INTRODUÇÃOEntende-se por LARINGOCELE a dilatação anormal do apêndice ventricular (século), formando uma bolsa aérea que pode se localizar interna ou externamente à membrana tireohioídea ou ainda de uma forma mista. Concordamos com Pietral ao afirmar que uma laringocele começa por ser interna, podendo alcançar posteriormente sua exteriorização. Conseqüentemente, toda laringocele externa deve ter um trajeto endolaríngico.
Essa bolsa aérea pode em ocasiões especiais infectar-se, formando uma coleção purulenta que leva,o nome de LARINGOPIOCELE.
Incidência: As laringoceles são raras, existindo na literatura pouco mais de uma centena de casos descritos. As laringopioceles são ainda menos freqüentes: Algano2 em 1.969 refere 20 casos e Thawley e Bone3 em 1.973 acrescentam mais dois casos, somando um total de 22 casos de laringopioceles descritos.
RESUMO EMBRIOLOGICO E ETIOPATOGENICO
O ventrículo laríngeo e seu respectivo apêndice (sáculo) desenvolvem-se a partir da segunda metade do 2° mês de vida embrionária, sendo segundo Waldeyer e Bartels4, bastante desenvolvidos no feto grande e no recém-nascido.
Negus5 considera o sáculo como órgão em regressão, isto é, filogeneticamente pouco desenvolvido no homem se o compararmos com os enormes sacos aéreos dos macacos antropomorfos (orangotangos ou chipanzés).
O sáculo corresponde a um divertículo de direção cefálica localizado na porção anterior do ventrículo laríngeo, medindo em média 1cm. de altura por 5 a 8mm de largura. Maísonnave4 em seu memorável trabalho, no qual estudou 100 laringes de necropsias, verificou que em 70% das peças o sáculo apresentava essas medidas; em apenas um caso constatou ausência de sáculo, sendo poucos os espécimes em que ele atingia a borda superior da cartilagem tireóide.
Se algum fator determina a expansão deste caso aéreo, ele pode estender-se ao seio piriforme e estruturas supraglóticas, ultrapassando ou não a membrana tireohioídea.
Na gênese desta patologia são implicados vários fatores como hereditariedade, processos inflamatórios, traumáticos e neoplásicos, que poderiam enfraquecer a estrutura laríngea e propiciar o aparecimento da laringocele em pessoas que tivessem uma pressão intraglótica elevada, como músicos de instrumento de sopro, elevadores de peso, cantores, tossidores crónicos, etc. Pietrantoni6 encontrou uma incidência de 6,18% de laringoceles em casos de câncer da laringe, porém não as considera dependentes do crescimento tumoral, mas sim de outros fatores predisponentes que determinem hiperpressão ao nível dos ventrículos laríngicos.
ANATOMIA PATOLOGICA:
O estudo anatomopatológico demonstra estrutura cística revestida por mucosa com epitélio estratificado ciliado, com uma capa profunda rica em tecido linfóide e glândulas mucosas.
Completamente in característica, mas geralmente associada a problemas de fonação ou respiração, dependendo do tamanho, forma ou localização da laringocele. Poderemos ter disfonia, dispnéia, disfagia, sensação de corpo estranho na garganta, tosse e, nos casos da laringopiocele, febre e eliminação de pus pela boca.3, 7, 8.
Sinais de exame nos mostram um abaulamento da banda ventricular com mucosa íntegra, que pode incluir outras estruturas supraglóticas, edema de epiglote, dificuldade de visualização das cordas vocais, massa cervical (que pode não ser detectável) geralmente redutível e de volume variável com a manobra de Valsalva. O sinal de Price descrito como sendo um som tipo eructação, às vezes pode ser encontrado, devido a expulsão do ar da laringocele pela compressãò da massa cervical ou contração dos constrictores da faringe
O diagnóstico definitivo é feito pela radiografia da laringe (frente e perfil) e pela tomografia frontal da laringe:
A laringocele pode ter complicações graves como obstrução das vias aéreas, aspiração de pus, abscesso láterofaríngico, abcesso mediastinal e trombose da jugular.? São citados casos fatais de laringopiocele e laringocele (Beatyman9 e Mays10).
Descrevemos neste trabalho dois casos que exemplificam muito bem a forma curiosa de como esta patologia pode se apresentar, confundindo o diagnóstico em mãos menos experientes.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS:
Caso na-, 1) - S.B., masculino, branco, 43 anos,* comerciante, procedente do interior do Estado de S. Paulo, atendido no Hospital Ibirapuera em 6/2/76.
Q.P. - Sensação de corpo estranho na garganta.
HPMA - Refere que há 8 meses teve crise de disfonia, dispnéia e odinofagia, que durou um mês'e cedeu com o uso de antibióticos e se acompanhou de eliminação de grande quantidade de pus. Há dois meses teve crise semelhante, que medicada regrediu espontaneamente.
Há uma semana teve outro episódio igual aos primeiros, sendo submetido a drenagem endoscópica por especialista, que posteriormente o encaminhou ao nosso Serviço.
O exame ORL revelou epiglote congesta, secreção purulenta drenando próximo ao ligamento faringo epiglótico esquerdo, cordas vocais indenes e com motilidade conservada. Palpação cervical e o restante do exame sem aterações.
Exames implementares: planigrafia da laringe evidenciando uma laringocele moça a E. (Fig. 1).
Fig. 1 PLANIGRAFIA DA LARINGE MOSTRANDO LARINGOCELE MISTA A ESQUERDA
Com este diagnóstico o paciente foi levado a cirurgia que consistiu em uma incisão horizontal ao nível da borda superior da cartilagem tireóide, liberação da musculatura pré-laringica a esquerda e identificação do saco.berniario que se dirigia posteriormente ao corno maior do osso hióidn. Foi dissecado e liberado do pediculo vásculo nervoso laríngico superior, idetificado 0 colo que se situava ao nível do ligamento tireóide mediano. Foi então incisado o pericbndrio externo da cartilagem tireóide e descolado no 113 superior externa e internamente, sendo ressecado esse segmento de cartilagem, permitindo assim a ligadura da abertura da laringocele no ventrículo, sem abrir a luz da laringe. (Figs. 2, 3, 4).
Fig. 2 IDENTIFICAÇÃO DO SACO HERNIARIO.
Fig. 3 LARINGOCELE DISSECADO INTEIRAMENTE.
Fig. 4 LARINGOCELE RESSECADO.
O pós-operatório evoluiu sem anormalidades, sendo julgada desnecessária a traqueostomia.
Caso n° 2 - B.S., fem., branca, 59 anos, afazeres domésticos, procedente de S. Paulo, atendida no Hospital Ibirapuera em 05/04/76.
Q.P. - Dispnéia intensa.
HPMA - Refere que há alguns anos vem sendo acometida de falta de ar, tendo sido tratada e internada várias vezes com o diagnóstico de insuficiência respiratória do tipo obstrutivo crônico.
Na última semana a dïspnéia agravou-se, apresentando concomitantemente disfonia. Com este quadro deu entrada em nosso Serviço.
À laringoscopia indireta observamos abaulamento da prega ariepiglótica D. e banda ventricular D., com grande distensão da mucosa da endolaringe, sem ulcerações e fenda glótica bastante reduzida.
A palpação cervical e o restante de exame foi normal.
Em vista da gravidade do quadro respiratório a paciente foi submetida a uma traqueostomia de urgência.
Um estudo planigráfico posterior evidenciou uma volumosa laringocele a D. com delimitação nítida do saco aéreo pela laringografia. (Figs. 5, 6).
Fig. 5 Caso n° 2
PLANIGRAFIA MOSTRANDO LARINGOCELE MISTA A DIREITA
Fig. 6 Caso n° 2
LARINGOGRAFIA DELIMITANDO O SACO AÉREO DA LARINGOCELE.
Em 13/04/76 foi submetida a cirurgia pela mesma técnica do caso anterior, com exerese de grande saco hemiério da mucosa do ventrículo laríngico.
Descanulizada no 3° dia de pós-operatório, tendo alta hospitalar no 6° dia com respiração normal.
COMENTÁRIOSEm nosso 1 ° caso, que se tratava de laringopiocele, observamos que as crises de disfonia e dispnéia apareciam por surtos, coincidindo provavelmente com a repleção do saco aéreo por material mucopurulento,que tratados com antibióticos, ou rompendo expontaneamente com a eliminação de seu conteúdo ou, ainda, drenados endoscopicamente, produziam melhora clínica. Nosso 2° caso mostra uma laringocele mista em paciente com patologia broncopulmonar antiga e que, pela obstrução de vias aéreas superiores teve que ser previamente tranqueostomisada.
Em nenhum dos casos identificamos massa cervical palpável, o que atribuímos a localização mais posterior dos sacos herniários, sendo mascarados pela musculatura supra adjacente.
Deve ser salientado a importância da laringoscopia indireta, que nos mostra um abaulamento ao nível da banda ventricular, sem lesão mucosa.
O estudo planigráfico é fundamental para a confirmação do diagnóstico, assim como para a avaliação da extensão da patologia.
A laringografia é útil, mais com o sentido de documentação, para delimitar o saco aéreo.
As laringoceies devem ser tratadas cirurgicamente por via cervical externa e não endoscopicamente, pois nestas condições a exerese do saco seria incompleta, com grande tendência a recorrência.
Excepcionalmente quando determinam obstrução aguda da laringe, as laringopioceles podem ser drenadas por via endoscópica e posteriormente submetidas a ressecção definitiva.
ABSTRACTA case of laryngocele e another of laryngopyocele have been presented. The authors made a revision of the incidence, embriology, etiopatogenesis, pathology, symptomtology, physical findings and treatment.
BIBLIOGRAFIA 1. Pietra, R.; Tratado de Oto-rino-laringologia y Bronco-esofagologia, tomo II. J.M. Alonso y J.M. Tato, pág. 779, Editorial Paz Montalvo,
2. Algano, V.: Laringocele e laringopiocele, Ann. Laring., 68:59-75, 1.969.
3. Thawley, S.E. and Bone R.C.: Laryngopyocele. The Laryngoscope, 83: 362-368, 1.973.
4. Maisonnave, R.: Laringoceles. Tesis de Doctorado. Faculdad de Medicina de la Universidad Nacional del Litoral. Editor "El Ateneo" - Buenos Aires, 1.947.
5. Negus, V.E.: The Mechanism of the Larynx, C.V. Mosby Company, St. Louis, Mo., p. 105, 1.930.
6. Pietrantoni, L.: Felisati, D and Finzi, A.: Laryngocele and Laryngeal Cancer. Ann. Otol., 68:100-107, 1.959.
7. Krekorian, E .A.: Laryngocele and Laryngopyocele. The Laryngoscope, 72: 1297-1312, 1.962.
8. Chessen, J. and Luter, P.: Larygocele and Laryngopyocele. The Laryngoscope, 65:1057-1064, 1955. 9. Beatyman, W.; Hadok, G.L. and Taylor, M.: Laryngopyocele: report of a fatal case. New Eng. lour. Med., 260:1025, May 1959.
10. Mays, C.A.: Case of Fatal Asphyxia Due to Infection Of Ventricular Laryngocele. Brit. lour. Surg., 41:662, May, 1954.
Trabalho patrocinado pelo Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital Ibirapuera - (CEPHI) e apresentado no XXIII Congresso Brasileiro de ORL e XVII Congresso Brasileiro Bronco Esofagologia - Fortaleza 1.976
* Diretor do Hospital Ibirapuera. Presidente do CEPHI.
** R-2 do Hospital Ibirapuera.
*** R-3 do Hospital Ibirapuera.