colaboradores, com 19 casos (1966). Nabar (1968) (5) coletou 5 casos de Aberdeen Royal.
Infirmary, no período de 1956 a 1966, dando uma incidência de 1:99.000 de todos os pacientes vistos.
Daves (6) e colaboradores (1969), encontráram um plasmocitoma entre 140 tumores malignos de nasofaringe.
SEXO E IDADEEste tumor acomete pessoas acima de 40 anos de idade, em homens 2 a 3 vezes mais do que em mulheres.
MÚLTIPLAS LOCALIÇÕES
Embora os plasmocitomas possam ocorrer em qualquer tecido, eles são mais freqüentemente encontrados nas vias respiratórias.
Poole e Marchetta (7) (1968), revisando a literatura, encontraram pela ordem, o nasofaringe, nariz e amídalas, como os lugares mais comumente comprometidos.
Kotner (8) e colaboradores (1972), apresentaram uma série de 23 tumores em 20 pacientes: 11 tumores (48%) 'apresentaram-se nas fossas nasais. O nasofaringe foi o 2° lugar mais comprometido com 8. A amídala foi envolvida em 1 caso e o seio maxilar e o frontal com 1 cada. Três pacientes tinham discretos tumores em múltiplos lugares durante o curso de suas doenças.
Outros lugares ainda poderão ser acometidos como: gengivas, faringe, palato, maxila, vestíbulo nasal, etc. As vezes é difícil definir o local primitivo da lesão especificamente quando desenvolve muito comprometendo o nasofaringe, esfenóide, etmóide e seio maxilar.
ASPÉCTO MACROSCOPICO E SINTOMAS
A aparência clínica destes tumores varia: podem ser sésseis ou pediculados e ainda variam na coloração do vermelho para vermelho acinzentado ou cinza.
As vezes o tumor se apresenta múltiplo na mucosa de vias respiratórias. Podem estar confinados à submucosa ou apresentarem superfície ulcerada. Usualmente têm consistência firme com superfície lisa ou irregular. Com o crescimento do tumor que no nasofaringe se desenvolve mais pela própria situação anatômica, podem surgir epistaxes.
Outros sintomas podem aparecer, dependendo da localização do tumor: edema é a queixa mais freqüente. Dor aparece às vezes quando o osso vizinho é comprometido. Desconforto ou dor de dente, podem ocorrer quando há envolvimento do alvéolo dentário. 0 envolvimento ósseo no mieloma múltiplo, acometendo ossos não pertencendo a territórios de ORL, não é objeto de nosso estudo. Com relação ao comprometimento ósseo pelos plasmociomas, não representam bom prognóstico, e usualmente levam à morte. (Batsakis - 1964) (9) isto pode ser devido a uma forma invasiva ou a um diagnóstico tardio onde a terapia torna-se ineficiente.
Webb (10) e colaboradores (1962) relatam que dos 4 casos com destruição óssea local, 3 morreram dentro de 3 anos.
Ao que tudo indica, os plasmocitomas que surgem de tecidos moles da nasofaringe, cavidade oral e laringe, os quais não envolvem osso adjacente têm melhor prognóstico do que aqueles que ao contrário se localizam em áreas como: maxilar, mandíbula, alvéolo, etc.
METÁSTASES EM LINFONODOS
Embora seja rara, segundo a literatura (10 a 20%), o infartamento de linfonodos regional pode ocorrer em plasmocitomas de partes moles e são compatíveis com a vida. Ewing (1) (1952), Poole (7) (1968).
INVESTIGAÇÕES
Diante de um paciente com suspeita de mieloma plasmocitário, além do estudo histológico de um fragmento do tumor, devemos pesquizar:
PUNÇAO NA MEDULA ESTERNAL
Pode mostrar plasmócitos anormais mesmo sem evidência radiológica de mielomatose; por outro lado, o resultado negativo não afasta a doença sistêmica quando já se pode às vezes encontrar achados radiológicos positivos.
ELETROFORESE DE PROTEINAS
Há elevação das proteínas totais devido ao aumento da fração globulínica levando a inversão albumina/globulina. Na doença avançada isto pode estar ausente.
A eletroforese pode mostrar a globulina anormal, principalmente a gama globulina.
PESQUISA DA PROTEINA DE BENCE-JONES NA URINA
São encontradas somente em casos avançados de mieloma.
RX de todo esqueleto deve ser feito periodicamente, principalmente, se o paciente referir dores.
ASPECTO HISTOLÓGICO
Ao exame histológico predominam células arredondadas, com núcleo redondo excêntrico à maneira dos plasmócitos, cuja cromatina tem distribuição irregular, raramente imitando a distribuição observada em plasmócitos normais. Presença de mitoses típicas e atípicas. O citoplasma está bem demarcado pela membrana e é ligeiramente basófilo. Estas células se dispõem em mantos homogêneos, com escassa vascularização e fina trama reticular intersticial.
TRATAMENTO
Os plasmocitomas pedunculados; principalmente os do rinofaringe, são tratados pela exore cirúrgica. Há sem dúvida chance de recidiva (Lindber 1966) (11).
Os tumores sesseis são melhor tratados com radioterapia ou associado à cirurgia. A quimioterapia tem sido usada mais recentemente para alguns casos.
Quando houver enfartamento linfonodos, o que é raro, o melhor tratamento é o radioterápico, pois eles são tão sensíveis quanto o tumor primitivo.
PROGNÓSTICO
Os plasmocitomas originados de partes moles do rinofaringe, cavidade oral e laringe, que não acometem estruturas ósseas, tem melhor prognóstico do que aqueles da mucosa bucal e seios da face que surgem ou invadem ossos vizinhos (mandíbula, maxila, alvéolo dentário, etc.).
A morte do paciente com plasmocitoma pode muitos anos após tratamento bem sucedido; 28 anos após tratamento na publicação de V11ebb (10) e colaboradores (1962). Outros casos sofrem processo de disseminação após 5 ou 10 anos.
Como esta doença acomete pacientes na 4° ou 5 década, muitos destes morrem de outras causas, antes ºmesmo da disseminação. No entretanto quando a doença se generaliza, a vida do indivíduo está contada em meses ou às vezes em anos. A radioterapia nestes casos pode apenas amenizar os sintomas e prolongar ligeiramente a vida do paciente.
CASO CLINICO
M.A.G. - sexo feminino, 49 anos, cor branca, procedência Alagoas. Refere a paciente que há 10 anos foi submetida a cirurgia para exsere de tumor de fossa nasal esquerda, passando bem até há 4 anos quando começou a apresentar as mesmas queixas anteriores, ou sejam, obstrução nasal esquerda, acompanhada de secreção purulenta.
Ocasionalmente epistaxe, que às vezes eram muito severas. Anosmia e dor nasal que melhorava após sangramento.
Há mais ou menos 6 meses abaularnentq da parede atero-nasal esquerda. Nega outras queixas e mesmo emagrecimento neste período.
EXAME ORL
Rinoscopia anterior: massa tumoral preenchendo totalmente a fossa nasal esquerda, até praticamente o rebordo do vestíbulo nasal. A superfície tumoral era irregular, mole, friável e sangrante ao toque. A coloração ervinhosa.
Rinoscopia posterior: massa tumoral bloqueando inteiramente a coana esquerda com as mesmas características acima descritas.
Desvio de septo para a fossa nasal direita. Deformidade da parede latero-nasal esquerda.
Ausência de enfartamento linfonocial.
EXAMES SUBSIDIÁRIOS
Rx - revelou velamento intenso de todos os seios á esquerda (Pansinusite Esquerda). Figs. (1) e (2).
Foi indicada biópsia da lesão, mas como a massa tumoral era muito friável, acabamos fazendo remoção mais ampla.
A abordagem foi endonasal. O tumor ocupava toda fossa nasal esquerda, chegando posteriormente até o rebordo coanal. Sua aderência era pequena na parede latero-nasal.
A fossa nasal esquerda estava bastante alargada e o septo bem desviado para o lado oposto. Também havia abaulamento da cartilagem triangular esquerda, deformando o nariz.
A peça era constituída de muitos fragmentos semelhantes a esponja molhada ou gelatina.
Sangramento moderado, obrigando-nos a um tamponamento firme pós-operatório.
DIAGNÓSTICO ANATOMOPATOLÓGICO
PLASMOCITOMA
A - aspecto geral, onde se verifica o crescimento neoplásico no tecido conjuntivo sob o epitélio pavimentoso estratificado da faringe.
B - detalhes onde se observa a estrutura das células que são em geral arredondadas, com membrana citoplasmática bem demarcada e os núcleos excêntricos, com caracteres de plasmócitos atípicos.
Coloração H.E. 120 x 340 x
Com este resultado, o paciente foi submetido a novos exames: radiografia do esqueleto, punção da medula esternal, eletroforese de proteínas séricas e nada se constatou de anormal. O diagnóstico foi portanto, de mieloma isolado da fossa nasal.
TRATAMENTO RADIOTERÁPICO
A paciente foi submetida a radioterapia pelo Acelerador Linear 4 MEV recebeu dose total de 4.500 r. com dose fração diária de 200r. Tempo total de radioterapia foi de 4 112 semanas e no final do tratamento estava livre dos sintomas e permanece sem queixa há praticamente 1 ano.
COMENTÁRIOS
A observação deste caso, assim como aqueles relatados na literatura médica, mostrou certa benignidade no curso desta entidade. A grande dúvida que surge quando se faz um diagnóstico de mieloma plasmocitário isolado de vias aéreas, é se este achado é manifestação localizada de processo geral ou se trata de lesão única que poderá na evolução, manifestar-se em outras áreas. Diante de paciente com mieloma plasmocitário isolado, ou plasmcitoma de vias afeas ou digestiva, há sempre necessidade de se pesquisar a extensão do problema. Alguns exames são obrigatórios para esclarecimento do caso: Radiografias do esqueleto, pesquisa da proteína de Bence Jones na urina; eletroforese de proteínas e cintilograma.
A nossa paciente apresentou todos os exames normais, levando-nos a pensar que seja portadora, pelo menos por hora, de lesão única. Este fato parece de bom prognóstico. Também sabemos que o prognóstico depende da extensão da lesão e se modifica quando há comprometimento ósseo. A nossa paciente apresentou sinais de pansínusite esquerda, por provável retenção de secreção, mas não há sinais de lise óssea, clinica ou radiograficamente.
Segundo pudemos observar, pelo levantamento bibliográfico, a evolução destes raros tumores é imprevisível. Webb (10) e colaboradores em 1952, publicaram caso onde a mielomatose surgiu 28 anos após o tratamento de plasmocitoma solitário. Isto, no entanto, contrasta com o curso desta doença em pacientes que desenvolvem mieloma múltiplo e usualmente morrem dentro de 2 ou 3 anos.
Recidivas, podem ocorrer até dentro de mais ou menos 10 anos, sendo compatível com longa sobrevida. Parece tratar-se do caso da nossa paciente. Kotner (8) 419721, relata que dos seus 20 casos, 4 apresentaram tumores recidivantes e todos estavam vivos na época da revisão com seguimento de 8 a 22 anos após o tratamento inicial com radioterapia.
Outro comentário que se podia fazer a respeito destes plasmocitomas nasais, seria sua relação com o rinoscleroma.
Baseado nos trabalhos de Astácio e Alfaro (12) (1962), Noubleau (131 (1962) e Noubleau (14) (1963), verificamos que eles encontraram num curto período de 4 anos (1959 a 1963) 39 casos de plasmocitomas. Pelo menos 8 tinham diagnóstico de rinoscleroma.
Em alguns destes casos foi possível seguir histologicamente e os autores observaram desde progressiva reação inflamatória constituída de infiltrado linfo-plasmocitário até a franca malignização. Os plasmócitos aumentaram número com diminuição de outras células inflamatórias com figuras plasmocíticas anormais e abundantes mitoses.
Comparando várias séries de escleroma e de plasmocitoma extramedular respiratório, notamos que ambas entidades tem ocorrido com maior freqüência nas mesmas décadas, fator que favorece o esclarecimento como terreno propicio para o desenvolvimento do plasmocitoma.
RESUMO
Os autores apresentam um caso de plasmocitoma extramedular do aparelho respiratório ou mais particularmente, da fossa nasal esquerda. A paciente tinha sido submetida a uma cirurgia para remoção de um tumor na fossa nasal esquerda há 10 anos e há 4 anos retornaram os mesmos sintomas: obstrução nasal e epistaxe.
O anatomo patológico, revelou o diagnóstico de plasmocitoma e todas demais provas 7Rx do esqueleto ósseo, punção esternal, eletroforese de proteínas sericas, cintilograma, pesquisa de proteína de Bence-Jones, para mostrar comprometimento em qualquer outro território foram negativas.
A paciente foi submetida a tratamento radioterápico (dose total: 4.600r).
SUMMARY
The authors reported a case of plasmocytoma extrammedulary isolated in the left nasal-cavity.
All examinations often used for these cases did not show lesions on the other perts of the body.
The diagnostic was marfe by anatomo-patological examination and the treatment was by radioterapy.
BIBLIOGRAFIA1. Hellwing, C.A: Extramedullary plasma cell tumors as observed in various locations. Arch. Pathol 36:95-111, 1943.
2. Stout, A. Pand Kenny, F.R. Plasma cell tumors of upper airpassages and oral cavity-cancer 2:261277, 1949.
3. Ewing, M.R. and Foote, F.W. Jr: Plasma cell tumors of mouth and upper air passages - Cancer 5:193513, 1952.
4. Webb, H.E., Devine, K.D. and Harrison, E.G. - Oral surgery medicine and pathology, 22:1, 1966.
5. Nabar, B.V. (1968) Journal of Laryngology and Otology 82:657, 1968.
6. Dawes, J,O.K., Harkness, D.G., Marshall, H.F. and Van Miert, L.J. Journal of Laryngology and Otology 83:211, 1969.
7. Poole, A. G. and Marchetta, F.C.: Extramedullary plasmocytoma of the head and neck. Cancer 22:1421. 1968.
8. Yotner, L.M. and Wang C.C. - Plasmocytoma of the upper air and food passages. Cancer 30:414-418, 1972.
9. Batsakis, J.G., Fries, G.T., Goldman, R.T.. and Karlsberg R.: Upper respiratory tract plasmocytomas - Arch Otolaryng 79:613618, 1964.
10. Webb, H.E., ., Harrison E.G., Masson J.K., and Remine W.H.: Solitary extramedullary plasmocytoma - Ibid 15:1142 - 1155, 1962
11. Lindgerg, R. Radiology 86, 1090, 1966.
12. Astácio J.N. e Alfaro, D.A. Plasmocitomas Primários da nasofaringe Arch. Col. Méd. - EI. Salvador, 15:31, 1962.
13. Noubleau V.M. - Plasmocitomas primários da naso-faringe Arch. Col. Méd. - El Salvador 15:80; 1962.
14. Noubleau V.M. - Plasmocitomas primários da naso-faringe Arch. Col. Méd. - El Salvador 16:213, 1963.
Endereço dos autores:
Dep. de Otorrinolaringologia
Santa Casa de Misericórdia
São Paulo/ SP.
* Prof. Assistente do Dep. de Cirurgia - Disciplina ORL da Faculdade de Ciências Médicas da St Casa. de São Paulo.
** Médico Radioterapeuta do Hospital Oswaldo Cruz.
*** Prof. Pleno do Dep. de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo