ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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2213 - Vol. 55 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1989
Seção: Relato de Casos Páginas: 123 a 126
Displasia de Mondini associada à paralisia facial periférica. Relato de um caso
Autor(es):
Daisy Saba Arbache*
Norma de Oliveira Penido* *
Mário Sérgio Lei Munhoz Pedro***
Luiz Mangabeira Albernaz ****
Heverton Cesar de Oliveira*****

Resumo: Carlos Mondini descreveu uma displasia, em 1971, após dissecção dos ossos temporais de um menino de 8 anos de idade com alterações nos labirintos ósseo e membranoso. Os achados mais freqüentes nesta patologia são: malformação coclear com ausência da espira apical, alargamento dos aquedutos coclear, vestibular e dos canais semicirculares. Muitas etiologias já foram descritas, tanto genéticas, como adquiridas intra-útero. A displasia de Mondini é a segunda malformação mais comum da orelha interna, após a do tipo Scheibe. Sabe-se que há uma estreita correlação embriológica no desenvolvimento do nervo facial e da orelha interna, desta forma, pode-se explicar a existência de malformações associadas. Entretanto, não encontramos na literatura consultada, nenhum caso de paralisia facial com displasia de Mondini. Neste trabalho relatamos o caso de um menino de 8 anos de idade com história de anacusia e paralisia facial periférica à direita congênita. O diagnóstico de displasia de Mondini foi estabelecido através da história clínica, exames audiológicos e tomografia computadorizada de alta resolução.

Introdução

Em 1971, Carlo Mondini estudou os ossos temporais de una criança surda que sofreu um acidente com uma carreta e faleceu de gangrena. Neste estudo, pôde verificar a existência de alterações importantes nos labirintos ósseo e membranáceo (appud Mangabeira Albernaz).

Os achados morfológicos mais freqüentes nesta malformação são:

I cóclea achatada com ausência da espira apical, alargamento dos aquedutos da cóclea e do vestíbulo e, mais raramente, deformidade dos canais semicirculares. (Sando et alii, 1984).

Histologicamente, a manifestação mais freqüente é a dilatação dos espaços endolinfáticos, principalmente do labirinto anterior, e redução do número de estruturas com degeneração celular pós "hydrops". (Altmann, 1968).

Segundo Illum et alii (1972), quando a displasia de Mondini é manifestação isolada, seu acometimento é mais frequentemente bilateral, porém, quando faz parte de uma síndrome, a forma unilateral é mais comum.

Everberg et alii (1960) postularam, que a incidência desta displasia nas surdezes unilaterais é em torno de 14,75%, enquanto que, estudos de Mangabeira Albernaz et alii (1987) mostraram a incidência de 8,47% desta alteração nas crianças com disacusia neurossensorial congênita.

A etiologia desta malformação é extremamente variável. Shucknecht (1980) e Illum et alii (1972) descreveram causas adquiridas secundárias a fatores tóxicos, entre eles: doenças infecciosas (rubéola intra-útero) e uso de talidomida. Quanto às causas genéticas, praticamente todos os tipos de herança já foram descritos (Nance & Sweeney, 1975).



Figura 1



Figura 2



Figura 3



Figura 4



Figura 5



Neste trabalho, relatamos o caso de um menino de 8 anos de idade, com história de anacusia e paralisia facial periférica à direita congénitas.

Segundo sistematização de Magabeira Albernaz et alii (1981), o diagnóstico foi estabelecido através
história clínica , do eletrococleoafia e da análise das imagens das cápsulas óticas.

Neste caso, utilizamos tomografia computadorizada de alta resolução, segundo preconizam Maffe et alii (1984) e Higashi et alii (1983), além da audiometria de tronco.

Caso Clinico

A) Identificação:

R.W.T., sexo masculino, 8 anos, branco, natural e procedente de Pindamonhangaba - SP.

B) História Clinica:

Paralisia facial periférica e surdez desde o nascimento, ambas à direita. Sem nenhuma outra queixa associada.

C} Antecedentes pessoais:

Parto normal a termo, sem fórceps, nega patologias e uso de drogas durante a gestação ou outras intercorrências após o nascimento.



Figura 6



Figura 7



Figura 8



Figura 9



D) Exame físico:

Otoscopia. normal, bilateralmente.

Exame nervo facial: paralisia facial de características periféricas à direita.

E) Exames complementares:

I. Audiometria tonal:

Orelha esquerda: respostas a 5 dB NA em todas as freqüências examinadas. Discriminação vocal para monossílabos: 100%.

Orelha direita: ausência de resposta a 110 dB NA.

2. Impedanciometria:

Curva timpanomêtrica do tipo C à direita e do tipo AD à esquerda.

Ausência de reflexos contralaterais bilateralmente.

3. Eletrococleografia (EcoghG):

Orelha esquerda: limiar de 20 dB NA com formas de ondas e tempos de latência normais.

Orelha direita: respostas a 110 dB NA, somente.

4. Exame vestibular:

A reflexia labiríntica à direita.

5. Audiometria de tronco (ABR): Orelha esquerda: ondas presentes e tempos de latência normais a 10°dB NPS.

Orelha direita: ausência de respostas a 100 dB NPS.

6. Tomografia computadorizada de alta resolução:

A tomografia computadorizada de alta resolução mostrou extensa malformação do osso temporal direito, especialmente ao nível da orelha interna.

Os cortes tomográficos no plano axial com 30 graus de inclinação, evidenciaram dilatação do canal semicircular superior. Os canais semicirculares lateral e posterior não puderam ser individualizados.

No plano vestíbulo-coclear, o exame tomográfico mostrou grande cavidade irregular, que corresponde a uma fusão do vestíbulo, da cóclea e dos canais semicirculares lateral e posterior.

A porção horizontal do canal do facial, que foi bem demonstrada nos cortes axiais, tinha calibre aumenta do e tortuoso, com sinais de deiscência no seu 1/3 médio.

O conduto auditivo interno tare bém mostrava dimensões aumentadas e era assimétrico quando comparado com o lato contralateral.

A cadeia ossicular tinha aspecto normal.

O exame do osso temporal esquerdo foi totalmente normal.

Discussão

A malformação diagnosticada em nosso paciente foi classificada como displasia de Mondini, a qual apresenta um leque de variações que vão desde as que se assemelham à do tipo Michel, até uma leve alteração da lâmina espiral óssea (Munhoz, 1988).

Segundo Curtin, Vignaud et alii (1982), embriologicamente, a formação do nervo facial está intimamente ligada a duas estruturas. Centralmente, ele se desenvolve em associação com o otocisto e o gânglio acústico - vestibular, enquanto que, perifericamente, sua formação se relaciona com o 2° arco branquial. O nervo facial está situado posteriormente à cartilagem branquial do 2° arco (cartilagem de Reichert). Seu curso tortuoso dentro do osso temporal depende do desenvolvimento normal destas estruturas.

Após estudo radiológico dos ossos temporais de 47 pacientes, Mafee (1984) encontrou 8 casos que exibiam anomalias de ambas as orelhas, média e interna. Quatro desses pacientes apresentaram microtia e surdez neurossensorial associadas com paralisia facial periférica. Sabe-se que em várias orelhas com microtia, existem aberrações no trajeto do nervo facial, mas, nestes casos estudados, o nervo provavelmente não se exteriorizou do crânio, devido à severidade da displasia da orelha interna.

Summary

Carlo Mondini related a malformation, in 1971, after a study of the temporal borres of a deaf 8-year-oid boy with alterations of bony membranous labyrinth.

The most frequent findings in this pathology are, cochlear malformation with absecence of apical coil,wide cochlear and vestibular aqueducis and wide semicircular canais.

Several ethiologies have been described, both genetic and acquired.

The Mondini dysplaia is the second most Common ma formation of the inner ear, the first, being the Scheibe Type.

The embriologic development of the inner ear and the facial nerve are very close and it is reasonable to expect changes in these structures, however, we did not find in the literature any case of associated facial palsy and Mondini dysplasia.

We present the case of an 8-year-old boy with right congenitas deafness associated with right congenitas facial palsy.

The diagnoses of Mondini dysplasia was established by means of clinicai history, audiological examenations and temporal borre high resolutive CT scans.

Referências Bibliográficas

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13. CURTIN, H.D.; VIGNAUD, J. Anomaly of the facial canal in a Mondini malformation with recurrent meningitis. Radiology, (144): 335-41,1982.

14. MUNHOZ, M.S.L.; VIANNA, A.C.M.; BRANDÃO NETO, B.P.; GUILHERME, A., FUKUDA, Y. & MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. Diagnóstico da displasia de Mondini: aspectos eletrococleográficos. 262 Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, outubro, 1982.




* Estagidria do 3° ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escota Paulista de Medicina.
** Residente do 3-° ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de medicina.
*** Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia
**** Professor Titular e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina.
***** Pós-Graduando, nível de doutorado de Departamento de Diagnóstico por Imagem.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina - Chefe do Serviço: Prof. Dr. Pedro Luiz ~beira Albernaz.
Trabalho apresentado no 28° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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