ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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220 - Vol. 33 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1965
Seção: - Páginas: 23 a 27
ASPECTOS ATUAIS DA OTITE NO LACTENTE (**)
Autor(es):
Dr. Rudolf Lang (*)

Resumo: O autor faz uma análise da otite no lactente distrófico. A exposição é dividida em três itens. No primeiro analisa os diversos sintomas da otite para em seguida passar à terapêutica da otite, onde são mostradas dificuldades e complicações quanto à miringotomia e preconiza o uso sistemático de anestesia geral em hospital, além da visão microscópica para a realização da miringotomia no lactente. Finalizando apresenta uma casuíistica de 12 pacientes nos quais são revistos os sinais e sintomas mais isgnificativos para o diagnóstico e terapêutica da otite no lactente. Apesar dos inúmeros trabalhos e congressos, a otite no lactente constitui ainda um problema, tanto para os pediatras como para os otologistas. A experiência nos mostrou que a falta de colaboração mais estreita entre os referidos especialistas em nosso meio, é o principal responsável por uma série de insucessos terapêuticos. Visando sanar esta lacuna, procuramos fazer uma revisão sucinta do problema, a fim de ressaltar alguns aspectos que julgamos fundamentais no diagnóstico e terapêutica da otite no lactente. Nossa exposição está dividida em três partes: 1. Na primeira parte faremos uma análise do diagnóstico da otite no lactente, o que interessa sobremodo o pediatra. 2. Na segunda parte faremos algumas considerações de ordem terapêutica. 3. Na terceira parte, a título ilustrativo, apresentaremos uma casuística pessoal, onde os diversos aspectos em 12 casos típicos de otite são analisados.

Diagnóstico da otite média no lactente

A otite média do lactente, segundo CORRÊA (1), se apresenta ta em 3 formas clínicas:

1. Forma manifesta.
2. Forma latente.
3. Forma oculta.

As formas manifestas são aquelas otites que aparecem no lactente eutrófico, com predomíneo da sintomatologia local, geralmente unilateral. A membrana timpánica apresenta os sinais -típicos da inflamação aguda, e não há repercussão sôbre o estado geral. Não será objeto de maiores considerações, uma vez que a nosso ver não existem maiores dificuldades quanto ao diagnóstico.

Já o mesmo não ocorre nas formas latentes, onde existe um nítido predomíneo da sintomatologia geral, mais ou menos grave, e cujos sinais otoscópicos se apresentam de uma forma completamente atípica, deixando dúvidas quanto a presença de um processo inflamatório de ouvido médio e cujo processo patológico se reveste de grande atividade toxígena, repercutindo de uma forma decisiva sôbre o estado geral, daí sua grande incidência no lactente distrófico.

A forma latente, que geralmente se manifesta no lactente distrófico, dadas as dificuldades de ordem diagnóstica, tanto para os pediatras como para os otologistas, é o tipo de otite que procuramos conceituar de uma maneira objetiva nestas considerações sôbre a otite no lactente, pois julgamos que ainda existe uma confusão sóbre o assunto. Tanto é assim, que TELLES (2) ao tratar da otite média usa o termo latente onde deveria ser usada a forma oculta, que segundo nossa opinião, simplesmente não existe.

Segundo TRANCHINI (3), as dificuldades diagnósticas da forma latente, que usamos como sinônimo de otite média no lactente distrófico, se resumem em três itens:

1. Os sintomas são discretos, tanto os de ordem local como geral na fase inicial.
2. Não há nada mais variável do que a sintomatologia de otite média do lactente distrófico.
3. Dificuldades na exploração do ouvido do lactente.

A otite média latente apresenta sintomas iniciais de sofrimento que são: chôro continuado, inquietude, recusa do peito ou mamadeira, insônia e diminuição de vitalidade. Como são sintomas vagos, que podem estar relacionados com uma série enorme de entidades patológicas, raramente o diagnóstico é feito nesta fase. Seguem-se então os sintomas de toxi-infecção: vômitos, diarréias, temperaturas, inapetência, diminuição de curva ponderal e fenômenos neuro-tóxicos. Na presença de um quadro como êste que acabamos de mencionar, e com uma história de rinofaringite, sinais de dor aural expontânea (sinal da mão no ouvido) ou provocada (sinal de Vacher) não é permitido ao pediatra excluir a possibilidade de uma otite.

É evidente que nem sempre todos os sintomas de sofrimento e toxi-infecção estão presentes e basta uma análise do quadro de casuística para se ter uma noção de quais os sintomas mais frequentes.

Quanto à otoscopia, que é assunto mais para o otologista, se bem que somos de opinião que todo o pediatra deveria estar aparelhado e apto para fazê-la, assim como os neurologistas fazem o exame de fundo de olho, já nos referimos anteriormente que os sinais são completamente atípicos. Geralmente não encontramos abaulamento, a coloração da membrana vai desde o cinza até o sóseo fôsco e a presença de descamação epitelial é um sinal quase constante. A descamação na maioria das vêzes é proveniente do uso indiscriminado de gôtas otológicas ou azeite aquecido, segundo recomendação de uma vizinha. A presença de epitélio marcerado dificulta enormemente a avaliação otoscópica e por isto fazemos aqui um verdadeiro apêlo para que tóda e qualquer medicação de uso tópico seja definitivamente proscrita enquanto não se firmar o diagnóstico.

Além da presença do epitélio marcerado, encontramos outras dificuldades na exploração do ouvido de um lactente que podem ser resumidas em:

1. Edema inflamatório do conduto.
2. Abaulamento do assoalho do conduto.
3. Pequeno calibre do conduto.
4. Posição horizontal da M.T. do lactente.
5. Exostoses ósseas.

Não desejamos para as considerações de ordem terapêutica sem deixar assinalado o problema do uso de antibióticos.

Como a otite latente se apresenta com uma evolução longa, não conhecemos nenhum caso para o qual -não tenha prescrito um e/ou mais antibióticos. O uso indiscriminado de antibióticos, como bem assinalou MAWSON (4) e CORRÊA (1), com frequência mascaram os já escassos sintomas e sinais de otite e otomastoidite catarrais e caseosas, como tivemos oportunidade de observar em diversos casos. Estabelece-se uma tendência à cronificação do processo, que além de repercutir sôbre o estado geral, seguramente traz sequelas otológicas que irão ser as responsáveis por hipoacusias condutivas na adolescência.

Terapêutica da otite

Cabe ao pediatra a terapêutica de ordem geral, como seja a administração de antibióticos, rehidratação e as demais medidas que forem necessárias. Ao otologista compete a realização da miringotomia e tratamento de otite até a sua cura completa, incluindo os curativos locais e tratamentos da rinofaringe.

A miringotomia ou paracentese consiste na incisão do quadrante postero-inferior da M.T. Para conseguir realizar uma miringotomia, os otorrinolaringologistas recorriam a contensão da criança pelas formas mais variadas e brutais, uma vez conseguida esta imobilidade parcial, através de um simples especulo e com iluminaã.o indireta realizavam a intervenção. Por esta técnica sãos frequentes os acidentes que resumimos em pequenos e grandes.

Os pequenos acidentes mais frequentes são: l) Incisão de parede do conduto, que além de produzir grande sangramento, impede a concretização do objetivo; 2) traumatismo do promontório, com formação de fibroses e sequelas; 3) secção da corda do timpano sem maiores repercussões.

Os acidentes grandes e que as vêzes podem ser fatais, são a nosso ver os maiores responsáveis para que se abandone em definitivo a orientação até então seguida.

Entre elas encontramos a lesão das janelas, lesão do facial, da jugular e carótida interna, além de ruptura e destruição da cadeia ossicular, cujas sequelas podem bem ser valiadas levando em conta o órgão atingido. Temos dois casos de colesteatoma, nos quais o paciente informa que seus padecimentos iniciaram após a realização de uma miringotomia, provàvelmente feita na membrana flácida com posterior invaginação epitelial.

Visando evitar tanto as dificuldades diagnósticas comei as terapêuticas, bem como os acidentes, é que preconizamos a realização da intervenção sempre com anestesia geral a fim de obter um campo operatório imóvel. A visão microscópica, obtida através do microscópio operatório usado em cirurgia otológica, nos dá uma boa visão e iluminação com amplificação variável de acôrdo com as necessidades, permitindo uma incisão em local correto, nas dimensões necessária, além de permitir igualmente a aspiração do conteúdo patológico de ouvido médio, fatores indispensáveis para um bom prognóstico.

CASUÍSTICA

Nos primeiros 9 meses do ano de 1964, foram feitas 49 miringotoinias em crianças no serviço de ORL do HED, seguindo nossa orientação do uso sistemático da anestesia geral e sob visão microscópica. Dos 49 pacientes, 37 ,eram eutróficos e apresentavam otites com predomino da sintomatologia geral e os demais aspectos resumidas no quadro anexo.



SUMMARY

The author analyses the otitis in dystrophic suckling. The explanation is divided in three items. In the first he analyses the syntom of otiti and then the otitis therapeutic, where the difficulties and complications as to the myringotomy are shown and he preconizes the systematic usege of general anesthesia in hospital besides the microscopic sight in order the perform the myringotomy in the suckling.

At last he presents a causistry of 12 patients in which the most significant signs and syntoms for the diagnostic and therapeutic of otitis in the suckling are reviewed.

BIBLIOGRAFIA

1) CORREA, A. P. - Otite média do lactente. Pediat. Prát. Vol. XXXIII, fase 8, agôsto 62.
2) TELLEC, W. - Manual prático de pediatria, 1958.
3) FRANCHINI, I. - Las otitis del lactente desde el punto de vista del otologo. Clínica e cirurgia otológica - Buenos Aires, 1958.
4) MAWSON, S. - Diseases of Ear. - London, 1963.

(*) Chefe do serviço de ORT, e 73E do Hospital Ernesto Dornelles Pôrto Alegre.
(**) Trabalho apresentado na 1 Jornada Sulriograndense de ORL e BE na XIII Jornada Brasileira de Puericultura (Pediatric. Porto Alegre, Novembro 1964.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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