INTRODUÇÃO
A descoberta de tumor na região da cabeça ou pescoço gera muita ansiedade para o paciente, desejando determinar sua causa, e apresenta dilema diagnóstico para o médico. O diagnóstico diferencial para aumento anormal nesta área inclui condições diversas tais como neoplasias benignas e malignas; lesões inflamatórias agudas e crônicas: processos vasculares, neurogénicos, musculares e outros de tecido conjuntivo; anomalias de desenvolvimento relativas as fendas branquiais ou trato tiroglosso; lesões císticas benignas ou malignas nas glândulas salivares ou tiróide; aumentos traumáticos e linfonodos reacionais (9). Na investigação de tumor na cabeça e pescoço, além da história e do exame clínico, utilizam-se procedimentos radiodiagnósticos; porém, estes métodos podem não estabelecer diagnóstico definitivo, sendo necessária a utilização de biópsia.
A avaliação através de biópsia pode ser realizada pela punção aspirativa por agulha fina ou pela cirurgia. A biópsia cirúrgica incisional é contra-indicada. Existe a possibilidade de afetar o tratamento cirúrgico posterior e comprometer prognóstico do paciente, pois há o risco da semeadura de células malignas na pele e tecido subcutâneo, aumentando o risco de recorrência local (9). A biópsia excisional pode ser realizada, desde que haja condições para que se proceda à dissecção do pescoço no mesmo ato cirúrgico, no caso da congelação demonstrar malignidade.
A citologia por aspiração foi relatada primeiramente por Kun (7) em 1847. Este método caiu em desuso no início deste século com o advento da histologia. Nos anos 1930, o Dr. Hayes Martin (10) introduziu a técnica na avaliação de tumores de cabeça e pescoço no Memorial Hospital of New York. Porém, não houve aceitação geral nos USA, até que nos anos 1960, pesquisadores do Instituto Karolinska, em Estocolmo (3, 5), e na França (6), iniciaram a utilizar novamente a punção aspirativa por agulha fina com excelentes resultados. A extensa experiência na Escandinávia com a biópsia aspirativa para tumores em cabeça e pescoço tem demonstrado sua simplicidade, acurácia, segurança e diminuição de custos para o paciente (9).
TÉCNICA DA PUNÇÃO ASPIRATIVA
Para obtenção de aspiração adequada são necessários boa história clínica, exame físico e correto posicionamento do paciente (4). É essencial que o paciente seja posicionado, de tal maneira que o tumor fique proeminente à palpação, o que geralmente se obtém com a flexão da cabeça para o lado oposto ao tumor.
A técnica atual para obter o material é razoavelmente padronizada, desde a descrição de Franzen, e Zajicek (5). Uma seringa de 10 ou 20 ml é unida a uma agulha de calibre 22 à 25, a qual é usada para aspiração. Obviamente, quanto maior o diâmetro da agulha, maior a probabilidade de complicações e semeadura tumoral. A maioria dos tumores de cabeça e pescoço são palpáveis e são facilmente aspiradas com agulha calibre 25, sem necessidade de anestesia local (9). A seringa pode ser apoiada em suporte metálico, o qual permite ao médico exercer pressão negativa com uma mão, enquanto estabiliza o tumor a ser aspirado entre os dedos e o polegar da outra mão.
A pele é superficialmente limpa com algodão embebido em álcool. Aspira-se 1 ml de ar na seringa e após a agulha é introduzida na massa, estabilizada pelo examinador, que exerce pressão negativa no êmbolo. Com sucção contínua aplicada, a seringa é novamente inclinada para frente e para trás dentro do tumor, em diferentes direções. É importante que o aspirado não seja diluído com sangue. A pressão negativa na seringa é liberada antes que a agulha seja retirada, a fim de prevenir a possibilidade de semeadura de células ao longo do trajeto da agulha e para reter o material dentro da agulha (4, 9).
Uma vez que a seringa tenha sido retirada do tumor, a agulha é separada da seringa e introduz-se ar nesta. Feito isto, recoloca-se a agulha, a fim de expelir o material para a preparação das lâminas, e empurra-se o êmbolo da seringa. Os esfregaços são preparados com pequena gota do aspirado colocado sobre lâmina de vidro, onde este material é espalhado de maneira idêntica à preparação de esfregaços sangüíneos. As lâminas devem ser prontamente fixadas com álcool 95% ou secadas ao ar, e enviadas ao citopatologista para coloração posterior.
Geralmente, se a aspiração é feita com técnica correta, consegue-se resultados satisfatórios. Entretanto, pode-se recorrer a aspirações subseqüêntes com mínimas complicações para o paciente.
UTILIZAÇÃO
A punção aspirativa por agulha fina tem aplicabilidade em todos os tumores de cabeça e pescoço. Embora o exame físico e os estudos especializados (tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia) possam definir a origem de tumor no pescoço, a punção aspirativa representa o método mais acurado de determinar a etiologia (9).
A rapidez, facilidade e relação custo-benefício deste procedimento, torna-o método diagnóstico de primeira linha na investigação de tumor de cabeça e pescoço. Em 1982, Frable e Frabe (4) demonstraram que o custo de material para punção aspirativa nos USA era menor que 1 dólar, em comparação com o custo de uma biópsia excisional que atingia em torno de 2 300 dólares.
Entretanto, nem todas as massas que se apresentam no pescoço deveriam ser submetidas à punção aspirativa, como aconteceu com adenopatias secundárias à processos febris agudos ou com abscessos, que necessitam incisão e drenagem (9). Geralmente, procede-se a este recurso diagnóstico em casos de lesões que persistem além de 2 a 3 semanas ou quando não respondem ao tratamento efetuado, como por exemplo, com antibióticos.
A utilidade da punção aspirativa na avaliação de linfonodo aumentado tem sido demonstrada no diagnóstico de metástases cervicais e doenças inflamatórias crônicas. Aproximadamente 25 a 50% dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço apresentam-se com metástases para linfonodos (3). A sensibilidade e especificidade do exame, na maioria dos grandes estudos, ultrapassa 90% (3, 4, 10). Consequentemente, este procedimento tem importância fundamental no planejamento de cirurgia em neoplasias primárias de cabeça e pescoço e na determinação da operabilidade de malignidades infraclaviculares; além de determinar a necessidade de radioterapia ou quimioterapia.
O papel da biópsia aspirativa no diagnóstico de linfomas tem sido controverso; as referências sobre sua acuracia variam de 50 a 90% (2, 9). Assim, na presença de suspeita de linfoma à aspiração é prudente proceder-se à biópsia excisional, para confirmar o diagnóstico e estabelecer a classificação específica.
Na presença de lesão cística, deve-se fazer aspiração de todo o fluído, e se houver presença de qualquer massa sólida residual, repete-se a aspiração. Entranto, a distinção entre cistos benignos e carcinomas císticos tem gerado controversias diagnósticos. Da mesma forma, os pacientes submetidos a tratamento radioterápico apresentam fibrose e mudanças citológicas, geralmente obtendo-se material escasso, o que pode propiciar erros diagnósticos. É essencial a presença de citopatologista experiente e competente, e a íntima cooperação com o clínico ou cirurgião.
A punção aspirativa também tem-se demonstrado útil no diagnóstico de lesões de glandulas salivares. O diagnóstico diferencial usual inclui cistos, lesões inflamatórias e tumores benignos e malignos. A principal utilidade está na diferenciação de processos neoplásicos e não neoplásicos. A acurácia diagnóstica não é tão alta como em linfonodos cervicais, pela complexidade histológica. Entretanto, diminui a possibilidade de dano ao nervo facial com biópsia cirúrgica e fornece diagnóstico pré-operatório de neoplasia de glândula salivar para o planejamento cirúrgico. Frable & Frabe (4) relataram sensibilidade de 92% e especificidade de 99%, o que corresponde ao relato da maioria dos estudos que indicam acurácia diagnóstica de 81 a 98% na diferenciação de lesões benignas e malignas (9).
Aproximadamente 4 a 7% de todos os adultos norte-americanos apresentam um nódulo de tiróide clinicamente palpável (1). A maioria dos nódulos tiroideanos são benignos, porém a utilização da punção aspirativa no rastreamento de pacientes em risco para malignidade, tem-se demonstrado confiável. A acurácia diagnóstica para neoplasias malignas é maior que 95% na maioria das séries e a taxa de falsonegativos para câncer tiroideano é aproximadamente 1 a 2% (9).
As complicações associadas à punção aspirativa com agulha fina são infreqüentes. Hemorragia e semeadura de células malignas são problemas potenciais. Qualquer hemorragia subsequente à biópsia aspirativa é facilmente controlado com a pressão local, mesmo após aspiração de tumores vasculares (9). Não existe relato de semeadura de células malignas após aspiração de lesões de cabeça e pescoço. Os quatro casos relatados dessa complicação foram realizados transperitonealmente (6). Estudos da histologia de linfonodos demonstraram que o trajeto da agulha desaparece em poucos dias e que a aspiração não provoca distorção significativa da arquitetura dos linfonodos. Conseqüentemente, não há interferência com os estudos histológicos das peças excisadas subseqüentemente (6, 9).
Finalmente, tem-se enfatizado a utilidade da biópsia aspirativa no diagnóstico de massas de cabeça e pescoço em crianças. Mobley e colaboradores (8) em revisão da casuística de 15 anos no Medical College of Virginia, encontram-se sensibilidade de 94,4% e especificidade de 97,1%, concluindo que a biópsia aspiratativa deva fazer parte da investigação de lesões na população pediátrica, tendo mínimo trauma e nenhuma ou pequena morbidade.
CONCLUSÃO
A punção aspirativa por agulha fina tem assumido papel muito importante na avaliação de tumores de cabeça e pescoço. É procedimento rápido, seguro, acurado e com baixo custo na investigação de massas de etiologia desconhecida. São mínimas e raras as complicações da biópsia aspirativa, ocorrendo apenas pequeno desconforto para o paciente. O citopatologista experiente é essencial para o sucesso do procedimento, devendo haver estreita colaboração com o clínico ou cirurgião afim de otimizar esta técnica. É importante ter-se em mente que a punção aspiratíva não é substituto para biópsia cirúrgica, mas sim exame diagnóstico adicional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BOUVET, M.; FELDMAN, J. I.; GILL, G. N. et al - Surgical Managment of the Thyroid Nodule: Padent Selection Based on the Results of Fine-Needle Aspiration Cytology. Laryngoscope, 102: 1353-6, 1992. 2. CARTER, T. R.; FELDMAN, P. S.; INNES, D. J. et al - The Role of Fine Needle Aspiration Cytology in the Diagnosis of Lymphoma. Act Cytol, 32: 848-53, 1988. 3. ENGZELL, U.; JAKOBSSON, P. A.; SIGURDSON, A. ct al - Aspiration Biopsy of Metastatic Carcinoma in Lymph Nodes of the Neck. Acra Otolaryngol, 72: 138-47, 1971. 4. FRABLE, M. A. S.; FRABLE, W. J. - Fine-Needle Aspiration Biopsy Revisited. Laryngoscope, 92: 1414-8, 1982. 5. FRANZEN, S.; ZAJICEK, J. - Aspiration Biopsy in Diagnosis of Palpable Lesion of the Breast: Critical Review of 3479 Consecutive Biopsies. Acta Radiol Ther, 7: 241-62, 1968. 6. GUYOT, J. P.; OBRADOVIC, D.; KRAYENBUHL, M. et al - Fine-Needle Aspiration in the Diagnosis of Head and Neck Growths: Is it Necessary? Otolaryngol Head Neck Surg, 103: 697-701, 1990. 7. KUN, M. - A New Instrument for the Diagnosis of Tumors. Month J Med Sci, 7: 853-4, 1847. 8. MOBLEY, D. L.; WAKELY, P. E.; FRABLE, M. A. S. - Fine-Needle Aspiration Biopsy: Application to Pediatric Head and Neck Masses. Laryngoscope, 101: 469-72, 1991. 9. PATT, S. B.; SCHAEFER, S. D.; VUITHC, F. - Role of Fine-Needle Aspiration in the Evaluation of Neck Masses. Med Clin North Am, 77: 611-23, 1993. 10. SCHWARZ, R.; CHAN, N. H.; MaCFARLENE, J. K. - Fine-Needle Aspiration Cytology in the Evaluation of Head and Neck Masses.Am J Surg, 159: 482-5, 1990. 11. YOUNG, J. E.; ARCHIBALD, S. D.; SHIER, K. J. - Needle Aspiration Cytology Biopsy in Head and Neck Masses. Am J Surg 142: 484-9, 1981.
* Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. ** Professor Auxiliar de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. *** Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Endereço para correspondência: Guilherme Pilla Caminha - Rua Murilio Furtado, 186 - Petrópolis - Porto Alegre - RS.
Artigo recebido em 21 de agosto de 1995. Artigo aceito em 20 de março de 1996.
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