ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2264 - Vol. 62 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1996
Seção: Artigos Originais Páginas: 463 a 467
Ronco e Apnéia Obstrutiva do Sono - Tratamento com Laser de CO2 - Resultados Preliminares.
Autor(es):
José Antônio Pinto*,
Denilson S. Fomin*.

Palavras-chave: Ronco, apnéia

Keywords: Snoring, apnea

Resumo: O ronco é problema comum e pode estar associado com a Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono (SASO). Desde os fins da década de 80, tem-se empregado os raios laser de CO2, no seu tratamento, com o nome de LAUP (Laser Assisted Uvulopalatoplasty),para alargar as vias aéreas superiores (V.A.S.), remodelando a úvula, palato mole e pilares amigdalianos. Os autores apresentam sua experiência em 131 pacientes submetidos a LAUP ambulatorial para tratamento do ronco e apnéia do sono leve/moderada, com 96% de melhora do ronco e da sonolência diurna e baixos índices de complicações.

Abstract: Snoring is a common disorder and may be associated with obstructive sleep apnea. Since the end of 1980, the CO2, laser is being used in the treatment of snoring and mild obstructive sleep apnea as LAUP(Laser Assisted Uvulopalatoplasty), to enlarge the oropharyngeal airway by reshaping the uvula, soft palate and tonsillar pilars. The authors present the experience in 131 patients treated by office LAUP with an overall of 96% improvement rate of snoring and daytime somnolence and very low complication rates.

INTRODUÇÃO

O ronco é o resultado da obstrução parcial das vias aéreas superiores (V.A.S.), com conseqüente vibração das estruturas da faringe, principalmente da úvula e do palato mole.

Pode estar associado com a síndrome da apnéia do sono obstrutiva (SASO), na qual o paciente apresenta pausas respiratórias durante o sono, levando-o a estado de hipoventilação crônica. Evidências clínicas atuais sugerem que o ronco e a SASO estão associados com doenças cerebrovasculares, incluindo arritmias cardíacas e outros distúrbios hemodinâmicos (1). O ronco afeta 25% da população em geral, enquanto que a SASO atinge de 2% a 4%. Fatores agravantes, como a idade e a obesidade, pioram o quadro.

Vários métodos têm sido utilizados no tratamento do ronco e da SASO, como perda de peso, mudanças de hábitos, uso de aparelhos de pressão nasal positiva (CPAP) e cirurgias.
No Japão, em 1952, lkematsu (2), iniciou procedimentos cirúrgicos de ressecção parcial da úvula e do palato seguido por Fujita e Simmons (3), em 1981, nos Estados Unidos, onde estabeleceram a sistematização cirúrgica através da uvulopalatofaringoplastia (UPFP).

A morbidade destes procedimentos que exigem internação hospitalar, anestesia geral, maior tempo de recuperação e maior potencial de complicações, associado ao uso do laser de CO2, fez com que surgissem novas opções de tratamento deste complexo problema.

Kamami (4), em 1988, na França, introduziu o laser de CO2 na cirurgia do ronco. O laser de CO2 é composto de raios luminosos de alta intensidade de energia que produzem ablação dos tecidos pela ação térmica, com a vaporização da água das células e precipitação das proteínas intracelulares.

Esta ação da radiação laser sobre os tecidos resulta em maior efeito hemostático, com obliteração de vasos até 0,5 mm de diâmetro, menor edema pós-operatório, diminuição do tempo cirúrgico e melhor recuperação dos pacientes.



Figura l. Aplicação de raios laser com peça manual especial para orofaringe (Backstop).



Figura 2. Aspecto pré-operatório da orofaringe.



Figura 3. Aspecto trans-operatório da LAUP, mostrando as fendas laterais no palato mole.



Figura 4. Aspecto pós-operatório da LAUP.



O nosso estudo visa demonstrar, através de 131 - pacientes submetidos a LAUP, os resultados cirúrgicos, bem como a discussão da técnica e suas complicações.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram avaliados 131 pacientes portadores de ronco e SASO, candidatos a cirurgia de LAUP, no período de janeiro de 1995 a julho de 1995, no Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo: 116 (88%) do sexo masculino, 15(12%) sexo feminino, com idade média de 50 anos, variando de 27 a 70 anos.

A rotina para estes pacientes incluiu, anamnese geral e de conteúdo especial, exame otorrinolaringológico completo e de cabeça e pescoço, exame de endoscopia de VAS, com manobra de Muller sentado e deitado, cefalometria e polissonografia (PSG) realizados em 15 e 35 pacientes, respectivamente. Todos os pacientes apresentavam ronco, e 30 tinham apnéia associada (23%), sendo 17 (57%) apnéia leve (5 à 20 ap/ hora), 13 (43%) apnéia moderada (21 à 40 ap/hora).

O paciente é pré-medicado com Atropina, uma ampola e Diazepam 10mg, intramuscular, antes do procedimento cirúrgico. A seguir, é colocado sentado e com a boca aberta, realizando-se anestesia tópica com Xilocaína 10% ("spray") e, após 5 minutos anestesia local, com infiltração de 3- 5 ml de Xilocaína 2% (sem vasoconstrictor) na região de palato mole e úvula. Deve-se evitar infiltração excessiva de anestésicos, afim de não inibir a ação dos raios laser.

Temos utilizado 3 tipos de aparelhos de laser de CO2, de diferentes modelos: Luxar, Haerus e Sharplan, cota peças especificas para orofaringe (com protetor posterior- "backstop" ) (Figura 1).

Realiza-se, então, a vaporização com laser de CO2 iniciando-se em ambos os lados da úvula. confeccionando-se fendas verticais de 1,5 cm com potência que varia de 15 a 20 Watts. Em seguida, reduz-se gradualmente a úvida, ou faz-se sua amputação na base (Figuras 2,3,4,5). Procedemos, em alguns casos, a vaporização das amígdalas palatinas, reduzindo-as de volume (LAUP ampliada) (Figura 6).

No pós-operatório imediato, preconizam-se analgésicos, colutórios e antibióticos, associados a dieta leve e líquida. Após dez dias da primeira aplicação, pode-se observar cicatrização da região manipulada com fornato de arco.

O número de aplicações nos pacientes submetidos a LAUP, variou de acordo com o resultado apresentado através de questionários aplicados ao paciente e acompanhantes baseados na melhora do ronco e da sonolência diurna excessiva. Em 11%,, realizamos uma aplicação, em 48% duas, em 36% três, em 50% quatro, com intervalos de 45-60 dias entre cada uma.



Figura 5. Desenho esquemático da LAUP.



Figura 6. Desenho esquemático do aspecto pós-operatório da LAUP ampliada.



RESULTADOS

O ronco foi classificado em 4 níveis, de acordo com a avaliação subjetiva feita através de questionários:

Grau 0 - ausência de ronco

Grau I - ronco leve

Grau II - ronco moderado

Grau III - ronco intenso

Os resultados finais obtidos em 131 pacientes foram:

20% apresentaram ausência de ronco(Grau 0),

51% apresentaram ronco leve (Grau I),

25% apresentaram ronco moderado (Grau II),
4% apresentaram ronco intenso (Grau III).

Em 30 pacientes que apresentavam, concomitantemente, apnéia leve e moderada, obtivemos os seguintes resultados de acordo com a escala de sonolência de Epworth:

72% ausência de sonolência,

24% melhora da sonolência,

4% sem alteração.

Todos os pacientes foram submetidos a questionários, após as intervenções, juntamente com seus respectivos cônjuges, afim de demonstrar os resultados já citados.

Considera-se a ausência ou diminuição do ronco através de gravação, opinião da esposa ou familiares.

A incapacidade de reproduzir o ronco pelo paciente também representa sucesso do procedimento.

O índice de complicações foi muito baixo.

No trans-operatório, 5 pacientes (3,8%) apresentaram sangramento moderado, necessitando pontos de sutura.

Em 4 pacientes ( 3%) não foi possível o procedimento sob anestesia local, devido ao intenso reflexo nauseoso, necessitando de sedação anestésica.

Um paciente (0,7%) apresentou sangramento tardio.

Quinze pacientes (11,4%) apresentaram dor por mais de 10 dias.

Nenhum dos 131 paciente apresentou reações anestésicas, infecção, problemas de voz, incompetência velofaríngica ou estenose de rinofaringe.

DISCUSSÃO

A SASO é doença complexa que representa risco de substancial morbidade e mortalidade.

Segundo relatórios da Comissão Nacional em Pesquisas sobre Distúrbios do Sono, nos E.U.A, mais de 40 milhões de americanos apresentam distúrbios do sono, dos quais metade tem apnéia e ronco (5).

Nesse relatório, calcula-se que os custos diretos resultantes dos distúrbios do sono atingem mais de 16 bilhões de dólares anuais, devido à baixa produtividade no trabalho e acidentes decorrentes da sonolência que esses pacientes apresentam.
O ronco surge como resultado de relaxamento muscular e da obstrução parcial da V.A.S, com vibração dos tecidos moles, incluindo as amígdalas, palato mole, úvula e outras estruturas da orofaringe.

A apnéia acontece quando há obstrução completa e o ronco é interrompido por períodos de silêncio e de paradas respiratórias, que duram desde alguns segundos, a mais de um minuto. As obstruções nasais (desvio de scpto, hipertrofia de corneto, pólipos) aumentam a resistência da passagem da corrente aérea e conseqüentemente a pressão negativa intraluminal durante a inspiração, resultando em tração e vibração dos tecidos. O ronco é um problema social comum que causa freqüentemente problemas conjugais, sendo que vários métodos têm sido utilizados para corrigi-lo, desde mudança do comportamento, com o não uso de bebidas alcóolicas, tranqüilizantes e antihistamínicos à noite, mudança de posição do paciente durante o sono, fazendo com que a pessoa durma em decúbito lateral, diminuição do peso em obesos, evitar refeições copiosas à noite ou uso de dispositivos especiais, como os retentores de língua e máscaras para administração de oxigênio sobre pressão positiva.

Introduzida por Kamami (4), na França, em 1988, a técnica da UPFP com laser de CO2, foi aplicada inicialmente em 339 pacientes com ronco, cujos resultados mostraram 72,8% com ausência (Grau 0) e ronco leve (Grau 1) e 22,1% com ronco moderado (Grau II). Em 1994, Kamami (6) apresentou maior estatística com 741 pacientes e os seguintes resultados: 70% com melhora completa, 25% com melhora parcial, 5% com persistência do ronco. A melhora ocorreu na segunda ou terceira sessão. A sonolência diurna excessiva melhorou acentuadamente em 72% dos pacientes, com desaparecimento do cansaço matinal em 58,3%.

Haraldson e Carenfelt (7), em 1990, submeteram 105 pacientes ao LAUP, sendo que o resultado foi de 100% no tratamento do ronco, num "follow-up" de 3 meses e apenas 1 complicação.

Difundida por Krespi (8, 9) e Coleman (10) nos E.U.A., em 1992, os resultados foram satisfatórios, segundo Krespi (7) em 94% de 620 pacientes portadores de ronco, com 429 de ausência de ronco e leve, 161 com ronco moderado e 30 com ronco intenso, salientando as vantagens da LAUP com diminuição do sangramento, diminuição do tempo de cirurgia, diminuição do edema pós-operatório, maior precisão e rápida recuperação.

Em 1992, Wenmo e Olsson (11) compararam os resultados da UPFP com a cirurgia com laser de CO2, sobre microscopia e uso de micromanipulador, demonstrando melhor hemostasia e menor dor.

Pribitkin et als.(12), em 1995, apresentaram os resultados da LAUP no tratamento da SASO em 40 pacientes, nos quais todos referem diminuição da sonolência diurna. Em 21 pacientes que se submeteram a PSG pós-operatória houve redução significativa nos índices de apnéia/hipopnéia (IAH) de mais de 50% para um IAH de mais de 20.

Pearlman e Kresp (13), em 1995, demonstraram em 1000 pacientes submetidos a LAUP que este procedimento é inócuo, com baixas taxas de complicações. Dentre as complicações intra-operatórias referem: sangramento 4%, náusea 2%, tosse 1,1%, queimaduras com laser em outra áreas 0,3%, reação vasovagal 1,2%, anestesia local inefetiva 0,5% e hematoma intrapalatal 0,5%. Dentre as complicações pós-operatórias salientam: sensação de muco espesso 29%, dor por mais de 10 dias 4%, sangramento tardio, infecção e distúrbio do gosto 1%, incompetência velofaríngea temporária 1% e estenose de nasofaringe 1%. Referem taxas de cura do ronco em 88%, com redução significativa em 8%, perfazendo total de 96% de melhora em 1000 pacientes.

Desde janeiro de 1995(12), temos usado a técnica da LAUP no tratamento do ronco e da apnéia obstrutiva leve e moderada com resultados animadores.

Quando bem indicada, nas obstruções que envolvem a orofaringe- nível I de Fujita - conseguimos 71% de bons resultados em relação ao ronco, com melhora moderada em 25% e apenas 4% sem alterações.

Em relação à sonolência diurna houve também melhora significativa em 96%, com 72% de ausência de sonolência e 24% com melhora.

Nossos índices de complicações trans e pós-operatórias foram bastante baixos.

Estamos realizando controle polissonográfico nestes pacientes para avaliação mais objetiva dos índices de apnéia/ hipopnéia (IAH).

CONCLUSÃO

O laser de CO2, é o mais utilizado em Otorrinolaringologia, pois sua energia calórica é quase totalmente absorvida pelos tecidos biológicos, trazendo vantagens de diminuição do sangramento, diminuição do edema pós-operatório, precisão, diminuição do tempo de cirurgia e rápida recuperação.

A LAUP é cirurgia efetiva no tratamento dos pacientes com ronco habitual e apnéia leve e moderada, apresentando as seguintes vantagens:

1 - procedimento ambulatorial

2 - anestesia local

3 - rápida recuperação

4 - sem complicações

5 - pode ser repetida

6 - não apresenta contra-indicações

7 -pode ser usada em casos de insucesso de UPFP tradicional

8 - é mais econômica

Como todo procedimento cirúrgico, necessita de indicação correta e de equipe médica com experiência no manuseio do laser de CO2, afim de que possamos alcançar melhores resultados com esta nova técnica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - PALOMAKI,H. - Snoring and the Risk of Ischemic Brain Infarction. Stroke, 22, (8), 1021-1025,1991
2 - IKEMATSU,T. - Study of Snoring, 4th Report: Therapy. J. Jpn. Otol. Rhinol. Laringol., 64, 434-435,1964.
3 - FUJITA,S.; FAIRBANKS,D.N.F., IKEMATSU,T. et als. - Snoring and Obstructive Sleep Apnea. New York Raven Press, 1987; 134-53.
4 - KAMAMI,Y.V. - Laser CO2 for Snoring. Preliminary Results. Acta Otorhinolaring. Belg., 44, 451-456,1990.
5 - Wake Up America: A National Sleep Alert. Report of the National Comission on Sleep Disorder Research. Printed for distribuition by the Stanford University, Sleep Disorders Clinic and Research Center, CA. 94304, Pp 1-18,1992.
6 - KAMAMI,Y.V. - Outpatients treatment of Snoring with CO2 Laser:Laser-Assisted UPFP. The Journal of Otolaryngology, 23, 391-394, 1994.
7 - HARALDSSON,P.0. & CARENFELT,C. - Laser Uvulupalatoplasty in Local Anaesthesia. A Safe Approach in the Treatment of Habitual Snoring. Rhinology,28, 65-66, 1990.
8 - KRESPI,Y.P.& LING,E. - Tonsilcryptolysis utilising CO2 - Swift Laser - Laser Surg. Med. Suppl., 401, abst-197,1993.
9 - KRESPI,Y.P.; PEARLMAN,S.J. AND KEIDAR,A. - Laser Assisted Uvulopalatoplasty for Snoring. The Journal of Otolaringology,23 nr.5: 1-7,1994.
10 - COLEMAN,J.A. - Method of Coleman: Laser Assisted Uvulopalatoplaty. New Directions in the Therapy of Obstructive Sleep Apnea. 9th Annual APSS Meeting. 135-145,1995.
11- WENMO,C.; OLSSON,P. - Treatment of Snoring With or Without Carbon Dioxide Laser. Acta. Otolaringology (Stockh) 1992; suppl. 492, 152-155,1992.
12 - PRIBITKIN,E.; KEANE,W.M.; ROSEN,M.R. AND DOGHRAMJI,K. - Efficacy of Laser-Assisted Uvulopalatoplasty in the treatment of Obstructive Sleep Apnea. Otolaryngol. Head Neck Surg. Special Issue, p.43,August 1995.
13 - PEARLMAN,S.J. AND KRESPI,Y.P. - Complications of Laser-Assisted Uvulopalatoplasty. Otolaryngol Head Neck Surg. Special Issue, p.43, August 1995.
14 - PINTO, J.A.; FOMIN,D.S. - Ronco - Tratamento com Raios Laser de CO2, Ambito Hospitalar. Ano VI, nr.70, 49-51, 1995.




* Otorrinolaringologista do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo.

Trabalho realizado no Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo e apresentado no VI Congresso Brasileiro de Rinologia e Cirurgia Estética da Face. Salvador, Ba. em 07-10/09/95.

Endereço: Nosp - Alameda dos Nhambiquaras,159 - Moema - São Paulo/SP CEP 04090-010. Fone: (011)573-1970 / 571-5360 FAX(011) 573-3497

Artigo recebido em 12 de março de 1996.
Artigo aceito em 26 de abril de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia