INTRODUÇÃOO abscesso do septo nasal não é patologia muito freqüente, e por esta razão tem sido negligenciado pela literatura médica. Trata-se de coleção purulenta entre septo cartilaginoso ou ósseo e o seu mucopericôndrio mucoperiósteo correspondentes.
Foto 1: Abscesso do septo nasal, mostrando abaulamento do septo com obstrução das fossas nasais e edema da pirâmide nasal.
Foto 2: Abscesso concomitante na linha média do palato duro.
O Abscesso do septo nasal é secundário a hematoma septal que tem como causas básicas traumatismo nasal, procedimento cirúrgico no septo, ou mesmo hematoma espontâneo (1, 2).
O hematoma do septo descola o pericôndrio da cartilagem, privando-a de seu suprimento nutricional que já é por si só deficiente. Este fato, associado a vários outros fatores desconhecidos podem provocar dissolução ou absorção rápida da cartilagem quadrangular, freqüentemente dentro de 24 horas (3). Se ocorre infecção deste hematoma, a absorção da cartilagem pode ser até total (1).
O paciente queixa-se de dor, obstrução e edema nasal. A rinoscopia anterior mostra massa purpúrea, amolecida e abaulada no septo, e obstrução da cavidade nasal em um ou ambos os lados (Foto l).
O tratamento deve ser drenagem precoce do hematoma ou do abscesso e antibioticoterapia adequada para evitar a clássica deformidade nasal "nariz em sela". O tratamento inadequado ou tardio expõe o paciente a outras complicações graves como abscesso cerebral (2, 4), meningites (5) e perfuração do septo (6). A ausência de válvulas nas veias faciais, angular, etmoidal e oftálmica e a extensa drenagem perineural da base anterior do crânio facilita o comprometimento destas estruturas vizinhas (6).
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente do sexo feminino, de côr branca, de 17 anos de idade, solteira, estudante, atendida com queixas de dor e obstrução nasal, e febre há onze dias, tendo sido submetida no dia anterior a drenagem de abscesso do septo nasal por clínico, não tendo sido usado dreno. Apresentava também abscesso na linha média do palato duro (Foto 2) e queda do estado geral. O exame radiológico mostrava seios de face normal e material com densidade de partes moles ocupando o espaço intranasal. Submetida no mesmo dia à drenagem do abscesso bilateralmente, com saída de grande quantidade de exsudato purulento, tendo-se a sensação, com o toque, que a cartilagem quadrangular já estivesse destruída. Colocação de dreno de Penrose, que foi removido após três dias. A drenagem do abscesso do palato duro foi realizada por três vezes, já que era inexeqüível a colocação do dreno na região. A cirurgia foi realizada sob anestesia local. Foi usado cloranfenicol, Rocefin® e metronidazol. A cultura revelou presença de estafilococo áureo. O palato voltou ao normal e o resultado final foi "nariz em sela"(Fotos 3 e 4), e a paciente foi encaminhada para cirurgia plástica. Na anamnese, a paciente negou traumatismo nasal e relatava apenas manipulação nasal excessiva devido a rinopatia alérgica.
DISCUSSÃOÉ imperativo tomar-se cuidado especial no exame otorrino laringológico do paciente que sofreu trauma nasal, sobretudo em relação ao septo. Mesmo a cura espontânea do hematoma do septo pode deixar como seqüela grau variável de fibrose entre a cartilagem septal e o pericôndrio, criando grande espessamento do mesmo e retração da porção distal do nariz, se a cartilagem de suporte for insuficiente (7).
Fotos 3 e 4: " Nariz em sela " de frente e perfil, resultado final do tratamento inadequado do abscesso de septo.
Apesar da etioogia mais freqüente do hematoma, e conseqüentemente do abscesso do septo, ser o trauma nasal, a literatura também associa gripe, sinusites e furúnculo nasal. No caso considerado, o único relato é alergia nasal crônica severa, e a paciente iniciou seu quadro com dor nasal seguida de edema intenso da pirâmide nasal, obstrução nasal e febre. Provavelmente, a infecção se deu após irritação prolongada do epitélio de revestimento do vestíbulo nasal pelo uso contínuo e repetido do lenço, levando à destruição das camadas epidérmicas da pele e do vestíbulo nasal e conseqüente infecção da região, e por continuidade ou por via hematogênica infecção do espaço sub-pericondral.
O septo mantém contacto direto com todo o assoalho do nariz e o espaço morto criado pelo levantamento do pericôndrio e do periósteo drena o exsudato purulento para baixo (8) e, provavelmente, por continuidade provocou o abscesso do palato duro.
Todo paciente com obstrução nasal aguda, dor nasal e febre deve ser examinado cuidadosamente em relação ao septo, mesmo não tendo história de traumatismo nasal. Em 65,6% dos pacientes com abscesso do septo sua etiologia foi desconhecida, enquanto somente em 30,4% a etiologia foi traumatismo nasal (2). Muitos pacientes são dispensados do ambulatório sem exame intranasal cuidadoso porque não têm trauma externo no nariz. Deve-se ter maior conhecimento clínico das condições do hematoma ou de abscesso do septo para eliminar-se os erros de interpretação entre o abscesso do septo e o pólipo nasal, o tumor ou edema alérgico e pior ainda esperar pela complicação.
A complicação de deformidade nasal acontece em 50% dos casos (2) em que se desenvolveu o abscesso do septo e é por esta razão mais um motivo para alertar quanto ao exame adequado dos pacientes com queixas de obstrução nasal e dor nasal e, quando houver diagnóstico de hematoma ou abscesso do septo, realizar o mais precoce possível o tratamento de drenagem e colocação de dreno e antibioticoterapia adequados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1- CARRAWAY, J. H. & MELLOW, C. G. - Simple suction drainage: an adjunt to septal surgery. Ann. Plast. Surg. 24: 191-3, 1990.
2- CHUKUEZI, A. B. - Nasal septal haematoma in Nigeria. J. Laryngol. Otol 106(5): 396-8, 1992.
3- DONALD, P. J. - Minor intranasal procedures. Otolaryngol. Clin. North Am. 6 (3): 715-25, 1973.
4- McKASKEY, C. H. - Rhinogenic brain abscess. The Latyngoscope 61: 460-7, 1951.
5- EAVEY, R. D. - Bacterial meningitis secondary to abscess of the nasal septum. Pediatrics 60: 102-4, 1977.
6-AMBRUS, P. S.; EAVEY, R. D.; BAKER, A. S.; WILSON, W. R.; KELLY, J. H. - Management of nasal septal abscess. The Laryngoscope 91: 575-82, 1981.
7- RENNER, G. J. - Management of nasal fractures. Otolaryngol. Clin. North Am. 24(1): 195-213, 1991.
8- TEICHGRAEBER, J. F. & RUSSO, R. C. - Treatment of nasal surgery complications. Ann, Plast. Surg. 30(1): 80-8, 1993.
* Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Medicina Especializada do Centro Biomédico da Universidade Federal do E. Santo.
** Mestra em Otorrinolaringologia e Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Endereço: Av. Saturnino de Brito, 256 - Praia do Canto - Vitória - ES. CEP 29055-180.
Tema Livre apresentado durante o XXXV Congresso Médico Estadual da AMES, realizado em Vitória, ES, de 18 a 22 de outubro de 1994.
Artigo recebido em 05 de novembro de 1995.
Artigo aceito em 05 de fevereiro de 1996.