Em 1972 a Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina encaminhou à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo um projeto de pesquisa para iniciar os estudos sobre electrococleografia em nosso meio, e comparar esse método de avaliação auditiva com outros métodos, quer subjetivos, quer objetivos, destinados ao mesmo fim. A aceitação desse projeto, denominado "Audiologia integrada", demorou cerca de um ano, durante o qual modificações extensas foram feitas no equipamento solicitado. Na verdade, o interesse pela electrococleografia em todo o mundo criou o aparecimento de aparelhagem mais precisa, conquanto tenha gerado o problema, comum nos nossos dias, da rápida obsolescência do equipamento eletrônico para utilização médica.
Nossos trabalhos sobre diversas formas de audiometria de respostas elétricas tiveram origem em setembro de 1973. Atualmente estamos trabalhando ativamente em três áreas: a electrococleografia (ECochG), a audiometria de tronco cerebral (brain stem response audiometry - BSRA) e a estimulação elétrica do promontório. Estas duas últimas modalidades de testes serão objeto de outras publicações; o presente estudo refere-se somente á ECochG.
Na análise deste relatório deve-se levar em conta que o equipamento por nós utilizado foi sempre considerado como instrumento para pesquisa clínica. Não tivemos a preocupação de examinar um número enorme de pacientes, mas somente aqueles que pudessem ser seguidos, re estudados ou comparados em outros tipos de testes. Muitos pacientes adultos com testes auditivos satisfatórios do ponto de vista subjetivo foram estudados pela ECochG com a finalidade exclusiva de obter mais informações sobre a forma dos potenciais de ação do nervo acústico em diversas patologias cocleares e neurais.
Em termos mundiais a electrococleografia tem sido utilizada fundamentalmente com o objetivo de verificar limiares auditivos. Nesse contexto, nossa atividade tem sido relativamente reduzida, pois estamos fundamentalmente interessados em explorar este método, que representa a primeira aplicação clínica dos princípios estabelecidos pela neurofisiologia auditiva. DESENVOLVMENTO DO MÉTODO. A utilização clínica de potenciais auditivos foi efetivada independentemente por Feinmesser, em Israel, YÓshie, no Japão, e Aran, na França. Uma breve revisão histórica sobre a neurofisiologia coclear se encontra em nosso informe preliminar, publicado em 1975. É importante consignar aqui, entretanto, o apoio e estímulo recebidos de Hallowell Davis e Jean-Marie Aran, que foram fundamentais ao desenvolvimento de nossos trabalhos.
EQUIPAMENTO. Utilizamos um polígrafo, Medelec-Teca, com um programador de estímulos, um amplificador biológico e dois mediadores de 100 pontos. Os estímulos sonoros são produzidos por um audiômetro Amplaid especialmente adaptado á produção de cliques, cliques filtrados e tons puros fragmentados. A saída acústica do audiômetro pode ser ligada a fones convencionais, a um micro - alto-falante (cápsula) ou a um alto-falante convencional. Uma conexão entre o audiómetro e o programador de estímulos permite a sincronização entre os tons emitidos e a janela do osciloscópio onde são registradas as memórias dos mediadores.
TÉCNICA. Concordamos com Aran que a utilização do eletródio trans timpânico é a mais satisfatória para o registro dosi potenciais cocleares. Em crianças com menos de dez anos de idade, ou mesmo com maior idade, porém não cooperantes, o exame tem sido realizado sob anestesia geral com ketamina, na dose de 0,6 mg por quilograma de peso corporal, administrando-se atropina e diazepam como preanestésicos. Nos outros casos o exame foi feito sob anestesia local de contacto com xilocaína a 10%, ou por iontoforese com xilocaína a 2%. Para a iontoforese utilizamos o lontophoretic Applicator, modelo 22, fabricado peia Medical Systems Ltd.
A introdução do electródio transtimpânico foi realizada sempre ao nível da região da janela coclear, tendo-se o cuidado de manter a ponta da agulha sobre o promontório, sempre que possível sobre o rebordo da janela. Um microscópio cirúrgico D.F. Vasconcellos foi utilizado em todas as introduções de electródios. O electródio de referência e o terra foram do tipo utilizado em electroen cefalografia, situados na região parietal e no meio da testa, respectivamente. Todo o exame é realizado em uma sala com isolamento electromagnético e electrostático.
O alto-falante foi sempre posicionado a 7 cm do ouvido testado. O estímulo mais comumente usado foi o clique de ruído branco, com duração de 80 microssegundos. Ocasionalmente utilizamos cliques de maior ou menor duração e também cliques filtrados nas freqüências de 1500 e 4000 Hertz. Utilizamos geralmente 500 estímulos para a obtenção das médias, conquanto esse número tenha que ser variado em situações especiais.
A janela do osciloscópio é ajustada para um intervalo de 15 milisegundos, com um tempo de preanálise de 2 milissegundos. O amplificador biológico é utilizado com um fator de amplificação da ordem de 10 a 20 microvolts por divisão (1 cm) vertical do osciloscópio.
PARÂMETROS. A avaliação das respostas obtidas à ECochG é realizada a partir das seguintes características:
1. Limiares. Não é possível obter-se uma curva de limiares tonais, a exemplo do que se observa na audiometria tonal clássica ou na audiometria de respostas corticais evocadas (AER). O principal problema é a situação do eletródio trans timpânico ao nível do promontório, que está próximo à região da cóclea relacionada com as altas freqüências, e relativamente distante do ápice. Comparando-se os limiares tonais com os limiares da ECochG em adultos, verifica-se que os cliques de ruído branco apresentam limiares próximos da freqüência de 4000 Hertz, ou pelo menos situam-se na faixa de 2000 a 4000 Hertz. A utilização de cliques filtrados de 4000 Hertz nos dá alguma indicação se a curva áudio métrica é aproximadamente horizontal ou não.
A utilização de cliques filtrados de freqüências baixas (250 ou 500 Hertz) é inútil, uma vez que já se demonstrou neuro fisiologicamente que, se alguma resposta for obtida, ela corresponderá a redemoinhos da perilinfa na região de altas freqüências, não significando, de forma alguma, a presença de resposta de freqüência mais baixa. Em crianças com perdas auditivas intensas e audição residual nos tons graves é comum a ausência de respostas à ECochG.
2. Curvas de intensidade-amplitude. Os potenciais de ação do nervo acústico têm uma amplitude que é proporcional á intensidade sonora. Infelizmente, em virtude de variações anatômicas e da posição do eletródio, não é possível, da mesma forma que na electrorüstagmografia, utilizar-se uma medida física para expressar a amplitude. Ela é expressa em termos de porcentagem, considerando-se como 100% a amplitude da maior resposta obtida, geralmente correspondente à estimulação de 110 dB. A figura 1 demonstra a curva normal de intensidade-amplitude. Como demonstrou Ybshie, existem duas partes nítidas nessa curva, separadas por um pequeno degrau. Os estudos neurofisiológicos em animais e a observação clínica em diferentes patologias sugere que a parte esquerda da curva decorre de potenciais de ação do nervo acústico disparados por células ciliadas externas, enquanto a parte direita corresponde aos potenciais produzidos a partir das células ciliadas internas. Essa concepção, entretanto, é contestada por alguns autores.
Fig. 1. Curva normal de intensidadeamplitude dos potenciais de ação do nervo acústico. Observar as escalas diferentes para a amplitude (expressa em percentagem da amplitude da resposta máxima) e para e latência (em milissegundos).
Fig. 2 - Diferentes tipos de curvas de intensidade - amplitaude. A curva dissociada, geralmente observada em perdas horizontais: aumento da latência às pequenas intensidades e ausência do degrau na curva de amplitude
B - Curva recrutante, geralmente observada em perdas descendentes: latências iguais às normais para as respectivas intensidades e ascenção rápida de amplitude.
A figura 2 apresenta as variedades mais comuns de curvas de intensidade-amplitude, segundo a classificação de Aran. Essa classificação nos tem sido útil em termos de orientação geral, mas não corresponde de forma precisa às dimensões audiológicas apresentadas por outros testes. Na nossa opinião a curva denominada por Aran de recrutante não corresponde ao recrutamente obtido nos testes de Fowler, Reger, SISI e Metz. Será necessário ainda algum tempo para estabelecer o significado preciso destas diferentes curvas.
Fig. 3. Diferentes tipos de formas de onda dos potenciais de ação do nervo acústico (médias de 500 respostas.)obtidos com estímulos de grande intensidade. Para a significação das formas ver texto.
3. Forma de onda. A configuração das médias dos potenciais de ação representa uma dimensão audiológica totalmente nova, com grandes possibilidades para o futuro. A figura 3 mostra alguns dos tipos básicos dos potenciais de ação, segundo Aran. Observamos geralmente a forma de onda das respostas correspondentes às estimulações de máxima intensidade, mas em certas ocasiões é importante observar também a forma de outras respostas. A observação da forma de onda a do tempo de latência constituem, no momento, a principal indicação da ECochG em pacientes em que os testes audiológicos comuns já foram realizados.
Fig. 4. Distribuição dos 198 pacientes quanto às faixas etárias.
4. Latência. 0 intervalo de tempo entre a apresentação do estímulo sonoro e o aparecimento do potencial de ação constitui um elemento importante na avaliação da ECochG. A figura 1 mostra as latências usuais das pessoas com audição normal. Na parte esquerda da curva de intensidade-amplitude existe uma correlação inversa entre a latência e a intensidade do estímulo. Uma vez atingido o degrau, a latência atinge um valor que permanece mais ou menos fixo para todas as intensidades mais altas do exame. Na figura 2 podemos ver que a determinados tipos de curvas de intensidade-amplitude correspondem também determinados padrões de curvas de latência.
5. Microfonismo coclear. Os electrococleógrafos incorporam circuitos de polarização dos estímulos sonoros afim de cancelar o microfonismococlear, que tema mesma polaridade do estímulo, e isolar os potenciais de ação, que têm sempre a mes ma polaridade, qualquer que seja a do estimulo. Na verdade, os potenciais de ação representam no momento a avaliação mais precisa da EcochG; o microfonismo coclear, por não ter latência, pode ser facilmente confundido com artefatos, entreelesa própria vibração do electródio transtimpânico pelos estímulos sonoros. Em termos neurofisiológicos, contudo, o microfonismo coclear possui uma característica especial, que é a deapresentar, em suacurva deintensidade-amplitude, uma redução de amplitude a partir de uma certa intensidade (aproximadamente correspondente ao degrau da figura 1). Se conseguirmos realizar uma curvade intensidade-amplitude do microfonismo coclear e verificarmos que a amplitude diminuía partir do início da parte direita da curva de intensidade-amplitude dos potenciais de ação, então poderemos ter a certeza de que se trata efetivamente de microfonismo coclear, e não de artefato. A presença do microfonismo coclearassegura a integridade das células ciliadas externas, ajudando a distinguir os casos de surdez sensorial dos de surdez neural. O registro dos potenciais de somação, que correspondem às células ciliadas internas, seria de grande valia para o diagnóstico electrococleográfico; infelizmente é um potencial de corrente contínua, de observação essencialmente dependente do desvio da linha de base dos potencias de ação, e o nosso equipamento atual não permite a sua estimativa.
6. Audição por via óssea. Ao determinarmos limiares auditivos em crianças pequenas muitas vezes se torna importante verificar que porção de uma perda auditiva possa ser de tipo condutivo. Perdas condutivas puras produzem curvas de intensidade-amplitude paralelas às normais, exigindo apenas maior energia. No caso de perdas mistas, contudo, a interpretação se torna difícil. Infelizmente os vibradores ósseos convencionais não permitem a tradução de cliques, por isso não se podem obter potenciais cocleares a partir de estímulos ósseos diretos, a não ser com a utilização de vibradores especialmente desenhados.
A técnica que estamos utilizando ainda se encontra em fase experimental, e não encontramos referências na literatura sobre procedimentos semelhantes. Após a ECochG convencional obtemos novas respostas cocleares, com os mesmos cliques anteriormente usados, agora durante a apresentação de ruído branco contínuo, transluzido por um vibrador aplicado à testa do paciente. A diferença entre os limiares obtidos sem e com a presença do ruído nos fornecem uma estimativa indireta da condução óssea. 0 princípio do método é o mesmo do teste SAL (sensory acuity level), proposto por Jerger para a avaliação da via óssea, e que foi, por sua vez, inspirado no teste proposto por Rainville.
A freqüência de otites serosas em crianças constitui outro problema complexo na ECochG, uma vez que os líquidos da orelha média, ricos em íons, estabelecem curto-circuito no eletródio trans timpânico. Nesses pacientes o tratamento cirúrgico da otite serosa, com aspirações de todo o liquido, deve preceder à tentativa de realizar a ECochG.
CASUISTICA. Até maio de 1976 foram realizados exames electrococleográficos em 207 ouvidos de 198 pacientes. Esses números indicam claramente que a maioria dos exames foi realizada apenas em um dos ouvidos. Essa conduta algo divergente das rotinas audiológicas comuns se prende às seguintes circunstâncias:
7. Em crianças com suspeita de surdez congênita a experiência clínica vem demonstrando, através dos tempos, que a maioria absoluta dos pacientes apresenta lesões essencialmente simétricas. Dentro do nosso entrosamento clínico -audiológico, achamos suficiente examinar um dos ouvidos, a não ser que os exames prévios tenham estabelecido a suspeita de dissimetria. Na ausência de respostas em um ouvido, contudo, testamos também o outro.
2. Em crianças com paralisia cerebral a constatação de que um ouvido apresenta audição normal já estabelece que a ausência de linguagem não tem origem no aparelho auditivo, razão por que também julgamos desnecessário testar o ouvido oposto.
Nesses dois tipos de problemas acreditamos que o exame de apenas um dos ouvidos reduz o tempo do exame, minimizando eventuais problemas anestésicos.
3. Em adultos com perda auditiva neuro-sensorial simétrica achamos suficiente testar um dos ouvidos.
4. Em adultos com perda neuro-sensorial assimétrica achamos necessário testar os dois ouvidos.
5. Em adultos com perda neuro-sensorial unilateral interessa-nos apenas o teste do ouvido pior.
Dos 198 pacientes, 110 (55,55%) eram do sexo masculino e 88 (44,45%) do sexo feminino. As idades, que se encontram representadas graficamente nas figuras 4 e 5, variaram de 9 meses a 70 alhos.
Fig. 5. Distribuição, por faixa etária, das 134 crianças de menos de 10 anos de idade.
Os pacientes com menos de dez anos de idade, que perfazem o grupo majoritário, foram examinados pelos seguintes motivos:
1) suspeita de perda auditiva intensa em crianças em que outros testes (condicionamento, BSRA, AER) foram inexeqüíveis;
2) ausência de desenvolvimento de linguagem sem causa estabelecida; a maioria destes casos proveio da CLIDEME ( setor diagnóstico da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Alguns destes casos também se encontram incluídos dentro da faixa etária de 10 a 20 anos de idade. A maioria dos pacientes com mais de dez anos, contudo, foi examinada com o objetivo de complementar a informação diagnóstica advinda de outros testes.
RESULTADOS. Os limiares auditivos obtidos á ECochG encontram-se dispostos na figura 6. Dos 207 ouvidos examinados, 29 (14%) não responderam à estimulação máxima de 110 dB. Os limiares compreendidos entre 70 e 110 dB foram em número de 92 (44,44%); 42 pacientes (20,30%) apresentaram limiares entre 35 e 70 dB, e 44 (21,25%) apresentaram limiares abaixo de 30 dB, que consideramos corno indícativos de audição normal. A correlação entre os limiares da audiometria tonal clássica, quando disponíveis, com os da ECOchG, foi sempre perfeita, com exceção de dois casos. Um deres apresentava um quadro neurológico e otoneurológico de comprometimento do tronco cerebral, que se
Fig. 6. Níveis dos liminares auditivos dos 207 ouvidos examinados.
verificou ser de etiologia inflamatória. O outro apresentava uma síndrome do ângulo ponto - cerebelar, também com comprometimento do tronco cerebral, determinada por um neuroma do nervo acústico. Esses pacientes apresentaram audiogramas com perdas tonais da ordem de 70 a 100 dB nas diversas freqüências, e a ECochG indicou, em ambos os casos, limiares de 25 dB (normais). É óbvio que, nesses casos, o bloqueio da via auditiva se processava acima da cóclea, não interferindo com a produção dos potenciais de ação ao nível da cóclea. Casos semelhantes foram descritos por Portrnann e Aran e por Brackmann.
Nos pacientes com audição normal a latência se mostrou um parâmetro de extrema precisão. Nas estimulações intensas (100 ou 110 dB) a latência foi de 1,7 a 2,0 milissegundos., com média de 1, 85 milissegundos. Ao nível dos limiares esteve compreendida entre 3,2 e 4,0 milissegundos, com média de 3,6 milissegundos.
Esses tempos de latência ao nível dos limiares mantiveram-se constantes nos pacientes com perdas condutivas. Nesses casos, naturalmente, não é possível estudar as respostas ou as latências em intensidades que corresponderiam às máximas da população normal em virtude dos limites do audiômetro.
Em pacientes com perdas nervo-sensoriais os tempos de latência se apresentaram ora normais, ora reduzidos, ora aumentados.
Em todos os pacientes com compressão do nervo acústico ao nível do meato acústico interno, confirmada cirurgicamente (estreitamento do meato, cisto de aracnóide, neuroma do acústico), os tempos de latência se encontraram sempre aumentados, seja em todas as intensidades, seja apenas nas menores intensidades.
Nos dois casos de compressão do tronco cerebral acima referidos, o tempo de latência se encontrava normal com relação aos estímulos de 100 dB, mas foi aumentando rapidamente à medida que a intensidade era decrescida, chegando a 5,6 milissegundos ao nível do limiar. Tivemos nesses casos, entre a resposta máxima e a resposta liminar, uma diferença de latência de 3,6 milissegundos, quando, em pessoas normais, essa diferença é da ordem de 2,0 milissegundos.
No que diz respeito à forma da onda, ela foi monofásica em todos os pacientes com audição normal ou perdas condutivas. Muitos pacientes com perdas neurosensoriais apresentaram curvas difásicas, mesmo em grandes intensidades. A resposta denominada por Aran de recrutante consiste na associação deste tipo de forma de onda com a diminuição dos tempos de latência. Temos a impressão de que esses dados caracterizam o tipo de recrutamento que Davis denominou recrutamento simples, caracterizado pela malfunção de elementos cocleares, provavelmente um certo número de células ciliadas externas. 0 recrutamento múltiplo, característico da doença de Meniére, em que ocorrem distorção e diplacusia, geralmente assume configuração diversa na ECochG. A latência se encontra diminuída, como seria de esperar-se em qualquer tipo de recrutamento, mas a forma de onda costuma ser alargada, e não do tipo difásico. Alguns casos de compressão do nervo acústico ao nível do meato acústico interno apresentaram curvas anormais. Estas curvas, contudo, não foram encontradas em todos os casos, nem são patognomônicas desse tipo de lesão.
DISCUSSÃO. Analisaremos três aspectos principais da electrococleografia no que diz respeito à experiência adquirida até o momento: 1) a ECochG para a obtenção de limiares; 2) a ECochG como meio diagnóstico em otologia; e 3) as perspectivas futuras do método.
Obtenção de finsares: A ECochG representa, no momento presente, o método mais preciso para a obtenção de limiares em circunstâncias adversas, ou seja, em crianças não cooperastes e em adultos suspeitos de simulação. A correlação dos limiares tonais à audiometria clássica com os limiares à ECochG tem sido sempre perfeita. A precisão do método compensa a sua maior desvantagem, ou seja, a impossibilidade de obter as respostas correspondentes a diferentes freqüências. A audiometria de potenciais corticais evocados (AER) permite a obtenção de respostas correspondentes às diferentes freqüências, mas exige a colaboração do paciente. No que diz respeito à utilização de sedativos e anestésicos, a AER é sensivelmente afetada, dificultando ou impossibilitando a interpretação dos traçados. A BSRA não é afetada pelos sedativos e anestésicos, mas também não possui especificação de freqüência e é menos precisa que a ECochG.
Em certos tipos de casos a ECochG representou, para nós, a única possibilidade de obtenção de limiares auditivos. Tivemos, por exemplo, um caso de uma criança que já apresentava linguagem e que subitamente deixou de responder a qualquer tipo de som. Fora feita uma tentativa de teste psicológico, mas a psicóloga não conseguiu estabelecer qualquer contacto com a criança. Murtas crianças de mesma idade (três anos) podem ser testadas por condicionamento com brinquedos, mas também nesse caso a tentativa foi infrutífera. A ECochG demonstrou audição normal. A partir deste teste configurou-se o diagnóstico de autismo.
Uma paciente de 33 anos sofrera há 7 aros um acidente automobilística em que o marido veio a falecer. A paciente sofrera lesões superficiais, sem gravidade. Um ano após o acidente teve crise vertiginosa e perdeu subitamente
a audição do ouvido direito. Há cerca de 5 anos faleceu o seu cunhado, também em acidente de automóvel, e fogo após a paciente apresentou surdez súbita no ouvido esquerdo. Praticamente não havia regressão fonêmica em sua voz, o que nos fez suspeitar de surdez psicogênicá. A ECochG demonstrou que a paciente realmente apresentava intensa perda auditiva, com limiares da ordem de 110 dB.
Complementação diagnóstico: A ECochG apresenta grandes possibilidades de fornecer outras informações audiológicas além dos limiares auditivos. Mesmo em crianças pequenas, o exame indica, além dos limiares, a possível presença de recrutamento e de adaptação patológica, dimensões audiológicas de grande importância na prescrição de próteses auditivas para complementação da educação.
Além disso as latências nos poderão dar idéia do grau de maturação do sistema nervoso central nas crianças com deficiências de aquisição de linguagem. Temos verificado que as latências da audiometria de tronco cerebral
(BSRA) são mais significativas sob esse ponto de vista, mas algumas vezes a ECochG também nos mostra alterações dignas de nota. A figura 7 demonstra o
Fig. 7. Electrococleograma de uma criança de um ano e meio com perda auditiva e lesões cerebrais mínimas. Observar os tempos de latência elevados.
Fig. 8 ECochG de um paciente com um cisto de aracnóide no meato acústico interno.
ECochG de uma criança de 1 ano e 8 meses com perda auditiva bilateral ao nível de 60 dB e com tempos de latência elevados. A electroencefalografia e o exame neurológico minucioso indicaram lesões cerebrais mínimas.
Em adultos as latências e as formas de onda têm representado os elementos mais promissores da ECochG. A figura 8 mostra o audiograma tonal e a ECochG de um paciente com uma história de surdez súbita há 50 dias. A história era sugestiva de fístula perilinfática espontânea, mas a ECochG mostrou respostas anormais e latências aumentadas. Foi solicitada, então, uma meatocisternografia, que revelou um pequeno defeito de enchimento no meato acústico interno. 0 paciente apresentava um cisto de aracnóide, que foi extirpado.
Fig. 9. ECochG de um paciente com perda auditiva total no ouvido oposto, conseqüente a cisticercose cerebral, e com doença de Meniére no ouvido testado.
A figura 9 demonstra um tipo de situação em que a ECochG foi de grande importância para elucidar o diagnóstico. 0 paciente foi submetido a uma craniectomia pela fossa posterior, há oito anos, por apresentar cisticercose cerebral. Sua evolução foi satisfatória, mas logo após a cirurgia ele apresentou intensa perda auditiva no lado operado (esquerdo), vindo a perder totalmente a audição nesse ouvido ao cabo de um ano.
Há cerca de um ano ele apresentou alguns episódios vertiginosos. 0 exame da função labiríntica demonstrou apenas um quadro periférico, mas em vista de seus antecedentes ele foi aconselhado a procurar novamente o seu neurocirurgião. Este realizou nova pneumoencefalografia fracionada, que foi normal. Há três meses ele apresentou um episódio de perda auditiva transitória no ouvido direito. Quando veio à consulta, porém, sua audição se encontrava normal. A ECochG foi realizada com o objetivo de evidenciar a natureza da perda auditiva anterior. Pode-se verificar que o seu exame é sugestivo de doença de. Meniére, e que ele não apresenta sinais de comprometimento central. Também os tempos de latência à BSRA, neste paciente, foram normais. Dessa forma a ECochG estabeleceu o diagnóstico de doença de Meniére em um paciente com antecedentes de comprometimento do sistema nervoso central.
Perspectivas futuras: A rápida obsolescência do equipamento eletrônico utilizado em medicina é um grave problema dos anos que correm. Mediadores mais bem desenhados e amplificadores mais estáveis já se encontram dispo níveis no mercado internacional, permitindo maior precisão no registro das respostas e permitindo, inclusive, a utilização de eletródio de superfície, dispensando a perfuração da membrana timpânica. Memórias tamponadas auxiliam na rejeição de artefatos devidos a contrações musculares e outras atividades elétricas do organismo. Esses progressos, e outros futuros da mesma área, permitirão a obtenção de mais dados à respeito das formas de onda, e também o registro mais preciso dos potenciais microfônicos da cóclea e dos potenciais de somação negativos. Muitos desses aperfeiçoamentos poderão, eventualmente, ser incorporados à unidade básica de que dispomos.
Do ponto de vista clínico, o exame de maior número de pacientes com modalidades diversas de surdez neuro-sensorial será fundamental para a obtenção de mais dados sobre o comportamento dos potenciais cocleares nessas afecções. Já tivemos a oportunidade de manifestar que o diagnóstico da surdez neuro-sensorial envolve múltiplos aspectos, e a ECochG é um desses importantes aspectos.
CONCLUSÃO. A electrococleografia representa, no momento, o mais preciso dos exames destinados à obtenção de limiares auditivos, e tem sido utilizada com segurança, quer sob anestesia local, quer sob anestesia geral. Além de proporcionar limiares auditivos dignos de confiança fornece-nos, também, dimensões audiológicas novas, de caráter neurofisiológico, que são os tempos de latência e as formas de onda dos potenciais de ação do nervo acústico. Pequenos aperfeiçoamentos instrumentais permitirão, em futuro próximo, a obtenção de informação complementar sobre outros potenciais cocleares, como o microfonismo coclear e os potenciais de somação negativos. A possibilidade de comparar dados neurofisiológicos humanos com alterações histológicas específicas de elementos da orelha interna certamente representa um enorme campo em que a Audiologia moderna irá desenvolver-se no futuro próximo, e temos a esperança de poder encontrar, na continuidade destes trabalhos, uma melhor correlação neuroanatômica para a audiologia, através da electrococleografia.
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Endereço dos Autores: Brig. Faria Lima, 830 - 3° A. 01452 - São Paulo - SP.
* Trabalho da Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina e da Associação Wiliam House de Otologia, com equipamento da FAPESP.
** Professor Titular
*** Médico otorrinolaringologista da Escola Paulista de Medicina
**** Professor Assistente Doutor