INTRODUÇÃOEm 1991, o Instituto Nacional da Saúde (U.S.A.) organizou uma reunião de especialistas em neurinoma do acústico (NA), a fim de obter consenso sobre conduta terapêutica. Concluiu-se que o melhor tratamento para esta afecção é a exérese total do tumor num único tempo cirúrgico, preservando-se ao máximo as funções neurológicas (WIET et al., 1995). Entretanto, há condições onde a cirurgia não pode ou não deve ser praticada como, por exemplo, em pacientes idosos e/ou sem condições clínicas para a cirurgia, ou quando a lesão localiza-se na única orelha útil do paciente ou, simplesmente, quando o paciente recusa-se a ser operado. A decisão cirúrgica, considerando-se os riscos operatórios torna-se grande dúvida para o otologista que detectou N.A. num paciente idoso ou pequeno N.A. num paciente jovem e praticamente assintomático.
Figura 1 - Tomografia computadorizada mostrando alargamento do conduto auditivo interno à direita.
Figura 2 - Ressonância magnética evidenciando o tumor intracanalicular à direita.
Como a taxa de crescimento do N.A. é lenta ou muito lenta (e por vezes até mesmo nula), mesmo em casos onde a cirurgia é factível, alguns otologistas optam por atitude conservadora, avaliando periodicamente o tamanho do tumor através da tomografia computadorizada ou, como de preferência nos dias atuais, através da ressonância magnética. Na eventualidade de crescimento acelerado do tumor ou do surgimento de complicações, o paciente, já inteirado destas possibilidades, terá, aí sim, indicação cirúrgica. Mas, como afirma STERKERS (1993), é impossível dizer se esta espera é vantajosa, já que, no que concerne à preservação cirúrgica das funções do nervo facial e do intermédio, é preferível operar o mais precocemente possível, apesar do sacrifício da audição.
O caso que aqui relatamos presta-se bem a acirrar esta polêmica, visto que em 22 anos de seguimento de um caso de N.A. não operado não houve nenhuma alteração do quadro clínico e, radiologicamente, não se detectou nenhuma alteração nas dimensões do tumor.
RELATO DE UM CASOPaciente de 44 anos de idade, do sexo feminino, apresenta-se para exame otorrinolaringológico em maio de 1973, com queixa de hipoacusia e zumbido no lado direito, sem tontura, há um ano. Exame otorrinolaringológico normal. Audiometria: hipoacusia sensorioneural de 30 dB para os tons graves, caindo até 60 dB para os tons agudos. Discriminação vocal de 60 % à direita. Audição normal à esquerda. Hiporreflexia vestibular à direita, ao exame otoneurológico. Radiografia: alargamento do conduto auditivo interno direito. Pneumoencefalografia: resultado não conclusivo. Iodocisternografia: neurinoma intracanalicular. A paciente se opôs à cirurgia. Nos sucessivos controles radiográficos contrastados, observou-se que a lesão, com o correr dos anos, foi mantendo-se inalterada (Figura 1). Audiometria de respostas evocadas, feita em 1984, mostrou aumento do tempo de latência da onda V, resultado este que se manteve nos exames periódicos. A ressonância nuclear magnética, em 1988, mostrou a lesão intracanalicular, dando a impressão de ser neurinoma do VIII° par. Este exame, repetido em 31.5.95, mostrou que a lesão estava praticamente inalterada (Figura 2). As sucessivas audiometrias feitas desde o início mostraram queda lentamente progresssiva da audição em todas as freqüências, atingindo em 20.6.95 nível de 90 dB para os tons mais graves e 105 dB para os agudos.
DISCUSSÃONos últimos 35 anos, houve enorme evolução na capacidade de diagnóstico c tratamento do N.A.. Atualmente, com o advento da ressonância magnética, mínima lesão intrameatal pode ser detectada e, por vezes, isto ocorre em pacientes muito jovens. Como afirmam ANAND et al. (1992), o paciente jovem com N.A. intracanalicular e boa audição oferece um dilema terapêutico: deve ele ser operado ou acompanhado clínica e radiologicamente com exames periódicos? E o que dizer da indicação cirúrgica quando em paciente idoso? Para responder a estas questões, alguns pontos devem ser considerados.
A cirurgia do N.A., apesar do enorme desenvolvimento que teve, continua, segundo STRASNICK et al. (1994), a apresentar certos riscos: perda de audição, paralisia facial, fístula liquórica e acometimento do tronco cerebral, mesmo nas mãos mais experimentadas.
Para OGAWA et al. (1991), o crescimento do N.A. pode ser afetado por diversos fatores: idade (cresce mais rápido no jovem do que no idoso), sexo (desenvolve-se mais rápido na mulher do que no homem, particularmente durante a gestação), patologia (receptores de estrógeno têm sido demonstradas nos N.A., unas outros estudos são necessários para verificar se há correlação positiva entre eles e o crescimento do tumor) c tamanho do tumor (o crescimento é maior nos tumores de maior volume).
Opinião contrária tem BEDERSON ct al. (1991) que, acompanhando 70 pacientes portadores de N.A., e que não foram operados, verificaram que não houve relação significante entre a taxa de crescimento do tumor e o tamanho do mesmo, a idade do paciente, o sexo, ou o tempo de duração dos sintomas no momento do exame inicial.
Já NEDZELSKI et al. (1986) afirmaram que o crescimento do N.A. não depende do seu tamanho logo que diagnosticado e observaram que crescimentos mais lentos dos tumores ocorrem com mais freqüência em pacientes com mais de 60 anos de idade.
A melhor oportunidade para o sucesso da remoção do N.A., para HOUSE et al. (1987), é oferecida ao se diagnosticá-lo quando ainda pequeno. Eles removem cirurgicamente todos os N.A., desde que as condições de saúde dos pacientes o permitam, sem levar em consideração a idade dos mesmos. Acreditam que as vantagens da cirurgia imediata suplanta os riscos da cirurgia procrastinada, já que o avanço da idade do paciente, o aumento do tumor e as condições gerais de saúde podem contribuir negativamente para o sucesso do tratamento cirúrgico. Ponderam, também, que o aumento progressivo da expectativa de vida apóia a idéia da remoção total do tumor em pacientes idosos sadios.
Já STRASNICK et al. (1994), que acompanharam prospectivamente a evolução do tumor e a progressão dos sintomas por período médio de 2,6 anos em 51 pacientes com evidência radiográfica de N.A., concluíram, ressalvado o curto período de acompanhamento, que número significante de pacientes com N.A. podem ser seguramente acompanhados através de estudos regulares de imagens e podem jamais necessitar de cirurgia. SARAZIN et al. (1993) compartilham desta mesma idéia. BEDERSON et al. (1991) tiveram experiência semelhante: acompanhando conservadoramente 70 dentre 178 pacientes com N.A. por período médio de 26 meses, observaram que em 28 (40%) os N.A. não tiveram crescimento detectável. Observaram, também, que a taxa de crescimento determinada durante o primeiro ano de acompanhamento de cada paciente foi preditiva da taxa de crescimento no ano seguinte, chamando também a atenção para o período médio de seguimento de 26 meses apenas. Em quatro casos, o tumor mostrou aparente regressão. Para os autores, estes dados devem ser levados em consideração na avaliação da indicação cirúrgica. Num dos pacientes acompanhados por STRASNICK et al. (1994) o N.A., após permanecer quiescente por 6 anos, teve seu tamanho dobrado nos 2 anos seguintes. Todavia, é interessante a observação de HOUSE et al. (1987) de que rápida alteração no tamanho do tumor pode ser o resultado de hemorragia intratumoral, formação cística ou edema localizado.
Para SILVERSTEIN et al. (1985), 80% dos N.A. não operados parecem crescer lentamente (0,2 cm/ano), enquanto 20% crescem em taxa mais rápida (1 cm/ano). Para NEDZELSKI et al. (1986), que acompanharam 23 pacientes com mais de 60 anos de idade, portadores de N.A., por período médio de 3,83 anos, a taxa média de crescimento anual dos tumores foi de 0,22 cm. Afirmaram, todavia, não ser possível fazer previsão para determinado paciente devido às variações nas taxas de crescimento entre os diferentes casos. Segundo CLARK et al. (1985), o desenvolvimento dos N.A. vai se tornando conhecido com as diversas publicações de casos acompanhados conservadoramente através das tomografias computadorizadas. Outros acham que o seguimento destes casos deve ser feito através da ressonância magnética (WIET et al., 1995).
Para ANAND et al. (1992), a grande discrepância que existe entre o número de N.A. encontrados em autópsias e os casos diagnosticados pode ser explicada, em parte, pelo fato de que alguns destes tumores têm crescimento extremamente lento e com freqüência não atingem estágio sintomático durante a vida do paciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. WIET, R. J.; ZAPPIA, J. J.; HECHT, C. S.; O'CONNOR, C.A. - Conservative management of patients with small acoustic tumors. Laryngoscope, 105: 795-800, 1995.
2. STERKERS, J. M. - Le neurinome de l'acoustique. Rev. Laryngol. Otol. RMol. (Bordx), 114: 117-20, 1993.
3. ANAND, V. T.; KERR, A. G.; BYRNES, D. P.; SMYTH, G. D. L. - Non-surgical management of acoustic neuromas. Clin. Otolaryngol, 17: 406-10, 1992.
4. STRASNICK, B.; GLASSCOCK M. E. III; HAYNES, D.; McMENOMEY, S. O.; MINOR, L. B. - The natural history of untreated acoustic neuromas. Laryngoscope, 104: 1115-9, 1994.
5. OGAWA, K.; KANZAKI, J.; OGAWA, S.; YAMAMOTO, M.; IKEDA, S.; SHIOBARA, R. - The growth rate of acoustic neuromas. Acta Otolarytigol. (Stockh.) Suppl., 487: 157-63, 1991.
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7. NEDZELSKI, J.M.; CANTER, RJ.; KASSEL, E.E.; ROWED, D.W.; TATOR, C.H. - Is no treatment good treatment in the management of acoustic neuromas in the elderly? Laryrrgoscope, 96: 825-9, 1986.
8. HOUSE, J. W.; NISSEN, R. L.; HITSELBERGER, W. E. - Acoustic tumor management in senior citizens. Laryngoscope, 97: 129-30, 1987.
9.SARAZIN, L.; JOLIVET, O.; DOYON, D. - Évaluation informatique du volume tumoral en IRM - applications à la surveillance des neurinomes de l'acoustique. J. Radiol., 74: 455-60,1993.
10. SILVERSTEIN, H.; McDANIEL, A.; NORRELL, H.; WAZEN, J. - Conservative management of acoustic neuroma in the elderly patient. Laryngoscopc, 95: 766-70, 1985.
11. CLARK, W.C.; MORETZ, W.H.Jr.; ACKER, J.D., GARDNER, L.G.; EGGERS, F.; ROBERTSON, J.H. - Nonsurgical management of small and intracanalicular acoustic tumors. Neurosurgery, 16: 801-3, 1985.
* Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
** Residente R2 do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
*** Residente R1 da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Residente R3 do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
***** Acadêmico do 4.º ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Rua Pedro de Toledo, 1800. São Paulo (SP) - CEP 04039-004.
Apresentado na 11.ª Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia de 1 a 4.11.95, em Belo Horizonte, MG.
Artigo recebido em 05 de janeiro de 1996.
Artigo aceito em 18 de março de 1996.