INTRODUÇÃO Todos os pacientes com fissura sofrem de rinites crônicas quase todos têm dificuldade de respiração nasal (1). Diversos estudos confirmam as alterações nasais em pacientes fissurados (1, 2, 3).
O desenvolvimento da face inicia-se a partir da 4.ª semana de vida e atinge características definitivas em torno da 9.ª semana. Surge na região cefálica do embrião uma depressão central chamada de stomodeum. Superiormente ao stomodeum, encontra-se o processo fronto-nasal e inferiormente o primeiro par de arcos viscerais. Na 5.ª semana delimita-se uma estrutura em forma de ferradura aberta para a luz do stomodeum chamada de fosseta olfativa. Os processos maxilares e nasais internos deslocam-se para a linha média, onde fundem-se lentamente. Os processos nasais externos formam as asas nasais. Os processos maxilares evoluem para formar os maxilares e parte do lábio superior.
O prolábio e a pré-maxila constituem uma dobra epitelial que sofre penetração mesoblástica. Do teto do stomodeum cresce uma dobra epitelial que irá formar o septo cartilaginoso. A fusão do palato ocorre na linha média, até atingir a pré-maxila. Nesse ponto de fusão, diferencia-se um orifício: o forâmen incisivo, que fica logo atrás dos futuros incisivos superiores. Conforme a disposição em relação ao forâmen incisivo, as fissuras podem ser classificadas em pré- forâmen, trans-forâmen e pós-forâmen, podendo ser bilaterais ou unilaterais (4).
Anatomicamente falando, o septo nasal é formado, no sentido ântero-posterior, pela cartilagem quadrangular, pela lâmina perpendicular do etmóide e pelo vômer. O assoalho da cavidade nasal é formado anteriormente pelo processo palatino do maxilar e posteriormente, pela lâmina horizontal do osso palatino. O ponto de união entre os processos direito e esquerdo é a sutura palatina mediana (5). A parede lateral da fossa nasal apresenta três cornetos. O inferior é um componente separado do crânio, que articula com a maxila é a lâmina vertical do osso palatino. O septo nasal normal é localizado medialmente e pode ser inclinado para um lado ou outro. Pequenos desvios são comumente vistos na área da sutura vômer-etmoidal. O palato normal é composto do processo palatíno da maxila e a lâmina do osso palatino, cada um separado por uma sutura (2).
A típica deformidade externa do nariz, nos casos de fissura unilateral, é uma abertura nasal ovalada com a cartilagem alar deprimida e columela desviada. Esta característica deformidade da columela resulta da incorreta inserção muscular e deficiente fechamento do anel muscular. Isto pode ser melhorado através da cuidadosa preparação na cirurgia primária e fixação dos músculos na espinha nasal (1). Alguns investigadores sugerem que o desenvolvimento normal do septo nasal é necessário para o desenvolvimento das estruturas meso-faciais próximas.
Até o presente, é difícil dizer se o fenômeno é devido ao fato que pacientes fissurados têm aumento na tendência de crescimento em direção à fissura, com resultante deslocamento da pré-maxila e septo, ou se a extensão e direção do desvio é conseqüência do fechamento do palato. A porção anterior da lâmina quadrangular é subluxada devido a tensões musculares em direção ao lado normal, com resultante desvio. O lado para qual o septo é desviado também apresenta divergências (1, 3, 6). É evidente, porém, que a maioria dos pacientes com fissura mostra deformação importante do septo, com conseqüência para a abertura nasal e estética.
CASUÍSTICA E MÉTODOSForam submetidos a cirurgia, no período de março de 1994 a setembro de 1995, 24 pacientes portadores de fissura de palato e/ou labial. Todos pacientes apresentavam cirurgias corretivas anteriores, porém nenhuma cirurgia envolvendo o septo nasal. A idade variou entre 14 e 37 anos. Treze pacientes foram do sexo feminino (54,16 %) e os restantes 11 do sexo masculino (45,84%). Dois apresentavam fissura à direita, seis fissura bilateral e dezesseis à esquerda. A indicação cirúrgica em todos os casos foi de restauração estética e também funcional, por dificuldade respiratória nasal. Os dados são relacionados nas Tabelas 1 e 2.
Os procedimentos pré cirúrgicos foram os de rotina. A técnica cirúrgica, geralmente, foi de rinosseptoplastia, tendo sido realizado septoplastia simples em apenas dois pacientes.Quando o desvio era caudal, utilizava-se a técnica de Metzeubaumer, com fixação da porção caudal à columela. Os demais desvios eram submetidos à técnica de Cottle ou Killian (quando da necessidade de enxertos cartilaginosos para a restauração da estrutura nasal). A porção óssea do septo nasal era comumente ressecada, devido seu extremo desvio (muitas vezes acolando à parede nasal lateral). Turbinectomia era realizada quando da sua indicação por hipertrofia compensatória dos cornetos. Em todos os pacientes foram colocados "splints"a fim de evitar sinéquias nasais. O tempo de hospitalização foi de 24 horas, tendo-se retirado o tampão com 72 horas, e os splints em 2 semanas. Avaliações posteriores foram feitas com 60 dias de pósoperatório.
RESULTADOSOs 24 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico para correção do desvio septal tiveram todos melhora no seu padrão respiratório nasal (relatado pelo paciente, sem avaliação objetiva). Porém, foi visualizada em 07 pacientes a presença ainda de desvio septal do mesmo lado que o anterior à correção, e em um, desvio para o outro lado, o que demonstrou hipercorreção. Ainda em um paciente foi visualizada perfuração septal posterior, que não causava nenhuma queixa respiratória.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃOAs fissuras palato-labiais, palatais ou labiais causam alterações no crescimento do septo nasal. As fissuras unilaterais proporcionam desvios mais acentuados pela assimetria no desenvolvimento da maxila. Geralmente, a porção caudal está voltada para o lado contrário à fissura e as restantes porções do septo desviadas para o lado fissurado, o que concorda com algumas observações da literatura (1). Assim sendo, a obstrução nasal costuma ser bilateral. O hipodesenvolvimento da maxila pode ser tão acentuado que muitas vezes é difícil individualizar o septo ósseo posterior da parede lateral nasal do lado fissurado. Comumente, existe hipertrofia compensatória do corneto contrário à fissura unilateral. Nas fissuras bilaterais, o desvio dependerá da assimetria do desenvolvimento, o que acarretará graus variados de obstrução nasal.
A correção é feita pelas técnicas tradicionais: Cottle para desvios tradicionais e Metzenbaum para os desvios caudais. Dificilmente a cirurgia é unicamente para a correção do septo, sendo feita conjuntamente cirurgia estética. Nesses casos, uma técnica de Killian para retirada de enxerto, que será empregada na reconstrução, pode ser usada. Todavia, existem algumas particularidades:
1. Os achados anatômicos em pacientes fissurados são alterados, o que dificulta a padronização. Cada caso deve ser avaliado durante o ato cirúrgico.
2. Geralmente, os pacientes são submetidos a diversas cirurgias anteriores, o que causa fibrose considerável no local. Conseqüentemente, o sangramento é bem mais acentuado e o descolamento da mucosa mais difícil.
3. O uso de determinadas técnicas de correção primária da fissura mantém uma abertura no assoalho nasal, o que dificulta consideravelmente a correção do septo.
4. Não raro, pelas alterações anatômicas e dificuldade técnica, existem perfurações septais, principalmente posteriores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. GUBISCH, W.; REICHERT, H.; WIDMAIER, W. - Six Years' Experience with Free Septum Replantation in Cleft Nasal Correction. J. Cranio-Max- Fac. Surg. 17: (1989) 31-33
2. SANDHAM, A.; MURRAY, J. A. M.- Nasal Septal Deformity in Unilateral Cleft Lip and Palate. Cleft Palate Craniofac. J. 1993 Marc 30(2): 222-6
3. KIMES, K.R.; MOONEY, M. P.; SIEGEL, M. I.; TODHUNTER, J. S. - Growth Rate of the Vomer in Normal and Cleft Lip and Palate Human Fetal Spec. Cleft Palate Craniofac. J. 1992 Jan; 29(1): 38-42.
4. LESSA, S.; CARREIRÃO, S. - Tratamento das Fissuras Lábio-Palatinas, Rio de Janeiro, Editora Interamericana, 1981. 01-16.
5. GARDNER, E.; GRAY, D.J. - Anatomia, Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1975. 547-549.
6. GRYMER, L. F.; PALLISGAARD, C.; MELSEN, B. - The Nasal Septum in Relation to the Development of the Nasomaxillary Complex: A Study in Identical Twins. Laryngoscope 101: August 1991 863-868.
*Responsável pelo serviço de Otorrinolaringologia do C A I F ( Centro de Andimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal) Curitiba - PR.
**Responsável pelo Serviço de Cirurgia Plástica do C A I F ( Centro de Andimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal) - Curitiba - PR.
C A I F Av. República Argentina 4334 Portão
Curitiba - PR - CEP 81050 000
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Artigo recebido em 30 de novembro de 1995.
Artigo aceito em 27 de março de 1996.