ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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2250 - Vol. 62 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1996
Seção: Artigos Originais Páginas: 444 a 448
Sialometaplasia Necrosante de Glândula Parótida uma Doença pouco Conhecida.
Autor(es):
Lídio Granato*,
Carlos Marigo**,
Maria de Fátima Carvalho***,
Ivo Bussoloti Filho****,
Maristela de Queiroz Ribeiro*****.

Palavras-chave: Parotidite, metaplasia, glândula parotida

Keywords: Parotitis, metaplasia, parotid gland

Resumo: A sialometaplasia necrosante é processo inflamatório benigno e que acomete principalmente glândulas salivares. É doença rara, de etiologia discutível e sob o ponto de vista microscópico pode simularcarcinoma de células escamosas. Paciente de 49 anos de idade apresentou massa tumoral na parótida esquerda. Submetido à parotidectomia parcial, o exame histopatológico revelou: sialometaplasia necrosante.

Abstract: Necrotizing sialometaplasia is a benign inflamatory process ocurring most commonly in salivary glands. It is a rare disease of unknow etiology. Its histologic features can simulate malignancy, specially squamous cell carcinoma. A 49 year old man presented with tumor of his left parotid and underwent parcial parotidectomy which revealed necrotizing sialometaplasia.

INTRODUÇÃO

A sialometaplasia necrosante é processo inflamatório benigno e reativo, afetando qualquer tipo de glândula salivar (1).

É afecção pouco conhecida e relativamente rara. As glândulas salivares menores são mais afetadas que os maiores. MESA (2), em 1984, mencionou que a incidência da
sialometaplasia na cavidade oral, foi de 0,03% de todas as lesões submetidas à biópsia e provavelmente por subestimativa (2).

Sob o ponto de vista microscópico, há evidência de três alterações: trombose arterial, necrose e a metaplasia epidermóide (3). O diagnóstico diferencial seria com o carcinoma mucoepidermóide ou carcinoma escamoso (1).

Embora o quadro histológico esteja bem definido, a etiologia desta doença ainda é discutida. Em virtude de sua raridade, decidimos divulgar o caso de um paciente com sialometaplasia necrosante de glândula parotida esquerda.

CASO CLÍNICO

J. C. S., 49 anos, masculino, branco, profissão: lubrificador; procedente de São Paulo (SP).
Q. D.: aumento de volume na hemiface esquerda há 6 meses. H. P. M. A.: refere o paciente que há 6 meses começou a apresentar inchaço na região do ângulo da mandíbula esquerda, acompanhado de hiperemia. Na época, procurou um facultativo que lhe receitou antiinfamatório não hormonal com desaparecimento da vermelhidão, porém com persistência do abaulamento. Relata ainda dor ao toque da massa ou com a movimentação cervical.



Figura 1. Blocos de células epidermóides - material de punção aspirativa (400X).



Figura 2. Massa tumoral próxima da primeira divisão extratemporal do nervo facial.



Figura 3. Tumor ovóide, de cor escura, com aproximadamente 4 cm de diâmetro.



Figura 4. Peça anatômica do pólo superficial da parótida com o tumor.



A. P.: tabagista 1 maço por dia há 26 anos.

Exame ORL: presença de massa endurecida de aproximadamente 5 cm de diâmetro na parótida esquerda, em sua porção mais inferior, móvel e levemente dolorido à palpação. Linfonodos não palpáveis.

A punção aspirativa por agulha fina revelou blocos de células epidermóides em meio a material necrótico (Fig. 1).

Com a suspeita diagnóstico de tumor de parótida, indicou-se cirurgia. Na parotidectomia superficial, o achado cirúrgico foi um tumor de cor escura, ovóide de aproximadamente 4 cm de diâmetro, que se situava entre os ramos bifurcados da primeira divisão do tronco do nervo facial, após sua emergência pelo forame estilomastoideo (Figs. 2, 3 e 4).

No pós operatório, o paciente evoluiu bem e sem seqüelas (Figs. 5 e 6).

O anátomo-patológico revelou partes de glândula salivar apenas com áreas atróficas e com pseudo-hipertrofia gordurosa. O nódulo constituído de tecido necrótico com restos hemorrágicos antigos e recentes, reconhecendo-se apenas restos de lóbulos glandulares com alguns ácinos em regressão e numerosos ductos com processo metaplásico de padrão epidermóide contendo algumas células globosas produtoras de muco. Foi também encontrado um vaso arterial obliterado por trombo organizado. Não há indícios de neoplasias. Diagnóstico: sialometaplasia necrosante (infarto de glândula salivar - Fig. 7).

DISCUSSÃO

A sialometaplasia necrosante ficou conhecida depois que CORNYN a identificou e ABRANS e col. (1), em 1973, a descreveram pela primeira vez. A partir desta data, apenas pouco mais de uma centena de casos tinham sido publicados até 1990, na literatura de língua inglesa. A idade dos pacientes variou de 12 a 87 anos, com média de 47 anoso. Os homens são afetados 2 vezes mais do que as mulheres e aqueles da raça branca muito mais que os da raça negra, na proporção de 5:1 (5).

A sialometaplasia afeta principalmente as glândulas salivares do palato. No trabalho de revisão realizado por MATSUMOTO e col. (4), 76% dos casos de sialometaplasia necrosante ocorreram nessa localização. Estas lesões palatais são unilaterais (3/4 dos casos), bilaterais (1/10) e menor número na linha média (5).

A glândula parótida é a mais afetada das glândulas salivares maiores. Quando atingem as mucosas, geralmente se apresentam como úlceras profundas localizadas, com ou sem antecedentes de edema ou massa. A massa parece ocorrer em 1/3 dos casos, incluindo mucosa ou região parenquimatosa não mucosa. Em geral as lesões são dolorosas embora haja aquelas indolores (5).

O nosso paciente referiu que o seu Quadro se iniciou com hiperemia e inchaço na região da glândula parótida esquerda. A alteração da pele desapareceu com tratamento clínico, persistindo apenas uma massa que ocupava o corpo da glândula parótida e que era dolorosa à tentativa de mobilizá-la, o que vem de acordo com a literatura, onde a maior parte dos pacientes, ou seja, na proporção de 2:1, refere o sintoma dor (5).

Outros sinais observados nestes pacientes podem variar de parestesias, paralisias a anestesia no local da lesão. O nosso paciente negava quaisquer destes sinais, porém STOLL e col.(3), em 1991, publicaram caso de sialometaplasia necrosante aguda de parótida com paralisia facial.

A lesão óssea de sialometaplasia é muito rara. Segundo a maior parte dos autores, a lesão da sialometaplasia necrosante é doença auto-limitada que se cura espontaneamente dentro de 6 a 10 semanas (5). Naturalmente que o grau da lesão vai depender da extensão do infarto e conseqüentemente a sua evolução, incluindo ou não a sua remissão espontânea.

A cura do processo está na dependência da reparação da úlcera mucosa (se houver) e dos danos provocados no parênquima glandular. Para recobrir a superfície mucosa surge a hiperplasia pseudoepiteliomatosa. A regeneração dos ácinos e ductos nunca é total, mas quando ocorre, pequenos ductos e ácinos podem apresentar figuras de mitose. Este fato faz às vezes o patologista diagnosticar esta lesão como maligna (6). Uma simples biópsia pode levar a falso diagnóstico de carcinoma de células escamosas, o que resultaria em ressecção ampla e desnecessária da glândula (7).

O critério para diagnóstico da sialometaplasia baseia-se em algumas características microscópicas (7):

a) necrose lobular com ulceração da superfície do epitélio ou ocasional hiperplasia pseudoepiteliomatosa;

b) metaplasia escamosa do ducto e ácinos mucosos;

c) núcleo "bland-looking" das células escamosas;

d) variação na proeminência de tecido de granulação, inflamação aguda e crónica ao mesmo tempo;

e) manutenção do aspecto da morfologia lobular (1).

A sialometaplasia necrosante parece tratar-se de entidade própria e muito diferente dos processos inflamatórios que acometem as glândulas salivares provocados por processos irritativos em geral. A ectasia e metaplasia dos ductos das glândulas nos processos inflamatórios é fenômeno comum; no entanto, o grau acentuado de metaplasia escamosa observado na sialometaplasia necrosante a faz bem diferente das demais (1).



Figura 5. Pós-operatório: 2 meses.



Figura 6. Pós-operatório de 2 meses: função motora do nervo facial conservada.



Figura 7. Proliferação metaplásica de ductos em meio à necrose, simulando blocos de carcinoma (HE - 40X).



Na etiologia desta doença são aventados como causa: o trauma, o infarto vascular (8), êmbolo (9), trombose (10), conseqüência de procedimentos cirúrgicos (4, 11) e subjacentes e tumor (11). A causa de bloqueio vascular tem sido melhor aceita pois já se conseguiu reproduzir tal lesão por ligadura de vaso nutriente da glândula salivar em animal de laboratório (12).

CONCLUSÃO

Tendo em vista os nossos achados e da literatura consultada, chegamos à seguinte hipótese etiopatogência:

- inicialmente, sialodenite ou outra causa desencadeante, seguida de comprometimento vascular arterial com trombose e infarto subseqüente;

- a necrose atinge principalmente os ácinos por serem o componente mais nobre do órgão e cujo poder de regeneração é quase nulo;

- os ductos resistem bem ao fenômeno (em qualquer órgão) e têm alta capacidade de regeneração metaplasiante. O seu diagnóstico correto é fundamental para evitar mutilações desnecessárias, já que por se tratar de afecção rara e seu aspecto microscópico simular lesão maligna, às vezes o patologista pode confundir-la com carcinoma de células escamosas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ABRAMS, A. M.; MELROSE, R. J.; HOWELL, F. V. - Necrotizing sialometaplasia. A disease simulating malignancy. Cancer, 32: 130-5, 1973.
2. MESA, M. L.; GERTLER, R. S.; SCHNEIDER, L. C. - Necrotizing sialometaplasia: frequency of histologic misdiagnosis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, 51: 72-3, 1984.
3. STOLL, D.; CHAMBRINH, H.; AURIA, J. P.; DEMINIÈRE, C. - Acute necrotizing sialometaplasia of the parotid gland. Rev Laryngol Otol Rhinol (BORD) 112 (2): 171-2, 1991.
4. MATSUMOTO, T.; KUWABARA, N.; SHIOTSU, H.; FUKUDA, Y.; YANAI, A.; ICHIKAWA, G. - Necrotizing sialometaplasia in the mouth flour secondary to reconstrutive surgery for tongue carcinoma. Acta Pathol Jpn 41 (9): 689-93, 1991.
5. BRANNON, R. B.; FOWLER, C. B.; HARTMAN, K. S. - Necrotizing sialometaplasia. A clinico-pathologic study of sixty-nine cases and review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 72 (3): 317-25, 1991.
6. SNEIGE, N.; BATSAKIS, J. G. - Necrotizing sialometaplasia. Ann Otol Rhinol Laryngol 101(3): 282-4, 1992.
7. MYERS, E. N.; BANKACI, M.; BARNES, E. L. - Necrotizing sialometaplasia. Report of a case. Arch Otolatyngol 101: 628-9, 1975.
8. MAISEL, R. H.; JOHNSTON, W. H.; ANDERSON, H.; CANTRELL, R. W. - Necrotizing sialometaplasia involving the nasal cavity. Laryngoscope 87: 429-34, 1977.
9. WALKER, G. K.; FECHNER, R. E.; JOHNS, M. E.; TEJA, K. - Necrotizing sialometaplasia of the larynx secondary to atheromatous embolization. Am J Clin Pathol, 77: 221-3, 1982.
10. MESA, M. S.; SCHNEIDER, L.; CLARK, M. - Necrotizing sialometaplasia: a result of ichemia? Report of two cases and review of the literature. Natl Dent Assoc J 38: 16-23,1979.
11. BRANNON, R. B.; CORTO, R. L. - Case for diagnosis (on necrotizing sialometaplasia, left hard palate). Milit Med 144: 295-6, 1979.
12. STANDISH, S. M.; SHAFER, W. G. -Several histologic effects of rat submaxillary and sublingual gland duct and blood vessel ligation. J Dent Res 36: 866-79, 1957.




* Professor Chefe de Clínica do Departamento ORL da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Chefe de Clínica do Departamento de Patologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Residente do 3°.ano do Departamento ORL da Santa Casa de São Paulo.
**** Professor Adjunto do Departamento ORL da Santa Casa de São Paulo.
***** Professora Instrutora do Departamento ORL da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado nos Departamentos de Otorrinolaringologia e Patologia da Santa Casa de São Paulo. Rua Dr. Cesário Motta Ir., 112 - São Paulo - SP - 01277-900.

Artigo recebido em 01 de fevereiro de 1995.
Artigo aceito em l l de março de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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