ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2271 - Vol. 62 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1996
Seção: Relato de Casos Páginas: 514 a 520
Apresentação de um Caso de Linfoepitelioma Diagnosticado Durante a Gravidez. Tumores Malignos de Nasofaringe: Revisão da Literatura.
Autor(es):
Rosana Aparecida Giovanetti *,
Sérgio Bittencourt**,
Cláudio Luis Lazzarini**,
Yang T. Chan**,
Sílvio Caldas Neto***,
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: Neoplasias, nasofaringe

Keywords: Neoplasms, nasopharynx

Resumo: Os tumores malignos de nasofaringe são bastante raros, guardando relação com o vírus Epstein Barre linfoma de Burkitt. Predominam na raça amarela (em algumas regiões habitadas por chineses), na faixa etária de 40 a 50 anos, principalmente. O padrão é espinocelular em 85% dos casos. O linfoepitelioma é considerado uma das variedades do tipo planocelular, encontrando-se intensa infiltração linfóide em seu estroma fibroso. Relata-se um caso de tumor em gestante, submetida à transfusão sangüínea por epistaxe incoercível e tratamento cirúrgico para ressecção tumoral. Posteriormente, foi submetida a complementação radioterápica. Apresentou evolução satisfatória no decorrer dos últimos seis anos

Abstract: The nasopharynx carcinoma are too much rare and they keep a close Mation to the Epstein Barr virus and Burkitt Lymphoma. They are extremely common among the yellow people (just in some regions inhabited by chineses), mainly from forty to fifty years old. Eight fine percent of the whole cases are spindle cells type. The lymphoepithelioma is considered one variety of flat cell type. It can a be found in a very intense lymphoid infíltration on its fibrous stroma. A neoplasm occurred case in a pregnant woman has been reported. It has been submitted to a blood transfusion because of a very intense nasal bleeding and for the neoplasm removal, by a surgical approach. Later on a radiotherapeutic treatment was applied and it has showed a very good evolution through the last six years.

INTRODUÇÃO

Os tumores malignos da nasofaringe são bastante raros em caucasianos e japoneses, mas ocorrem com alarmante freqüência em algumas regiões do globo, como no sul da China e Hong Kong, onde sua incidência é bastante alta, o mesmo sendo observado em imigrantes chineses que habitam o sudeste Asiático, Califórnia e Austrália quando se compara com a população autóctone (1, 2, 3, 4, 5).

Sugere-se associação entre susceptibilidade genética e exposição a agentes carcinogênicos (5).
A incidência desses tumores é de 0,2 a 0,3% entre os tumores malignos; 2% dos cânceres de cabeça e pescoço e 14% dos cânceres de faringe; 25% dos tumores malignos de nasofaringe são linfoepitelioma (6).

A incidência de carcinoma de nasofaringe, de 1984-988, na população de Hong Kong, foi de 27,3 para 100 mil homens e 10,6 para 100 mil mulheres; com incidência ascendente no final da segunda década de vida, atingindo platô entre a quarta e sexta décadas, e não apresentando nenhuma ascendência nos grupos etários subseqüentes. Isto corrobora a teoria da exposição a agentes carcinogênicos ou redução da susceptibilidade com a idade (consumo grande de "salted fïsh", alimento tradicional do sudeste da China e dos "boat people") (2).

A incidência no sexo masculino é maior que no feminino (3 : 2) (8).

Histologicamente, pode abranger toda a categoria de neoplasias epiteliais e mesenquimais, sendo em 85% dos casos, carcinomas do tipo espinocelular, variando de pouco diferenciados a bem diferenciados, tendo origem na superfície epitelial, sendo 10% linfomas. Outros tipos histológicos, como: adenocarcinomas, sarcomas, melanomas, plasmocitomas etc... são bem raros, constituindo cerca de 5% dos tumores malignos de nasofaringe (9). O linfoepitelioma, hoje, é considerado como uma das variedades do tipo planocelular, onde encontramos intensa infiltração linfóide no estroma fibroso do tumor. Em relação à infiltração linfóide, ocorre predomínio de células T em relação às células B, dentro da massa tumoral (mais especificamente, predomínio de T8 em relação a T4 - T helper - na sua maioria). Linfócitos B têm sido identificados na periferia dos carcinomas (7, 10).

Está bem documentada a associação do vírus Epstein Barr, linfoma de Burkitt aos tumores malignos de nasofaringe: detecção de DNA viral e antígenos virais nas células tumorais; alta titulação de anticorpos nos pacientes acometidos pelo tumor (7, 5). Há estudos relatando que 93% dos pacientes portadores de linfoepitelioma apresentam altos títulos de anticorpos contra o vírus Epstein Barr, em contraste com apenas 5% em relação aos outros tipos histológicos (2).

Esses tumores, via de regra, se apresentam, desde o início, com poucas manifestações
clínicas (5).

O diagnóstico relaciona-se com anamnese cuidadosa, principalmente quanto a queixas como obstrução nasal, rinorréia, epistaxe, otites, hipoacusias, massas cervicais (6).

A sintomatologia cervical se traduz pelo enfartamento ganglionar, que pode estender-se também ao mediastino superior (6, 8).

O acometimento nasal apresenta obstrução unilateral ou bilateral e epistaxe (em 50% dos casos de pouca significância) (5).

Os sintomas otológicos podem ser: hipoacusia condutiva por infiltração da musculatura tubária, com retração timpânica e posterior otite secretora (5).

O quadro neurológico, quando há invasão intracraniana, geralmente, é mais tardio, podendo haver envolvimento do quinto par (segunda divisão), antes de haver acometimento do nervo abducente, traduzindo-se por dor malar, odontalgia superior, parestesia, trismo. Cefaléia e hipertensão intracraniana podem ser relatadas (8).

O exame clínico criterioso, exame endoscópico e biópsia dos tecidos suspeitos, juntamente com o estudo radiológico, tornam possível o diagnóstico (6, 8).

A tomografia computadorizada é o exame mais indicado na avaliação da doença e no planejamento terapêutico radioterápico; a ressonância magnética também pode ser utilizada, principalmente quando se suspeita de invasão intracraniana e envolvimento de grandes vasos. O exame radiológico do tórax tem importância na detecção de metástases à distância (6, 8).

O tratamento de escolha para o carcinoma de nasofaringe é o radioterápico, precedida ou não pela cirurgia, na dependência de cada caso. Isso por ser o menos agressivo ao doente, além do que a disseminação bilateral por metástases cervicais é freqüente, como também, a presença de linfonodos em áreas pouco acessíveis às cirurgias (12, 13). Reserva-se o tratamento cirúrgico, preferencialmente, nas pequenas lesões residuais de nasofaringe ou nos casos de redução da massa tumoral no cavum; e o esvaziamento cervical em casos de doenças persistentes após terapêutica irradiante ou recorrência; a quimioterapia pode ser usada como coadjuvante da radioterapia (14).

APRESENTAÇAO DO CASO CLINICO

M. P. M.; 22 anos, sexo feminino; cor branca; casada; procedente de Fortaleza.

Deu entrada em nosso serviço (Hospital da Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), em 20/9/89, com história de obstrução nasal há oito meses, acompanhada de secreção purulenta e odinofagia; e há 3 dias com epistaxe contínua. A paciente foi internada devido ao sangramento importante, e transfundida com sangue total; estava grávida (idade gestacional de aproximadamente dezoito semanas).

No exame de entrada, a rinoscopia anterior apresentava-se normal; à rinoscopia posterior, observava-se massa de aspecto irregular, consistente, localizada mais à direita da rinofaringe. Apresentava dois gânglios cervicais (direito e esquerdo), endurecidos, móveis e dolorosos de aproximadamente 1 centímetro. Ao Rx simples de seios da face: velamento de seio maxilar esquerdo e espessamento da mucosa à direita; redução do calibre da coluna aérea da rinofaringe, que se apresentava deslocada anteriormente, devido a aumento de partes moles, posteriormente; velamento heterogêneo das fossas nasais (Fig. 1).

Na tomografia computadorizada, observou-se massa de 43 milímetros acometendo rino e orofaringe, à direita, causando redução da coluna aérea; não se observando limites nítidos com relação às partes profundas laterais; preservava lâmina pterigóide; velamento e espessamento mucoso de antro esquerdo, células etmoidais e seio esfenoidal (Figs. 2 e 3).

A paciente foi submetida à ressecção da massa em rinofaringe, em 12/10/89, para exame de anatomopatológico e tentativa de tamponamento eficaz, uma vez que persistia com sangramento contínuo e já havia sido submetida a quatro transfusões com sangue total.

O anatomopatológico revelou tratar-se de linfoepitelioma.

Após a cirurgia, foi submetida a tratamento radioterápico, iniciado em 09/11/89, com campos de irradiação paralelos e opostos que englobaram rinofaringe e respectivas áreas de drenagens, e campo anterior para gânglios de fossa supra clavicular direita e esquerda. Tendo recebido 7000 CGY na localização primária do tumor e drenagem comprometida, e, 5000 CGY nas demais. Em gânglios cervicais posteriores, após proteção da medula, usou-se elétrons de 9 MEV, no período de 09/11/90 a 30/01/ 90. Apresentou importante mucosite durante o tratamento, tendo que interrompê-lo por duas vezes, durante um período de aproximadamente dez dias.



FIGURA 1



FIGURA 2



FIGURA 3



Em 31/01/90 concluiu gestação a termo, com feto normal. Vem sendo feito acompanhamento clínico e fibroscópico da paciente, a qual não apresenta recidiva, até a presente data.

No início de 1991, apresentou metástase óssea em quadril (ilíaco direito), tendo sido submetida à radioterapia local e quimioterapia (CHOP-MTX) por, aproximadamente, um ano. Em dezembro de 1991, foi internada por pneumonia focal, apresentando também perfuração timpânica bilateral com secreção purulenta, leucopenia e mucosite severa, devidas à RDT e QT associadas. Nas fibroscopias, que vem sendo realizadas, não apresentou sinais de recidiva local. Vem sendo acompanhada, periodicamente, com evolução satisfatória, sem ter apresentado novas metástases.

DISCUSSÃO

Os tumores malignos de nasofaringe são raros, especialmente em crianças; sua incidência em adultos jovens parece estar relacionada com susceptibilidade genética e exposição a agentes carcinogênicos. A associação destes tumores com o vírus Epstein Barr e linfoma de Burkitt está comprovada, especialmente quando se trata de linfoepitelioma: nesse caso a maioria dos pacientes apresenta altos títulos de anticorpos contra o vírus. O linfoepitelioma apresenta outra particularidade que é a intensa infiltração linfóide na massa tumoral. O diagnóstico depende de anamnese acurada, exame endoscópico com biópsia e tomografia computadorizada com contraste.

No caso clínico descrito, devido às suas peculiaridades: gestante, sangramento intenso e contínuo de nasofaringe e extensão tumoral, optou-se pela ressecção cirúrgica prévia, o que possibilitou o diagnóstico; com posterior complementação radioterápica. A quimioterapia foi feita por ocasião da ocorrência de metástase óssea, dois anos após a intervenção cirúrgica. Ressalta-se a evolução satisfatória da paciente no últimos quatro anos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Médica Pós-graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Médico Otorrinolaringologista.
*** Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Pernambuco.
**** Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP.

Trabalho realizado na divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e LIM 32. Chefe do Serviço: Professor Dr. Aroldo Miniti.
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar; 255 -6° andar - CEP: 05403 - São Paulo - SP.

Artigo recebido em 09 de fevereiro de 1996.
Artigo aceito em 15 de abril de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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