ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2222 - Vol. 62 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 1996
Seção: Artigos Originais Páginas: 274 a 278
Reconstrução na Cordectomia Unilateral com Enxerto de Hélix
Autor(es):
Edson Carlos Miranda Monteiro *,
Erika Maria Fukushima **,
Antonio Cesar de Carvalho Ramos ***.

Palavras-chave: Enxerto, laringe

Keywords: Graft, larynx

Resumo: Neste estudo, apresentamos seis pacientes com neoplasia maligna glótica tratados por cordectomia e reconstrução com enxerto de hélix. Preconizamos esse enxerto devido à facilidade de obtenção do mesmo, além de prover de bom suporte para a laringe e forro satisfatório para a área cruenta. A neolaringe previne a traqueostomia permanente e melhora a qualidade vocal.

Abstract: In this study, we present six patients with glottic carcinoma treated by cordectomy and hélix graft reconstruction. It's a simple method and provides satisfactory rigid cartilaginous wall and lining to the lumen. The neolarynx prevines the tracheostomy and improves in quality the postoperative voice.

INTRODUÇÃO

A história da cirurgia conservadora da laringe em neoplasia malignas teve diferentes enfoques de 1870 a 1970. Houve grande relutância em aceitá-la no início, porém eram realizadas cirurgias parciais com diferentes técnicas reconstrutivas que levavam ao mesmo resultado (1). Dentre os tumores da laringe, apresentam os glóticos melhor prognóstico devido a precocidade dos sintomas e à tardia disseminação linfática. Nesses casos, as cirurgias econômicas e oncologicamente viáveis são seguidas por diferentes técnicas de reconstrução que visam a manutenção das funções fisiológicas do paciente.

O objetivo deste estudo é mostrar os resultados obtidos em seis pacientes, que foram submetidos a cordectomias unilaterais com reconstrução glótica (enxerto de hélix), e que serão discutidos individualmente.

MÉTODO

Todos os pacientes foram classificados como T2 N0 M0 segundo a classificação do American
Joint Committee de 1976 (2). Foram realizadas traqueostomias seguidas de cordectomias totais unilaterais através de laringofissura por cervicotomia horizontal anterior. Os materiais retirados foram submetidos a biópsia por congelação e enviados para análise anátomo-patológica. Obtiveram-se enxertos de hélix unilateral em todos os casos (Fig. 1,2), separando-se a pele da cartilagem com exceção do bordo superior desta que é cortado para formar um trapézio (Fig. 3), permitindo que a pele possa unir-se à área cruenta, no lugar da corda vocal retirada (Fig. 4). Esse enxerto foi suturado na mucosa da laringe com pontos separados de catgut cromado 3-0 (Fig. 5). O pavilhão (área doadora) foi suturado com nylon 4-0, após divulsão cuidadosa para aproximar os bordos da ferida (Fig. 2).



Figura 1. Enxerto de hélix a ser retirado.



Figura 2. Pavilhão após a retirada do enxerto.



Figura 3. Preparo do enxerto: a) Enxerto já com pele e pericôndrio descolados bilateralmente; 1: Cartilagem; 2: Pele e pericôndrio. b) Seqüência de preparo da cartilagem do enxerto, para adquirir conformação trapezóide de base inferior, para melhor acomodação da pele na sutura; 1: Cartilagem; 2: Pele e pericôndrio. e) Seqüência do resultado final da sutura do enxerto na área cruenta, com preparo da cartilagem.



Figura 4. Cordectomia através de laringofissura.



Figura 5. Enxerto de hélix suturado. Aspecto de neocorda vocal.



Figura 6. Fechamento da laringofssura.



A decanulação foi feita, em média, após 30 a 40 dias no pós-operatório (após o término da radioterapia que foi realizada em todos os pacientes) e a alimentação por sonda nasogástrica mantida por 7 (sete) dias. A antibioticoterapia com cefalosporina de 2° geração teve duração de 10 (dez) dias.

O seguimento desses pacientes variou de 5 (cinco) meses a 11 (onze) anos.

DESCRIÇÃO DOS CASOS

CASO 1.º. C.A.F., 54 anos, sexo masculino, aposentado, natural de São Paulo, tinha história de disfonia permanente há 6 meses. Tabagista. Foi realizada laringoscopia direta com biópsia, sendo diagnosticado carcinoma espinocelular de corda vocal esquerda com motilidade diminuída. Foi submetido à cordectomia esquerda com colocação de enxerto de hélix em 30/04/84. As margens cirúrgicas estavam livres. Foi acompanhado anualmente sem intercorrências até que há três anos (oito anos após a cirurgia), o paciente retornou com queixa de disfonia. A laringoscopia direta visualizou granuloma no enxerto que foi retirado por microcirurgia de laringe em 30/09/92. Dois anos após, apresentou lesão vegetante e edema em metade anterior da corda vocal direita. A biópsia revelou nódulo, sendo tratado com fonoterapia.





CASO 2° : G.D., 29 anos, sexo masculino, auditor, natural de São Paulo, queixava-se de disfonia há 7 meses. Apresentava à laringoscopia direta, tumor vegetante em terço médio de corda vocal esquerda e motilidade diminuida. O diagnóstico da biópsia foi carcinoma infiltrativo. Havia sido biopsiado em 1985, quando foi diagnosticado papiloma da corda vocal e laringite crônica. Submeteu-se à cordectomia esquerda e colocação de enxerto de hélix em 14/01/88. Três meses após a cirurgia, apresentou estenose traqueal, sendo submetido a traqueoplastia.

CASO 3° : D.N.R., 29 anos, sexo feminino, comerciante, nacionalidade boliviana, queixava-se de disfonia há 1 ano. Negou tabagismo. A laringoscopia direta revelou lesão vegetante infiltrativa em terço médio da corda vocal direita com diminuição de motilidade, já diagnosticada como carcinoma epidermóide microinvasivo grau 1. Foi submetida à cordectomia direita com colocação de enxerto de hélix em 21/03/94. As margens cirúrgicas apresentavam-se livres. Permaneceu com molde de laringe de Montgomery por 2 meses.

CASO 5°: J.C.S.,36 anos, sexo masculino, comerciante, natural de Alagoas. Apresentava disfonia há oito meses. Tabagista. A laringoscopia direta, observou-se lesão vegetante em terço anterior da corda vocal direita, acometendo comissura anterior. Revelou à biópsia, carcinoma espinocelular moderadamente diferenciado infliltrativo, à direita, e hiperplasia epitelial atípica serra sinais de infiltração do estroma à esquerda. Foi submetido à cordectomia em 08/05/95 e colocado enxerto de hélix à direita. Foi retirada tira de cartilagem tiróide. Margens cirúrgicas livres. O resultado anátomo-patológico confirmou diagnóstico em relação à corda vocal direita; porém, a esquerda revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado, superficialmente infiltrativo e hiperplasia epitelial atípica focal.

CASO 6°: A.T.M.B.,47 anos, sexo feminino, gerente, natural de São Paulo. Apresentava queixa de disfonia progressiva há 1 mês. Teve vários episódios anteriores com remissão espontânea. Negou queixas respiratórias e tabagismo. A laringoscopia direta, observou-se lesão vegetante comprometendo a corda vocal direita. Motilidade diminuída. A biópsia revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado invasivo. Foi submetido à cordectomia direita, com retirada da cartilagem aritenóde ipsilateral em 12/06/95 e feito enxerto de hélix. Margens cirúrgicas livres. Colocado molde de laringe de Montgomery, que foi retirado após dois meses.

CASO 4°: A.M.T.N., 58 anos, sexo masculino, comerciante, nacionalidade portuguesa, apresentava disfonia há 1 ano. Tabagista. A laringoscopia apresentava lesão branca na corda vocal direita (comissura anterior) com motilidade diminuida. A biópsia revelou carcinoma espinocelular bem diferenciado infiltrativo. Foi realizada cordectomia direita em 09/02/95, com colocação do enxerto de hélix. Margens cirúrgicas livres.

RESULTADOS

A técnica de cordectomia por laringofissura com reconstrução de hélix nos tumores glóticos malignos T2 N0 M0 mostrou bons resultados funcional e oncológico. Dos seis pacientes operados, um apresentou granuloma no enxerto e, após dois anos, observou-se nódulo na corda vocal remanescente (caso 1) e outro teve estenose traqueal (caso 2). As seqüelas foram tratadas com sucesso. Nenhum deles teve recidiva do tumor e a qualidade vocal variou de razoável a boa. Todos mantiveram respiração adequada e função esfinctériea preservada (vide quadro 1).

DISCUSSÃO

Tumores limitados à corda vocal podem ser adequadamente tratados pela hemilaringectomia padrão. A falha desse procedimento ocorre quando realizado em lesões que se estendem por mais de 4 mm para a sub-glote (3).

Segundo Biller & Lawson (1985), a radioterapia como tratamento único falhou em 50% dos casos contra 73% de eficácia nos pacientes submetidos a cirurgia, quando há limitação de motilidade da prega vocal (3). Mamede & Mello Filho (1993), relatam que a radioterapia só deverá ser realizada se houver dúvidas coro relação ao comprometimento das margens cirúrgicas (4). Em nossa casuística, havia diminuição da motilidade da prega vocal comprometida sem, entretanto, caracterizar-se paralisia, que nos levou à associação da radioterapia em todos os casos.

Várias técnicas são descritas para a reconstrução da laringe: retalho miocutâneo de platisma (4), retalho de tecido gordurosos (5), retalho de cartilagem septal (6), fragmento bipendiculado de esternohióide (7), fragmento de pericôndrio (1) e outras. Nossa proposta soma-se às preexistentes como mais um procedimento de execução simples e resultados alentadores. Como nas demais cirurgias, a neolaringe ou a neocorda vocal que se consegue, objetivo das diferentes técnicas, garante também melhores condições de vida ao paciente. A reconstrução da laringe com retalhos evita a traqueostomia permanente (4), a formação de sinéquias e melhora a aproximação dos bordos das cordas vocais com melhor emissão vocal (4, 8). Rotação de retalhos envolve, em geral, procedimentos minuciosos, não raro demorados, e cuidados com pedículos que nem sempre ficarão viáveis na complementação radioterápica que a patologia básica exige. Pensando assim, procuramos parâmetros na literatura de enxertos livres para a reconstrução dessa área, sua obtenção e seus resultados.

Laurian & Zohar (1981) relatam a reconstrução da laringe com o uso de enxerto autógeno mucosseptal nasal, advogando a fácil obtenção desse material que, além de bom suporte para a laringe, forra adequadamente a área cruenta (6). O enxerto de hélix comporta-se de forma semelhante ao mucosseptal, forrando a área cruenta, sustentando e dando volume para uma neocorda vocal.

As complicações que ocorreram, foram tratadas e eficazmente contornadas. Ocorreram retrações de aproximadamente 40% do enxerto livre em dois casos que prejudicaram a qualidade vocal. Nos casos mais recentes, utilizamos enxerto de maior tamanho, com melhores resultados funcionais. Não houve nenhum caso de desprendimento ou necrose do enxerto. O acompanhamento de longo prazo, em alguns casos, com resultados oncológicos e funcionais satisfatórios, encoraja-nos a adotar o procedimento em nosso serviço para os casos devidamente selecionados.

CONCLUSÃO

1. Pacientes com neoplasia malignas glóticas T2 N0 M0 podem ser adequadamente tratados por cordectomia associada a radioterapia ;

2. A colocação do enxerto no mesmo tempo cirúrgico melhora a emissão vocal pós-operatória e auxilia na manutenção das funções esfinctéricas que possibilitam melhor qualidade de vida;

3. O enxerto de hélix é facilmente obtido e permanece viável após complementação radioterápica, além de fornecer volume adequado à neocorda vocal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BAILEY, B.J. ; GALVESTON, T. ; CALCATERRA, T.C. - Glottic reconstruction after hemilarygectomy Bipedicle muscle flap laryngoplasty. Laryngoscope, 85: 96077, 1975.
2. MANIGLIA, J.J. ; MANIGLIA, A.J. - Câncer de laringe e hipofaringe. In: Lopes Filho, O. & Campos, C.A.H. - Tratado de Otorrinolaringologia, São Paulo, Editora Roca Ltda, 1994. 1040-1041.
3. BILLER, H.F. & LAWSON, W. - Partial laryngectomy for vocal cord cancer with marked limitation or fixation of the vocal cord. Laryngoscope, 96: 61-4,1986.
4. MAMEDE, R.C.M. & MELLO FILHO, F.V. - Reconstrução nas laringectomias parciais. Rev. Bras. Cir. Cab. Pesc., 17: 157-63, 1993.
5. DEDO, H.H. - Technique for vertical hemylaryngectomy to prevent stenosis and aspiration. Laryngoscope, 85: 978-88, 1975.
6. LAURIAN, N. & ZOHAR, Y. - Laryngeral reconstruction by composite nasal mucoseptal graft after partial laryngectomy : Three years follow-up. Laryngoscope, 91: 609-16, 1981.
7. OGURA, J.H. & BILLER, H.F. - Glottic reconstruction following extended frontolateral hemilaryngectomy. Laryngoscope, 79: 2181-4, 1969.
8. QUINN, H.J. - A new technique for glottic recontruction after partial laryngectomy. Laryngoscope, 70: 1980-2011, 1970.




*Professor Doutor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia de Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes - S.P. Supervisor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" e CLINORL - Hospital Especializado.
** Residente em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" - Sociedade Beneficente São Camilo.
*** Residente em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta" - Sociedade Beneficente São Camilo.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes e CLINORL - Hospital Especializado.

Endereço para correspondência: Av. Leôncio de Magalhães, 750 - Jd. São Paulo - São Paulo - S.P. - CEP: 02442 -000 - Brasil

Artigo recebido em 23 de novembro de 1995.
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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