INTRODUÇÃOA história da cirurgia conservadora da laringe em neoplasia malignas teve diferentes enfoques de 1870 a 1970. Houve grande relutância em aceitá-la no início, porém eram realizadas cirurgias parciais com diferentes técnicas reconstrutivas que levavam ao mesmo resultado (1). Dentre os tumores da laringe, apresentam os glóticos melhor prognóstico devido a precocidade dos sintomas e à tardia disseminação linfática. Nesses casos, as cirurgias econômicas e oncologicamente viáveis são seguidas por diferentes técnicas de reconstrução que visam a manutenção das funções fisiológicas do paciente.
O objetivo deste estudo é mostrar os resultados obtidos em seis pacientes, que foram submetidos a cordectomias unilaterais com reconstrução glótica (enxerto de hélix), e que serão discutidos individualmente.
MÉTODOTodos os pacientes foram classificados como T2 N0 M0 segundo a classificação do American
Joint Committee de 1976 (2). Foram realizadas traqueostomias seguidas de cordectomias totais unilaterais através de laringofissura por cervicotomia horizontal anterior. Os materiais retirados foram submetidos a biópsia por congelação e enviados para análise anátomo-patológica. Obtiveram-se enxertos de hélix unilateral em todos os casos (Fig. 1,2), separando-se a pele da cartilagem com exceção do bordo superior desta que é cortado para formar um trapézio (Fig. 3), permitindo que a pele possa unir-se à área cruenta, no lugar da corda vocal retirada (Fig. 4). Esse enxerto foi suturado na mucosa da laringe com pontos separados de catgut cromado 3-0 (Fig. 5). O pavilhão (área doadora) foi suturado com nylon 4-0, após divulsão cuidadosa para aproximar os bordos da ferida (Fig. 2).
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Figura 1. Enxerto de hélix a ser retirado.
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Figura 2. Pavilhão após a retirada do enxerto.
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Figura 3. Preparo do enxerto: a) Enxerto já com pele e pericôndrio descolados bilateralmente; 1: Cartilagem; 2: Pele e pericôndrio. b) Seqüência de preparo da cartilagem do enxerto, para adquirir conformação trapezóide de base inferior, para melhor acomodação da pele na sutura; 1: Cartilagem; 2: Pele e pericôndrio. e) Seqüência do resultado final da sutura do enxerto na área cruenta, com preparo da cartilagem.
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Figura 4. Cordectomia através de laringofissura.
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Figura 5. Enxerto de hélix suturado. Aspecto de neocorda vocal.
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Figura 6. Fechamento da laringofssura.
A decanulação foi feita, em média, após 30 a 40 dias no pós-operatório (após o término da radioterapia que foi realizada em todos os pacientes) e a alimentação por sonda nasogástrica mantida por 7 (sete) dias. A antibioticoterapia com cefalosporina de 2° geração teve duração de 10 (dez) dias.
O seguimento desses pacientes variou de 5 (cinco) meses a 11 (onze) anos.
DESCRIÇÃO DOS CASOSCASO 1.º. C.A.F., 54 anos, sexo masculino, aposentado, natural de São Paulo, tinha história de disfonia permanente há 6 meses. Tabagista. Foi realizada laringoscopia direta com biópsia, sendo diagnosticado carcinoma espinocelular de corda vocal esquerda com motilidade diminuída. Foi submetido à cordectomia esquerda com colocação de enxerto de hélix em 30/04/84. As margens cirúrgicas estavam livres. Foi acompanhado anualmente sem intercorrências até que há três anos (oito anos após a cirurgia), o paciente retornou com queixa de disfonia. A laringoscopia direta visualizou granuloma no enxerto que foi retirado por microcirurgia de laringe em 30/09/92. Dois anos após, apresentou lesão vegetante e edema em metade anterior da corda vocal direita. A biópsia revelou nódulo, sendo tratado com fonoterapia.
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CASO 2° : G.D., 29 anos, sexo masculino, auditor, natural de São Paulo, queixava-se de disfonia há 7 meses. Apresentava à laringoscopia direta, tumor vegetante em terço médio de corda vocal esquerda e motilidade diminuida. O diagnóstico da biópsia foi carcinoma infiltrativo. Havia sido biopsiado em 1985, quando foi diagnosticado papiloma da corda vocal e laringite crônica. Submeteu-se à cordectomia esquerda e colocação de enxerto de hélix em 14/01/88. Três meses após a cirurgia, apresentou estenose traqueal, sendo submetido a traqueoplastia.
CASO 3° : D.N.R., 29 anos, sexo feminino, comerciante, nacionalidade boliviana, queixava-se de disfonia há 1 ano. Negou tabagismo. A laringoscopia direta revelou lesão vegetante infiltrativa em terço médio da corda vocal direita com diminuição de motilidade, já diagnosticada como carcinoma epidermóide microinvasivo grau 1. Foi submetida à cordectomia direita com colocação de enxerto de hélix em 21/03/94. As margens cirúrgicas apresentavam-se livres. Permaneceu com molde de laringe de Montgomery por 2 meses.
CASO 5°: J.C.S.,36 anos, sexo masculino, comerciante, natural de Alagoas. Apresentava disfonia há oito meses. Tabagista. A laringoscopia direta, observou-se lesão vegetante em terço anterior da corda vocal direita, acometendo comissura anterior. Revelou à biópsia, carcinoma espinocelular moderadamente diferenciado infliltrativo, à direita, e hiperplasia epitelial atípica serra sinais de infiltração do estroma à esquerda. Foi submetido à cordectomia em 08/05/95 e colocado enxerto de hélix à direita. Foi retirada tira de cartilagem tiróide. Margens cirúrgicas livres. O resultado anátomo-patológico confirmou diagnóstico em relação à corda vocal direita; porém, a esquerda revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado, superficialmente infiltrativo e hiperplasia epitelial atípica focal.
CASO 6°: A.T.M.B.,47 anos, sexo feminino, gerente, natural de São Paulo. Apresentava queixa de disfonia progressiva há 1 mês. Teve vários episódios anteriores com remissão espontânea. Negou queixas respiratórias e tabagismo. A laringoscopia direta, observou-se lesão vegetante comprometendo a corda vocal direita. Motilidade diminuída. A biópsia revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado invasivo. Foi submetido à cordectomia direita, com retirada da cartilagem aritenóde ipsilateral em 12/06/95 e feito enxerto de hélix. Margens cirúrgicas livres. Colocado molde de laringe de Montgomery, que foi retirado após dois meses.
CASO 4°: A.M.T.N., 58 anos, sexo masculino, comerciante, nacionalidade portuguesa, apresentava disfonia há 1 ano. Tabagista. A laringoscopia apresentava lesão branca na corda vocal direita (comissura anterior) com motilidade diminuida. A biópsia revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado infiltrativo. Foi realizada cordectomia direita em 09/02/95, com colocação do enxerto de hélix. Margens cirúrgicas livres.
RESULTADOSA técnica de cordectomia por laringofissura com reconstrução de hélix nos tumores glóticos malignos T2 N0 M0 mostrou bons resultados funcional e oncológico. Dos seis pacientes operados, um apresentou granuloma no enxerto e, após dois anos, observou-se nódulo na corda vocal remanescente (caso 1) e outro teve estenose traqueal (caso 2). As seqüelas foram tratadas com sucesso. Nenhum deles teve recidiva do tumor e a qualidade vocal variou de razoável a boa. Todos mantiveram respiração adequada e função esfinctériea preservada (vide quadro 1).
DISCUSSÃOTumores limitados à corda vocal podem ser adequadamente tratados pela hemilaringectomia padrão. A falha desse procedimento ocorre quando realizado em lesões que se estendem por mais de 4 mm para a sub-glote (3).
Segundo Biller & Lawson (1985), a radioterapia como tratamento único falhou em 50% dos casos contra 73% de eficácia nos pacientes submetidos a cirurgia, quando há limitação de motilidade da prega vocal (3). Mamede & Mello Filho (1993), relatam que a radioterapia só deverá ser realizada se houver dúvidas coro relação ao comprometimento das margens cirúrgicas (4). Em nossa casuística, havia diminuição da motilidade da prega vocal comprometida sem, entretanto, caracterizar-se paralisia, que nos levou à associação da radioterapia em todos os casos.
Várias técnicas são descritas para a reconstrução da laringe: retalho miocutâneo de platisma (4), retalho de tecido gordurosos (5), retalho de cartilagem septal (6), fragmento bipendiculado de esternohióide (7), fragmento de pericôndrio (1) e outras. Nossa proposta soma-se às preexistentes como mais um procedimento de execução simples e resultados alentadores. Como nas demais cirurgias, a neolaringe ou a neocorda vocal que se consegue, objetivo das diferentes técnicas, garante também melhores condições de vida ao paciente. A reconstrução da laringe com retalhos evita a traqueostomia permanente (4), a formação de sinéquias e melhora a aproximação dos bordos das cordas vocais com melhor emissão vocal (4, 8). Rotação de retalhos envolve, em geral, procedimentos minuciosos, não raro demorados, e cuidados com pedículos que nem sempre ficarão viáveis na complementação radioterápica que a patologia básica exige. Pensando assim, procuramos parâmetros na literatura de enxertos livres para a reconstrução dessa área, sua obtenção e seus resultados.
Laurian & Zohar (1981) relatam a reconstrução da laringe com o uso de enxerto autógeno mucosseptal nasal, advogando a fácil obtenção desse material que, além de bom suporte para a laringe, forra adequadamente a área cruenta (6). O enxerto de hélix comporta-se de forma semelhante ao mucosseptal, forrando a área cruenta, sustentando e dando volume para uma neocorda vocal.
As complicações que ocorreram, foram tratadas e eficazmente contornadas. Ocorreram retrações de aproximadamente 40% do enxerto livre em dois casos que prejudicaram a qualidade vocal. Nos casos mais recentes, utilizamos enxerto de maior tamanho, com melhores resultados funcionais. Não houve nenhum caso de desprendimento ou necrose do enxerto. O acompanhamento de longo prazo, em alguns casos, com resultados oncológicos e funcionais satisfatórios, encoraja-nos a adotar o procedimento em nosso serviço para os casos devidamente selecionados.
CONCLUSÃO1. Pacientes com neoplasia malignas glóticas T2 N0 M0 podem ser adequadamente tratados por cordectomia associada a radioterapia ;
2. A colocação do enxerto no mesmo tempo cirúrgico melhora a emissão vocal pós-operatória e auxilia na manutenção das funções esfinctéricas que possibilitam melhor qualidade de vida;
3. O enxerto de hélix é facilmente obtido e permanece viável após complementação radioterápica, além de fornecer volume adequado à neocorda vocal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BAILEY, B.J. ; GALVESTON, T. ; CALCATERRA, T.C. - Glottic reconstruction after hemilarygectomy Bipedicle muscle flap laryngoplasty. Laryngoscope, 85: 96077, 1975.
2. MANIGLIA, J.J. ; MANIGLIA, A.J. - Câncer de laringe e hipofaringe. In: Lopes Filho, O. & Campos, C.A.H. - Tratado de Otorrinolaringologia, São Paulo, Editora Roca Ltda, 1994. 1040-1041.
3. BILLER, H.F. & LAWSON, W. - Partial laryngectomy for vocal cord cancer with marked limitation or fixation of the vocal cord. Laryngoscope, 96: 61-4,1986.
4. MAMEDE, R.C.M. & MELLO FILHO, F.V. - Reconstrução nas laringectomias parciais. Rev. Bras. Cir. Cab. Pesc., 17: 157-63, 1993.
5. DEDO, H.H. - Technique for vertical hemylaryngectomy to prevent stenosis and aspiration. Laryngoscope, 85: 978-88, 1975.
6. LAURIAN, N. & ZOHAR, Y. - Laryngeral reconstruction by composite nasal mucoseptal graft after partial laryngectomy : Three years follow-up. Laryngoscope, 91: 609-16, 1981.
7. OGURA, J.H. & BILLER, H.F. - Glottic reconstruction following extended frontolateral hemilaryngectomy. Laryngoscope, 79: 2181-4, 1969.
8. QUINN, H.J. - A new technique for glottic recontruction after partial laryngectomy. Laryngoscope, 70: 1980-2011, 1970.
*Professor Doutor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia de Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes - S.P. Supervisor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" e CLINORL - Hospital Especializado.
** Residente em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" - Sociedade Beneficente São Camilo.
*** Residente em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" - Sociedade Beneficente São Camilo.
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes e CLINORL - Hospital Especializado.
Endereço para correspondência: Av. Leôncio de Magalhães, 750 - Jd. São Paulo - São Paulo - S.P. - CEP: 02442 -000 - Brasil
Artigo recebido em 23 de novembro de 1995.
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 1996.