ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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227 - Vol. 33 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1965
Seção: - Páginas: 53 a 62
SINDROME DE BARRË-LIEOU
Autor(es):
Fernando Simas (*)

Resumo: O autor refere-se ao Síndrome de Barré-Lieou fazendo um estudo da bibliografia existente; dos cinco casos seus, descreve um, para mostrar a sequência dos exames para fins diagnósticos. No capítulo dedicado ao estudo das Labirintopatias, sobressai uma entidade simpático-cervical capaz de determinar fenômenos vasculares anômalos com repercussão para as unidades fisiológicas os labirintos.

Queremos nos referir ao síndrome de Barré-Lieou, ou como na atualidade vem sendo descrita e pesquizada: síndrome da artéria vertebral.

BARRÉ e LIEOU descreveram uma cérvico-artrose como lesão primitiva, mais particularmente uma discopatia da C5 - C6 ou C6 - C7, capaz de influir no funcionamento dos labirintos.

Na etiopatogênia descrita pelos autores, os mesmos concluem que a artrose cervical provoca perturbações do simpático, que por sua vez determina modificações vaso-motoras ao nível da artéria vertebral e de seus ramos.

Do estudo da anatomia do labirinto, sabemos que a artéria vertebral concorre para a vascularização de uma parte de zonas cócleo-vestibulares em particular pela artéria principal e a artéria acessória da fossa lateral do bulbo, assim como da cerebelosa inferior.

No que concerne a artéria auditiva interna, que nasce ou diretamente do tronco basilar, ou da cerebelosa média concorre para irrigação do órgão sensorial periférico através de seus três ramos, sendo a principal a artéria espiral do modiolo (BAST-ANSON)

SIPEGEL-SOMMER ao se referirem a artéria auditiva interna assim se pronunciam: "é uma artéria terminal cujo estado de repleção depende de plexo vertebral que circunda a artéria vertebral e suas ramificações e procede da cadeia simpático-dorsal e do gânglio cervical inferior; compreende-se por isto que as perturbações vaso-motoras no território de distribuição da artéria vertebral podem produzir-se simultâneamente modificações funcionais, tanto do órgão terminal periférico do VIIIº par, como de seus correspondentes centros bulbares".

Mais além os mesmos autores explicam que das exitações procedentes do plexo vertebral, o sistema nervoso vegetativo influe sôbre o estado de contração dos vasos labirínticos, mediante impulsos transmitidos ao longo do simpático cervical até o gânglio cervical superior.

Recordamos com RIUS que a êste sistema arterial tão desenvolvido junta-se um simpático perivascular muito rico, que vem com os plexos vertebral e carotidêo interno e que tem uma ação vaso motora indiscutível sôbre o aparelho vestibular.

AZOY fala de uma atitude defeituosa cérvico-raquidiana que produziria uma exitação ou paralisia das diferentes partes que compõem o sistema de equlíbrio, e que determinaria reflexos motores do tipo movimento forçado graças ao mecanismo do "Stellreflexe" de Magnus.

LEMOYNE ao estudar as vertigens com transtornos do equilíbrio (fig. 1) refere-se a artrose cervical como capaz de determinar variações no equilíbrio vaso-motor do labirinto, seja por ação direta sôbre o simpático cervical, seja por compressão da artéria vertebral.


Fig. 1 (Apud Lemoyne)


No estudo clínico dêste síndrome temos como sinais evidentes de reação labiríntica, os zumbidos de timbre agudo, a hipoacusia mais rara, podendo alguns casos o audiograma evidenciar uma curva do tipo percepção.

Com referência ao sinais vestibulares são os mesmos traduzidos por um estado vertiginoso, mais exatamente uma vertigem larvada, sensação de instabilidade, insegurança de equilíbrio.

Estas vertigens larvadas são em geral de curta-duração: alguns segundos.

No estudo clínico concordamos com AUPRY e PIALOUX no que se refere a não existência do nistagmo expontâneo, podendo as vêzes se apresentar um nistagmo revelado pelos movimentos bruscos da. cabeça.

O nistagmo de posição é as vêzes notado e decorrente da modificação da artéria vertebral já alterada e que se apresenta pela rotação da cabeça.

O desvio da indicação tem sido algumas vêzes assinalado, e pode ser unilateral; as vêzes a prova calórica apresenta ligeiras modificações ora com hipersensibilidade estibular, ora com hipoexcitabilidade; é um síndrome cócleo-vestibular discreto.

Com referência aos sinais neurológicos associados, a cefaléia é o elemento mais constante; as dôres cérvico-branquiais vez por outra expontâneas, e reveladas pelos movimentos do pescoço, tendo aí seu ponto inicial com reflexos para a espádua e membro superior.

Outros fenômenos dolorosos têm sido constatados à distância, mal estar da faringe e as vêzes da laringe; dores oculares acompanhadas ou não de escotomas cintilantes.

No dizer de PORTMANN a cefaléia seria ocipital posterior com irradiações anteriores retro-orbitárias.

O mesmo autor reputa de grande importância a verificação radiográfica da coluna, para assinalar as hernias de disco, a cérvicoartrose, capazes de determinar uma degeneração com deformação dos espaços intervertebrais. Essas lesões é que determinam irritação mecânica com inflamação dos filetes simpáticos peri-vertebrais.

Para AUBERT, os pacientes portadores desse síndrome tem as seguintes características: vertigens, zumbidos, e uma surdez que no audiograma cai em lise, como nas arterites do ouvido interno.

Dos cinco casos por nós observados, um merece ser descrito, pois a sequência da observação nos mostra como devem ser explorados.

E. F. - 60 anos, branca, brasileira, casada - prendas domesticas - Curitiba.

Queixas e Duração - Refere cefaléias ocipitais e frontais crises vertiginosas violentas em período de espaço que varia de 3 a 4 meses, seguidas de zumbidos e náuseas, que a faz permanecer em completo repouso durante 4 a 5 dias.

A paciente diz sentir mal estar na garganta e as vêzes surtos espasmódicos na deglutição com repercussão laringeana.

O início dessa sintomatologia data de cinco anos, mas ultimamente tem havido exacerbação dos mesmos.

Antecedentes individuais - Portadora de uma hérnia diafragmática e espôndilo-artrose.

Antecedentes hereditários - sem particularidades.

Exame físico:
Orofaringoscopia - Nada foi constatado.
Nariz e cavidades anexas - Nada a registrar.
Orelhas: - otoscopia: Tímpanos despolidos

SILGLE evidencia mobilidade da membrana do tímpano: Cateterismo da trompa de Eustáchio com auscultação, traduz permeabilidade das mesmas.

Audiometria. - Curva baixa para sons graves que são percebidos à 40 dcb e 50 dcb; queda em lise ao nível dos sons médios: em 1.024 é audível à 75 dcb, sendo de 95 dcb em 4.096; os sons agudos não são audíveis.

Radiografia da coluna cervical - Osteófitos em bico ao nível da C5 - C6, espaço intervertebral diminuído (figs. 2 e 3), completa deformação da coluna, superfície ósteo-articulares espessadas e irregulares. Núcleos de densidade cálcica próximo às extremidades distais das apófises espinhosas das últimas cervicais.


Fig. 2



Fig. 3


Exame vestibular
Equilíbrio - Romberg negativo, Manns negativo, Romberg labiríntico ligeira queda para direita. Prova de Barré (fio a prumo) - Ligeiro desvio de 54 para à direita.

Prova de Unterberger (marcha parada) com olhos fechados em 1 minuto observamos desvio de 45º para a direita.

Exame cerebeloso

Prova dos braços estendidos, não há desvio.
Prova da indicação, não há desvio do ponto fixo.
Prova do dedo-rótula-nariz, boa coordenação.
Diadococinesia, habilidade normal.
Prova de Stewart-Holmes, normal.

Exame do nistágmo - Ausência de nistágmo expontâneo na posição normal da cabeça.

Nistágmo de posição presente, e do tipo II de Nylen ao efetuarmos a mudança da paciente do decúbito dorsal para o lateral direito; está igualmente presente, sendo de menor intensidade no giro para decúbito lateral esquerdo; o tempo de latência foi de 5" em média, com 20" de duração do nistágmo; seguiu-se intensa sensação vertiginosa de caráter paroxístico.

A doente reagiu procurando uma situação de acomodação na posição semi-deitada.

Prova calórica de FRENZEL - Água 18º verificamos hipoexcitabilidade labiríntica mais evidente à direita, com os dados assim coligidos estamos armados para formular o diagnóstico de síndrome de Barré-Lieou.

A doente como medicação já tinha sido submetida a uma série de radioterapia e massagens da coluna; conseguiu uma melhora relativa, e atualmente vai submeter-se à trações da coluna com orientação.

SANDSTRÖM ao estudar o assunto conclue que êssa síndrome é muito comum entre os 50 e 60 anos, desenvolve-se vagarosamente com manifestações intermitentes, a causa tem sido atribuida à isquemia na distribuição da área da artéria vertebral, mais frequentemente devido às mudanças patológicas na espinha cervical.

O mesmo autor refere estudos de necrópsias realizadas, onde foi possível demonstrar que a rotação e curvatura da espinha cervical, podem mecânicamente comprimir a artéria vertebral, e também uma certa extensão interna da artéria carótida (fig. 4).


Fig. 4 (Apud Sandström)


Neste esquema podemos verificar em (1) compressão da artéria carótida pelo processo transverso do atlas, (2) distorção da artéria vertebral que repousa sóbre o atlas, (3) osteófitos comprimindo a artéria vertebral, e (4) sítio frequente de placas de arterioesclerose na artéria carótida. Os movimentos da cabeça relativamente moderados podem afetar os vasos e assim a circulação cerebral.

Mais recentemente BRAIN assim se expressa: "a ateromatose das artérias vertebrais torna extremamente perigoso o deslocamento vascular, pelos osteófilos que progridem a partir das articulações intervertebrais, podendo desviar o vaso entre C2 e C3, em seu trajeto na direção da apófise transversa da Cl. Admite-se, inclusive, a possibilidade de deslocamento de trombos, a partir das vertebrais, não mais subsistindo dúvidas de que a espondilose seja capaz de intensificar a isquemia vertebro-basilar causada pela ateromatose.

Para AUBRY pode haver um sucessão de crises paroxísticas, e também há possibilidade de uma forma reflexa de origem hepática, estomacal, concluindo por uma forma essencial que seria homóloga à nevralgia essencial do trigêmeo.

RIUS cita ainda como causa capaz de determinar tal síndrome, os processos pulmonares apicais.

Na interpretação de MCNALLY, é evidente em certos indivíduos a compressão da artéria vertebral resultando anoxia do sistema basilar conduzindo para a vertigem.

No dizer de MAWSON a isquemia é intermitente, e a condição típica da compressão é determinada pelos movimentos da cabeça especialmente na rotação lateral ou em extensão.

Com finalidade de mostrar a evidência dos fatos, vamos descrever o caso de BARBER, aliás muito elucidativo: Tratava-se de uma mulher de 58 anos com arterite reumática avançada, e que apresentava vertigem de rotação e presença de nistágmo de posição. O Rx da coluna cervical mostrava uma sub-luxação da C1 sôbre C2, medindo 8 a 9 mm.

Sôbre contrôle radiográfico foi executada uma angiografia axilar retrógada no lado direito com múltiplas injeções de 50 e 75% de "Hypaque", dando uma boa repleção da artéria vertebral direita,
e obtida assim uma demonstração de fluição basilar. Propositadamente a cabeça da paciente foi então virada para a esquerda, e nesse momento ela protestou pois sentiu mal estar, o Rx. neste tempo mostrou completa obstrução da artéria vertebral, exatamente ao entrar no foramen transverso da C1. A obstrução persistiu até quando a cabeça foi colocada em posição neutra, o que sugeriu que tanto a sub-luxação como a formação de osteófitos estavam causando a interrupção da corrente sangüínea.

O tratamento dêste síndrome é fundamentalmente ortopédico com trações da coluna para diminuir os efeitos da compressão sóbre os vasos, e com imobilização da coluna.

SUMMARY

The authors refears to the Síndrome of Barré-Lieou making one study of existent bibliografy; at the five cases yours; describe one to show the sequence of the tests to diagnosis conclusion.

BIBLIOGRAFIA

1) AUBRY, M. - Oto-Neurologie - Masson Cie - Paris - 1944 - pags. 202-203.
2) AUBRY, M. - Pialoux P - Maladies de L'oreille Interne et Oto Neurologie. Massou Cie - Paris - 1957 - pags. 319-320.
3) AUBERT, M. - Vertiges et Surdités d'origine Vasculaire - Masson Cie. Paris - 1958 - pags. 49-51.
4) AZOY, A. - El Vértigo - Estudio Fisiopatológico - Manuel Marin - Editor Barcelona - 1948 - pg. 123.
5) BAST, TH - ANSON, B. - The Temporal Bone and the Ear - Charles Thomas, Publisher Springfield - Usa - 1949 - pgs. 95-96.
6) BARBER, H. O. - Positional Nystagmus: Testing and Interpretation - Toronto Canada - The Annals of Otology, Rhinology - Laryngology - Vol. LXXIII - September 1964 - N° 3 - pgs. 838-849.
7) BRAIN, L. - Some Unsolved problems of cervical spondylosis - Bristish Medical Journal - 1-771 - 4 - 1963.
8) LEMOYNE, J. - Les Examens Cito- Rhino-Laryngologiques en Neurologie - Masson Cie - Paris 1956 - pgs. 115-117.
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10) MAWSON, S. - Diseases of the Ear - Edward Arnold (publishers) Ltd. London 1963 - pg. 475.
11) PORTMANN, G. - Oto-Rhino-Laryngologie G-Doin Cie - Paris - 1960 Tome 1 - pgs. 973-974.
12) RIUS, M. - El Espacio Perilinfatico otico - Montevideo - Mosca Hermanos Editorial - 1943 - pg. 164.
13) RIUS, M. - Laberintopatias Angiopaticas - Montevideo - Uruguay - Tratado de Oto-Rino-Laringologia y Bronco - Esofagologia - Primera Parte - Editorial Paz Montalvo - Madrid - 1961 - pgs. 471-472.
14) SANDSTRÖM, J. - Cervical Syndrome with vestibular symptoms - oto-laryng. 54: 207-226 - Marc - Apr., 1962.
15) SPIEGEL, E. A. - Sommer, 1 - Oto-Neuro-Oftalmologia - F. seix - Editor - Barcelona - 1937 - pg. 318.

(*) Professor de Ensino Superior da Faculdade de Med. da Univ. do Paraná. Trabalho apresentado na "1.ª Jornada Sulriograndense de Otorrinolaringologia" realizada em Pôrto Alegre de 11 a 15 de novembro de 1964.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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