INTRODUÇÃOA aquisição de medicação sem prescrição médica é ato comum em nosso meio. Os balconistas de farmácia exercem papel preponderante nesse sentido, permitindo a venda sem prescrição ou prescrevendo por conta própria algumas medicações, muitas vezes com interesse comercial. Não se, pode negar o valor social e a utilidade do balconista na orientação da população em relação aos seus pequeno males, porém muitas vezes vemos jovens e inexperiente balconistas aventurando-se a diagnosticar e tratar problema mais complicados, prescrevendo medicações sem a real consciência da correta posologia, efeitos colaterais interações medicamentosas que possam ocorrer.
A sinusite aguda é patologia freqüente, sendo bastante comum nas épocas de frio, principalmente após quadros de infecções de vias aéreas superiores. Apesar de apresentar bom prognóstico na grande maioria das vezes, o seu tratamento de forma inadequada pode favorecer aparecimento de complicações, as quais invariavelmente pioram o prognóstico do paciente, podendo até ser fatal.
O objetivo do trabalho foi avaliar a conduta de balconistas de farmácias de São Paulo frente à situação extremamente freqüente na prática diária, a sinusite aguda.
TABELA 1 - Distribuição das condutas dos balconistas de 30 farmácias da Grande São Paulo em relação à sinusite aguda em criança.
MATERIAL E MÉTODOSForam avaliados 30 farmácias da região da grande São Paulo, escolhidas aleatoriamente. Para isso, dois residentes do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas fizeram-se passar pelos pis de uma criança de 4 anos de idade com quadro agudo de sinusopatia (febre, obstrução nasal, secreção esverdeada abundante e cefaléia) e abordaram os balconistas das diversas farmácias com a seguinte pergunta: "O que senhor nos aconselharia a fazer?", com o cuidado de não induzir as respostas. caso fossem indagados pelos balconistas, os dados da criança seriam os seguintes: 15 Kg e ausência de alergia a medicações.
Após e entrevista, os residentes deixavam as farmácias e anotavam os dados relevantes numa ficha previamente estipulada (conforme modelo anexo).
Para essa avaliação foram considerados 4 critérios:
1- o balconista orientou procurar um médico?
sim ( ) não ( )
2- o balconista prescreveu antibiótico?
sim ( ) não ( )
3- o balconista prescreveu gotas nasais?
sim ( ) não ( )
4- o balconista, ao prescrever, considerou alergia e peso?
sim ( ) não ( )
RESULTADOSEm relação ao critério 1 (o balconista orientou procurar um médico?):
Das 30 farmácias abordadas, em apenas 11 (36,67 %) os residentes foram orientados a procurar um médico, porém em 3 desses casos, o balconista propôs-se a vender medicação. Nas demais 19 farmácias (63,33%), nenhuma menção foi feita em relação ao médico e 18 balconistas prescreveram algum tipo de medicação, perfazendo um total de 21farmácias que fizeram prescrição. Em 1 das farmácias, o balconista não orientou a procura do médico, mas também não prescreveu medicação, sendo que a orientação dada ao residente foi a de procurar um farmacêutico...
Em relação ao critério 2 (o balconista prescreveu antibiótico?):
Das 21 farmácias onde foi feita prescrição de alguma medicação, 20 balconistas prescreveram medicação por via oral, associado ou não a gotas nasais, enquanto 1 prescreveu apenas gotas tópicas. Dos 21 balconistas, apenas 6 (28,5%) prescreveram antibiótico como tratamento da sinusopatia aguda e, mesmo assim, em nenhum caso essa prescrição foi feita corretamente no que diz respeito à dose ou tempo de tratamento estipulado. Foram consideradas corretas as prescrições que envolviam os antibióticos mais aceitos na literatura por um período mínimo de dez dias e, incorretas, as com posologia menor do que dez dias ou sem antibióticos. Os resultados podem ser vistos no Gráfico 1.
Em relação ao critério 3 (o balconista prescreveu gotas nasais?):
Das 21 farmácias onde foi feita prescrição de alguma medicação, 8 balconistas prescreveram gotas nasais (38,1%), todas contendo vasoconstrictor. Em 7 desses casos, houve associação de gotas com alguma medicação via oral, enquanto no caso restante, a prescrição envolveu apenas as gotas tópicas. Em todos os casos a posologia determinada foi sempre pouco precisa, por exemplo, enquanto tiver catarro, enquanto durar o frasco etc.
Gráfico 1: Posologia das medicações prescritas pelos balconistas.
Em relação ao critério 4 (o balconista, ao prescrever, considerou alergia e peso?):
Das 21 farmácias onde foi feita prescrição de alguma medicação, somente 3 (14,28 %) perguntaram o peso da criança e somente 1 (4,76 %) perguntou sobre alergia a medicamentos, sendo que nenhum perguntou sobre ambos. Deste modo, podemos dizer que nenhuma menção a uma possível alergia medicamentosa e ao peso da criança foi feita em mais de 80% das farmácias avaliadas.
DISCUSSÃOVários relatos da literatura estão demonstrando as deficiências das farmácias no atendimento de patologias comuns (1, 2, 3). Infelizmente, a análise de nossos resultados nos levam a conclusões também desfavoráveis em relação à conduta adotada em várias farmácias da cidade de São Paulo.
Neste estudo, em apenas 11 farmácias os residentes foram orientados a procurar o médico, o que seria a conduta mais correta por parte do balconista. Em 21 casos, o balconista não titubeou em medicar a criança e, pior ainda, 17 prescreveram a medicação sem perguntar nem o peso da criança e nem se havia alergia a alguma medicação. Esses números demonstram claramente a ineficiência/ inexperiência de vários balconistas, sugerindo ainda um razoável interesse comercial na venda das medicações, pois mesmo 3 balconistas que orientaram procurar um médico, também se arriscaram a prescrever um tratamento.
O resultado mais desolador desse estudo foi em relação ao uso de antibióticos para o tratamento da sinusite aguda na criança. Das 21 farmácias que prescreveram algum tipo de medicação, apenas 6 orientaram uso de antibiótico. Como se não bastasse essa estatística pequena, nenhuma prescrição foi feita de modo correto, o que nos leva a crer que a falta de conhecimento dos balconistas é absurdamente grande, podendo comprometer o bom prognóstico dos pacientes com sinusite aguda que procuram a farmácia para uma "consulta".
Para o paciente, essa abordagem direta ao balconista sem passar pelo médico só traz desvantagens, uma vez que o mesmo fica exposto a gastos desnecessários, ao risco de não se tratar adequadamente e, ainda, às complicações que podem decorrer pela evolução da doença ou pelo uso de medicações incorretas. Talvez um alerta à população e aos próprios balconistas deva ser feito para que se possa minimizar os riscos para os pacientes.
CONCLUSÃOOs autores concluem que a conduta em 30 farmácias da cidade de São Paulo foi bastante inadequada em relação à orientação ao paciente com sinusite aguda.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS1- BESTANE, W.J.; MEIRA, A.R.; KRASUCKI, M.R. - Alguns aspectos da prescrição de medicação para o tratamento da gonorréia em farmácias de Santos (SP). Rev Ass Med Brasil, 26(1): 2-3, 1980.
2- BESTANE, W.J.; MEIRA, A.R.; MELONI, W. - Tratamento da cistite em farmácias de São Paulo. Rev Ass Med Brasil ,26(6): 185-186, 1980.
3- JOSÉ, N.K.; HELENE, A.; DEUS, P.R.G. - Atendimento da conjuntivite catarral aguda em farmácias nas cidades de Campinas e São Paulo. Arq. Bras. Oftal, 46(6):178-182, 1983.
Trabalho realizado pelo Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
* Residentes do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
** Médica Assistente e Doutoranda do Curso de Pós-Graduação do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar,255 - 6° andar - sala 6002 - CEP 05403-000 - São Paulo
Artigo recebido em 30 de novembro de 1995.
Artigo aceito em 09 de dezembro de 1995.