ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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2211 - Vol. 55 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1989
Seção: Relato de Casos Páginas: 109 a 112
Schwanoma de nervo facial no ouvido médio. A propósito de um caso
Autor(es):
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida*
Ricardo Pires de Mello**
Regina Mizutani**
Nair Clea da Fonseca***
André de Campos Duprat****

Resumo: Os autores apresentam um caso de Schwannoma do nervo facial em que os exames iniciais simularam otite média secretora cova granuloma de colesterol ou colesteatoma. O interesse do caso apresentado fundamenta-se no diagnóstico diferencial das disacusias condutivas, na crítica aos métodos de investigação do ouvido médio e na discussão da solução cirúrgica.

Introdução

O Schwannoma do nervo facial é uma patologia relativamente rara, Saito e cols.(¹) referem que estudando 600 ossos temporais encontraram 5 desses tumores, quatro dos quais haviam se manifestado por paresia do músculo orbicular da órbita. Murata e cols.(²) em detalhada revisão da literatura encontraram 19 referências a Schwannomas do nervo facial intracranianos. Doyon(³) em sua experiência neuroradiológica observou 43 casos de tumor acometendo o nervo facial, dos quais apenas 9 eram Schwannomas, sendo patologia mais comum o colesteatoma.

O diagnóstico pré-operatório de certeza é muito difícil. Cawthorne e cols (4) citam 3 casos operados sendo que em apenas 1 havia o diagnóstico pré-operatório por ter se apresentado como polido aflorando no ouvido externo que retirado provocou paralisia do território facil e o exame anátomo patológico mostrou tratar-se de Schwannoma. Refere ainda que em sua experiência a patologia mais comum que afeta o nervo facial intra-temporal é o colesteatoma.

Na literatura, os sinais e sintomas observados são muito variáveis, serdo na enorme maioria dos casos a paresia ou paralisia do território motor do nervo facial o sinal de alerta. Horn e cols.(5) apresentando 3 casos de Schwannoma intra-temporais do nervo facial, discutem a dificuldade de diagnóstico pela polimorfia dos sinais e sintomas auditivos e vestibulares e a possibilidade de evoluirem sem sintoma até assumirem tamanho considerável. Comentam ainda que esses tumores se desenvolvem seguindo o trajeto do nervo, tendo sido observado tumores que quando diagnosticados já ocupavam mais de uma localização de ouvido médio e espaço intracraniano ou mastoide e extra temporal.

O tratamento cirúrgico é indicado não só pela possibilidade de malignização nos casos de neurofibromatose como pelo acometimento progressivo de estruturas nobres vizinhas. Horn e cols.(5) discutem a técnica cirúrgica ressaltando a necessidade de preservação das funções vestibular, auditiva e da mímica.

Janecka e Conley(6) discutindo sua experiência com neoplasias do nervo facial referem 13 casos de tumores intra-temporais sendo que 3 acometiam o gânglio geniculado. Preconizaram como tratamento sempre que possível o uso de enxerto imediato, caso contrário utilizaram anastomose hipoglosso-facial. Em todos os casos aconselham o treinamento pós-operatório de movimentação ativa da face.

Relato de caso

Paciente de 23 anos, sexo masculino, cor branca, referiu haver se submetido há 12 anos a neurocirurgia de um "neuroma do nervo trigêmio" à esquerda.

Há cerca de um ano apresentou disacusia progressiva no ouvido direito.

Atendido em serviço especializado, foi levantada a hipótese diagnostica de otite secretora, pela audiometria, impedanciometria e radiografia convencional de osso temporal, tendo sido colocado um tubo de ventilação, sem qualquer melhora da audição.

Pelo insucesso da primeira intervenção, foi feita timpanotomia exploradora, encontrando-se "tecido de granulação", do qual não chegou às nossas mãos o exame histopatológico.



Figura 1 - Audiometria e impedanciometria.



Figura 2 - Tomografia computadorizada notando-se preenchimento do ouvido médio por massa que rechaça a cadeia ossicular para fora.



No primeiro atendimento em nosso serviço foi notada otoscopia normal bilateralmente e nasofaringoscopia normal. A audiometria e impedanciometria mostram disacusia condutiva (Fig. 1).

Em segundo atendimento encontrou-se uma massa não pulsátil comprimindo a metade posterior do tímpano e anteriorizando o cabo do martelo, além de pequena perfuração anterior da membrana timpanica, sem infecção. Os movimentos da face eram normais e não havia história de paresia passada.

A tomografia computadorizada mostrou velamento de mastoide direita e massa tecidual no ouvido médio (Figs. 2 e 3). Foi feita a hipótese diagnóstico de mastoidite crônic com colesteatoma envolvendo cadeia ossicular.

A cirurgia foi realizada a seguir tendo sido encontrado muco preenchendo a cavidade mastóidea e uma massa tecidual ocupando o ouvido médio, aditus e antro, prolongandose anteriormente ao cabo do martelo (Fig. 4).

Para haver acesso ao tumor foram retirados martelo e bigorna que se achavam desarticulados do estribo, justificando a hipoacusia condutiva. O nervo facial apresentava continuidade com a formação e foi seccionado proximal e distalmente ao tumor. Retirado o tumor procedeu-se ao exame anátomo patológico, cujo resultado demonstrou tratar-se de Schwannoma.

Foi feito enxerto imediato com fragmento de nervo sural e timpanoplastia com interposição da bigorna do paciente.

A evolução do caso foi boa havendo início da recuperação dos movimentos da face sete meses após a cirurgia, sendo nesse intervalo tomadas medidas apenas em relação ao olho para evitar ressecamente da córnea. Após o início da reinervação da musculatura da face foram incentivados exercícios de movimentação voluntária, obtendo-se resultado funcional satisfatório um ano após a cirurgia (Fig. 5). A audição foi preservada com uma diferença de limiar osseo-aéreo de 20 decibéis, esperado nesse tipo de cirurgia.



Figura 3 - Tomografia computadorizada mostrando massa tumoral preenchendo o ouvido médio, preservando a trompa de Eustáquio o bloqueando o Antro com conseqüente preenchimento da mastóide com muco, simulando o quadro de colesteatoma ou processo inflamatório de ouvido médio envolvendo a cavidade de mastóide.



Figura 4 - Esquema referentes a: A. - Aspecto cirúrgico do tumor antes da remoção. B. - Aspecto cirúrgico do coto do nervo facial após a remoção do neuroma. C. - Anastomose por justa posição com enxerto de nervo sural.



Figura 5 - Motricidade dos másculos da face um ano após a remoção do Schwannoma no ouvido direito com enxerto imediato de nervo.



Discussão

Diagnóstico

Este caso mostra a importância de se pensar, entre as hipóteses do diagnóstico diferencial das disacusias condutivas progressivas unilaterais, no Schwannoma do nervo facial envolvendo o antro e assim deslocando progressivamente o corpo dos ossículos. Nessa fase a otoscopia pode ser inconclusiva e a timpanometria sugerir otite secretora.

No caso apresentado, um ano antes da cirurgia realizada em nosso serviço, o paciente havia se submetido a audiometria e Rx simples que caracterizaram uma otite secretora. Nessa fase a cirurgia poderia ter sido muito mais simples se o diagnóstico correto tivesse sido efetuado. Os elementos que revelariam a verdadeira natureza do processo seriam a valorização da impedanciometria e um estudo da região por tomografia computadorizada.

A possibilidade da doença de Von Recklingausen deve ser lembrada nos casos em que há história de ressecção de Schwannoma em outro local, como esse, em que há 13 anos havia sido submetido a cirurgia de um tumor do nervo trigêmeo com esse diagnóstico histopatológico, mesmo sem haver as características manchas em "café com leite" na pele, nem neuromas em outros nervos periféricos.

Indicação cirúrgica

A cirurgia do Schwannoma do facial intratemporal deve ser realizada o mais precocemente possível por dois motivos: o primeiro refere-se aos neuromas da doença de Von Recklingausen onde existe a possibilidade de malignização entre 2 a 29% dos casos, segundo diferentes autores. O segundo motivo refere-se ao tamanho do tumor que quanto menor na ocasião da cirurgia melhor o resultado em relação as seqüelas funcionais.

Na indicação da cirurgia, quando o Schwannoma do facial de ouvido médio for uma das possibilidades do diagnóstico diferencial, a equipe deve estar preparada para eventual necessidade de enxerto de nervo e mesmo abertura da fossa média, uma vez que, segundo Horn (1981), a maioria desses tumores envolvem o gânglio geniculado.

Técnica Cirúrgica

Tumores pequenos, de tamanho inferior a 1 cm podem muitas vezes ser ressecados sem a secção completa do nervo.

Quando medem 1 cm e apresentam envolvimento de todo o nervo, a ressecção pode ser feita seguida de aproximação dos cotos do facial com cirurgia de "re-routing".

Quando o tumor é grande, como no presente caso, a melhor solução é o enxerto com fragmento de nervo retirado do grande auricular ou sural. Nessa circunstância o prognóstico do resultado funcional é pior do que em casos anteriores. As alternativas para essa conduta, como a anastomose hipoglosso-facial, apresentam resultados ainda menos satisfatórios e devem ser evitados sempre que possível com tentativa de anastomose ou enxerto de nervo.

Conclusões

1. Em disacusias condutivas progressivas unilaterais, a hipótese de um neuroma do facial deve ser lembrada mesmo que não haja qualquer envolvimento motor da face.

2. A resolução da imagem da tomografia computadorizada é muito superior a outros tipos de exames radiográficos, sendo a melhor forma de levantar a hipótese diagnóstica de neuroma do facial do ouvido médio.

3. Nos pacientes em que há história de cirurgia prévia de neuroma, deve ser sempre considerada a hipótese da existência da doença de Von Recklingausen, mesmo que não existam outros sinais característicos.

4. A cirurgia do neuroma do facial intratemporal tem indicação formal especialmente na neurofibromatose múltipla e deve ser feita o mais precocemente possível.

5. Como o neuroma do facial faz parte do diagnóstico diferencial das cirurgias do ouvido médio, a equipe deve estar preparada para a possibilidade de um enxerto de nervo facial quando realizar tímpano-mastoidectomia para tratamento de colesteatoma ou granuloma de colesterol.

Summary

This case report presents a facial nerve Schwannoma that simulates a secretory otites media with cholesterol granuloma anda cholesteatoma.

The interest of the case is the dif ferential diagnoses of conductive hearing loss, the discussion of the methods of investigation of the middle ear and of the surgery.

Referências bibliográficas

1. Saito, H., Baxter, A. - Undiagnosed Intratemporal Facial Nerve Neurilemomas. Arch Otolaryng, 95:415-419,1972.

2. Murata, T., Hakuba, A., Okurnura, T., Mori, K. - Intrapetrous Neurinomas of the Facial Nerve. Surg. Neurol., 23: 507-512, 1985.

3. Doyon, D. - L'exploration neuroradiologique de nerf facial entra-pétreux et sa pathologie. Rev. de Laryng, 106: 46-55, 1985.

4. Cawthorne, T. - Intratemporal Facial Polsu. Arch Otolarung, 90: 137-147, 1969.

5. Horn, K.L., Crumley, R.L., Schindler, R.A. -Facial Neurilommomas. Laryngoscope, 91: 1326-1331,1981.

6. Janecka, I.P., Conley, J. - Primary Neoplasms of the Facial Nerve. Pl. and Rec. Sur., 79: 177-183,1987.




* Otorrinolaringologista, doutorem Medicina.
** Auxiliar de Ensino da Faculdade de Medicina de Jundiaí
*** Neurologista
**** Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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