ISSN 1806-9312  
Quinta, 2 de Maio de 2024
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224 - Vol. 33 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1965
Seção: - Páginas: 79 a 84
CISTICERCOSE LINGUAL HUMANA(*)
Autor(es):
Lamartine Paiva (**)
Décio Mion (***)
Cândido Carréri (****)
Mario Murakami (*****)

Resumo: Os AA. apresentam dois casos de cisticercose humana, de localização lingual, rara, cujo diagnóstico foi feito através do exaine histopatológico da peça operatória.

Apresentamos neste trabalho dois casos de cisticercose, de interêsse devido à localização na lingua humana, guris em levantamento bibliográfico) efetuado não encontramos qualquer referência a casos semelhantes.

Devemos assinalar, porém, o estudo de um caso de larva equinococo lingual, publicado por GRACANIN (1903) que refere não ter também conhecimento de outros casos de cistos larvários com essa localização no homem.

Casuística

P.M.C., 32 anos de idade, italiana, casado sexo feminino.

A paciente procurou a Clinica em 19 de setembro de 1960, com história de presença de formação tumoral na borda esquerda da língua, há 1 ano; iniciou com dôr local muito intensa, um irradiação, sem alteração do paladar e motilidade do órgão; sensação de aspereza na região afetada; ausência de outras queixas.

Ao exame local, observou-se a existência de uma formação nodular, de 3 cm nos seus diâmetros aproxionadamente, situada no 1/3 médio da borda esquerda da língua, fazendo saliência nas faces superior e inferior, arredondada, de consistência dura, indolor ao toque e à pressão bidigital,

deslisando sob a mucosa (figura 1); motilidade da língua e gustação conservadas.


Fig. I - Fotografia do paciente P.M.C. mostrando a formação tumoral, localizada no 1/3 médio da borda esquerda da língua.


Apresentava aínda amigdalite crônica. Rinoscopia anterior e posterior normais; ouvido: n. d. n.; palpação cervical: ausência de gânglios.

Em virtude da história e do exame concluimos por uma formação tumoral benigna, provavelmente neurofibroma.

Com finalidade de esclarecimento do diagnóstico, foi praticada a extirpação total do tumor, sob anestesia geral endotraqueal; a cápsula apresentava-se aderente aos planos musculares e, em virtude de sua delgadeza, rompeu-se, dando saída a um líquido amarelo espesso, gelatinoso; feita a enucleação total, a peça foi enviada para exame histopatológico, cujo resultado, surpreendente, foi de cisticercose (fig. 2).


Fig. II - Corte histológico mostrando o cisticereo.


Após êsse dado, procuramos completar o estudo clínico da paciente e para isto solicitamos radiografias das pulmões e do crânio, exame das fezes e reação do desvia do complemento, os quais foram negativos,

0 outro caso, trata-se de paciente enviada ao Ambulatório O. R. L., pela l.ª Clínica Médica, em 6.63, com anemia a esclarecer, apresentando um nódulo na língua. A. R. M., 34 anos, feminina, branca, solteira, prendas domésticas, residente em S. Paulo.

História: refere que notou pequeno nódulo na ponta da língua, há cêrca de 2 anos, sem tendência a aumentar de volume, à não ser em certos períodos, de carta duração, quando tornava-se doloroso.

Não tem queixas de garganta e nariz. Últimamente tem tido otalgias esporádicas.

Exame otorrinolaringológico: pequeno nódulo do tamanho de grão de milho, na ponta da língua, metade E. Não há ulceração, nem dôr à pressão.

Garganta, nariz e ouvidos - n. d. n.

Mucosas descoradas.

No prontuário da l.ª Clínica Médica (31.5.63), consta que há 7 anos foi-lhe extirpador um "quisto" asilar, cujo diagnóstico não foi feito. Sempre foi anémica. Perdeu 6 kg em 2 mêses; dôr de estômago, febre intensa; língua quente; dôr nas pernas. Baço e fígado n.d.n.

Apresentava 3.200.000 glóbulos vermelhos/min3, tenda recebido transfusões de sangue. Evolução: tratada a anemia, apresentava cm 13.7.63, os seguintes achados hematológicos: hemoglobina 13,6 g/100 ml (85%); leucócitos 8.900/mm"; neutrófilos bastonetes, 7%; neutrófilos segmentados, 46%; eosinófilos, 7%; basófilos, 0%; linfócitos, 36%; e monócitos, 4%.

Em 15.7.63 foi feita a exérese do nódulo, sob anestesia local, por infiltração de Ravocaina a 2%. O nódulo era encapsulado, com cêrca de 0,5 cm de diâmetro e foi retirado íntegro.

O exame histopatológico revelou tratar-se de cisticercose (figura 3).


Fig. III - Corte histológico onde observa-se cápsula fibrosa em tôrno do cistecerco.


Em vista do resultado pedimos os exames necessários para pesquisa de cisticercose em outras localizações, mas a doente não mais compareceu à Clínica tendo sido realizados os seguintes exames:

Parasitológico de fezes: ovos de trichocephalus trichiurus e endodimax nana.

Weinberg no sangue - negativo.
Abreugrafia (28.5.03) - normal.
Hemossedimemação (3.6.63) - 8 (normal até 12 mm).
Parasitológico de fezes (3.6.63) - trichocephlus trichiurus: giardia lamblia.

GENERALIDADES

Segundo PESSOA (1958) a ordem cylophilidea, platelmintos com numerosas espécies parasitas do homem, requerem no seu ciclo um único hospedeiro) intermediário, o qual ingere o ovo. Liberta-se então, no tubo digestivo, o embrião hexacanto que vai se fixar nos tecidos, transformando-se em larva que pode ser:

1) cisticerco, vesícula grande;
2) cisticercoide, com vesícula rudimentar;
3) cenuno certa vesícula grande e de número de escolex;
4) equinococo, com vesículas prológeras.

A família Taenidae apresenta três géneros: Taenia, com larva cisticerco; Multiceps com larva cenuro; e Echinercocus. com larva equinococo.

Cisticercose é a infestação pela larva (cyst cercos cellulosae) da Taenia solium, e só excepcionalmente pela da Taenia saginata (cysticercus bovis).

Ciclo evolutivo): A Taenia solium e a Taenia saginata, na fase adulta, são parasitas dor homem. Os hospedeiros intermediários são o porco e boi, respectivamente.

O homem adquire a Tênia "solitária" ingerindo carne mal cozida de porco com cisticercose. No intestino delgado o escolex se fixa à mucosa, desenvolve-se o colo e inicia-se a formação de proglótidas, que começarão) a ser eliminadas nas fezes após cêrca de três meses. O porco ingere os ovos (embrióforos) libertados pelos proglótides no meio externo. O embrião abandona seu envoltório no intestino delgado, atravessa a mucosa e paredes dos vasos ativamente, e arrastado pela circulação), fixa-se nos diversos órgãos do hospedeiro intermediária e transforma-se em cisticercose, completando-se assim o ciclo.

O homem pode ser infestado pela larva da T. solium (cysticercus cellulosae) por três processos: hetero-infestação, autoinfestação interna e auto-infestação externa.

LOCALIZAÇÃO DO CISTICERCO

Os cisticercos não se distribuem ao acaso nos diversos órgãos; fixam-se, com mais freqüência, em órgãos que oferecem pouca resistência ao seu crescimento e pouco sujeitos a traumas.

VOSGIEN (1911), in REV (1958), apresentou um levantamento das localizações mais freqüêntes da cisticercose humana, em 807 casos:

talhos e anexos - 46,00%;
sistema nervoso - 40,90%;
pele e subcutâneo - 6.32%;
músculos - 3,47%;
outros órgãos - 3,22%.

Como referimos acima, não há citação de casos de cisticercose humana lingual, o mesma acontecendo com as gengivas.

Pensamos ter dado, com êste estudo, o justo realce que merece a possibilidade, embora rara, da localização de cisticercose humana na língua, de valor no diagnóstico diferencial dos tumores desse órgão. Ademais, deve ser ainda destacada a importância do exame histopatológico da peça operatória, o qual, além de nos propiciar o diagnóstico definitivo da moléstia, desperta-nos a direção da pesquisa para outras localizações da moléstia nos mesmos indivíduos.

SUMMARY

The autors present two cases of human cisticercus of the tongue, encountered very seldom, which was diagnosed by means of the histopathological examination of the specimen.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) GRACANIN, S. - An unusual case of Echinococcus cyst of the tongue. Jour. of Laryngol. and Otol. 77:62-1-626, 1963.
2) PEMA, S. B. - Parasitologia Médica - Rio de Janeiro - Guanabara - Koogan, 1958.
3) REY, L. - Cisticercose Humana (cont.) - Rev. Roche, ano 18:207-212, 1958.

(*) Trabalho realizado na Clinica Otorrinolaringelógica do Hospilal das Clinicas da Faculdade de Medicina da Un. S. Paulo. (Serviço de Prof. Raphael da Nova).
(**)Assistente - Livre Docente.
(***) Assistente - Chefe de Clínica.
(****} Ex-médico da Clínica.
(*****)- Médico contratado do Hospital das Clínicas.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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