IntroduçãoEmbora sistemas computadorizados para controle de contas médico hospitalares sejam habituais em nosso meio, o uso do computador para arquivar informações do prontuário médico ainda é limitado e encontra diversos obstáculos(1 2). A agilidade do computador no manuseio de dados é incontestável, mas depende da ordenação precisa das informações e esse parece ser o maior entrave à informatização do prontuário. É comum o uso de termos distintos para designar a mesma informação e o relatório da consulta ou procedimento no prontuário convencional podem ser extremamente variável. A utilização de todos esses dados de forma livre e desordenada compromete a eficiência do computador.
O custo dos equipamentos representa obstáculo adicional, particularmente em nosso país onde a Reserva de Mercado na informática penaliza o consumidor, e ainda é maior se o volume de informações e atividades do Serviço for muito grande, o que pode requerer equipamentos de médio-grande porte. Assim, freqüentemente em nosso meio a informatização do arquivo de pacientes é iniciativa isolada de alguns profissionais. Nos EUA, entretanto, diver
sos hospitais dispõem de prontuários informatizados bastante complexos(3,4,5,6).
Ao desenvolver um sistema computadorizado de pacientes é fundamental considerar que sistemas simples têm baixo custo, são fáceis de utilizar, mas tem pouca utilidade real; enquanto que sistemas complexos podem ser caros, de difícil implementação, mas com grande capacidade no manuseio de informações (Figura 1). O ponto de equilíbrio deve ser alcançado individualmente, considerando-se a natureza do Serviço e os objetivos de quem vai utilizá-lo. Demasiado freqüente firmas de informática oferecem "pacotes" com sistemas "prontos" que poderiam ser instalados "instantaneamente". Nesses casos pode não ser levado em consideração os hábitos e rotinas específicas do Serviço, o qual até então funcionara - e amiúde bem - sem o microcomputador. O resultado é em geral desastroso. Visto que habitualmente o médico não entende de computação, e o especialista em informática tampouco conhece medicina, é muito importante que exista uma boa e precisa comunicação entre ambos.
Em 1983 começamos a utilizar o microcomputador em algumas de nossas atividades, e aos poucos fomos aprendendo com nossos erros.
Fig. 1 - Estrutura X Utilidade.
Fig. 2 - Distribuição etária.
De início empregamos um microomputador tipo TRS-80 modelo III om apenas duas unidades de disco lexível de 180 Kbytes (1 byte grosiramente representa uma letra ou sínal armazenado), o que logo revelou-se insuficiente para o tipo de ocessamento desejado. Assim pasmos a um microcomputador tipo 3M-PCxt com 10 Mbytes de capadade de armazenamento em 1986. A vantagem significativa de utilizar equipamento com padrão IBM é certeza de poder potencializá-lo m a incorporação de outros dispotivos, mais modernos e capazes a edida que seja necessário. Os custos desses aparelhos, ainda mais, tendem a diminuir progressivamente.
Nosso prontuário computadorizade pacientes apresenta uma estura modular, na qual diversas bases de dados podem ser acrescentas quando pertinente(1). As informaes são armazenadas em códigos aluméricos objetivando economizar memória e agilizar o processamento. da paciente com um prontuário ativamente completo ocupa em dia 1,3 Kbytes.
Neste trabalho expomos alguns aspectos da prática otorrinolaringoica geral através de informações cohidas do arquivo computadorizade pacientes referentes ao ano de 88.
Material e métodosTodos os pacientes atendidos ao longo de 1988 pelo autor em prática privada de ORL na Clínica Dr. Castagno (Pelotas, RS) foram introduzidos no prontuário informatizado. Esse foi desenvolvido a partir do programa integrado `Open Access I' (Software Products International).
As diversas pesquisas feitas tiveram os resultados apresentados através do programa `Harvard Presentation Graphics. Sempre que possível os dados foram correlacionados à população total de Pelotas (RS), conforme dados do senso do IBGE de 1980.
ResultadosEntre os 1147 pacientes atendidos 507 (44,2%) eram do sexo masculino e 640 (55,8%) feminino, o que bem correlaciona-se à variação de, respectivamente, 48% e 52% na populaço total de Pelotas.
Os pacientes foram distribuídos em diversas faixas etárias e também correlacionados à população de Pelotas. Não houve diferença significativa entre os dois grupos, exceto na faixa de 10-19 anos, aonde houve proporcionalmente um menor número de pacientes buscando tratamento otorrinolaringológico (Figura 2). Isso significa que a grande quantidade de crianças atendidas não parece derivar de uma maior suceptibilidade desses pacientes às enfermidades otorrinolaringológicas, como imaginávamos, e sim ao maior número relativo de crianças na população.
O número de consultas mensais é variável, mas com fatores bem definidos e identificáveis. Há dois picos acima da média nos meses de janeiro e março, correspondendo à demanda reprimida das festas de fim-de-ano e férias, respectivamente. À medida que começam os meses frios há uma inequívoca elevação do número de consultas (Figuras 3 e 4), decorrentes ou associadas a infecções do epitélio respiratório superior. Essa sazonalidade pode ser confirmada nas consultas por infecções agudas relacionadas à via aérea superior, como amigdalites, faringites, sinusites e otites médias (Figura 5). Sazonalidade inversa, ou seja com predominância definida nos meses quentes, ocorre nas otites externas agudas associadas às atividades aquáticas (Figura 6).
Houve uma predominância de consultas por problemas otológicos em 42,1% dos pacientes e rinológicos em 30,2%. Apenas 5,1% dos pacientes apresentavam problemas de laringe e 12,6% de faringe cavidade oral. Tal provavelmente deve-se as características multidisciplinares das enfermidades de laringe e cavidade oral, nas quais concorrem cirurgiões de cabeça-e-pescoço, odontólogos e buco-maxilo-faciais em nossa região. As queixas principais em cada subespecialidade podem ser vistas nas figuras 7, 8, 9 e 10.
Fig. 3 - Consultas mensais.
Fig. 4 - Consultas por estação
Fig. 5 - Infecções VAS/mês.
Fig. 6 - OMA/O. externa Ag.
Fig. 7 - Queira principal -Sintomas em otologia.
Fig. 8 - Queixa principal em ORL -Sintomas em rinologia.
Fig. 9 - Queixa principal- Sintomas em laringologia.
Fig. 10 - Queixa principal-Sintomas em faringe/c. oral.
Fig. 11 - QP e idade.
Fig. 12 - Cirurgias e idade.
Entre os problemas que mais motivaram consultas, houve um predomínio dos casos de hipoacusia e obstrução nasal, com características bem definidas quanto a idade dos pacientes (Figura 11). Enquanto todas as queixas principais mais freqüentes tendem a decrescer, hipoacusia é a única que apresenta uma nítida elevação com a idade do paciente.
Interessante notar que enfermidades muito abordadas e investigadas na literatura médica na realidade podem constituir uma parcela muito pequena da prática otorrinolaringológica usual. Doença de meniére, por exemplo, foi diagnosticado em apenas quatro pacientes, após um protocolo de investigação bastante restritivo incluindo uma anamnese detalhada e achados sugestivos de hidropsia endolinfática ao teste do Glicerol audiométrico e eletronistragmografia. Ao mesmo tempo foram observados dois casos de laringite tuberculosa, um granuloma de linha média e um angiofibroma juvenil.
Discussão A informatização da medicina pode fornecer subsídios valiosos ao profissional, freqüentemente corroborando "impressões" decorrentes da prática clínica ou as vezes levando a algumas surpresas. Esses subsídios permitem um melhor planejamento e uso dos recursos disponíveis. Por exemplo, o número de crianças atendidas na prática ORL geral é expressivo, mais significativo ainda se considerado o percentual desses pacientes submetido a tratamento cirúrgico: em nossa casuístíca 37% das crianças são submetidas a cirurgia contra 20% dos adultos (Figura 12). Desta forma, é extremamente importante que o otorrinolaringologista disponha de uma sólida formação pediátrica.
Relevante também é a possibilidade de um acompanhamento preciso da evolução dos pacientes, seja por chamadas (carta, telefone) para revisões, seja por questionários específicos, O mesmo microcomputador também pode ser utilizado para acesso a banco de dados médicos, para revisões bibliográficas atualizadas('). Esse serviço é atualmente oferecido pela a BIREME - São Paulo.
Sendo este um estudo da atividade de um único profissional em uma localidade específica deve-se evitar correlações automáticas e imponderadas a outras realidades. Entendemos, contudo, que as informações aqui apresentadas podem servir de subsídios a todos que se dedicam a prática otorrinolaringológica geral.
Embora o uso do microcomputador ainda seja limitado na prática médica, a sua importância será inexoravelmente cada vez maior no futuro. Cabe ao profissional adaptar-se e conhecer os benefícios desse formidável equipamento.
Summary Computerized medicai records still present some challenges. In this report several examples of good stafstical feedback achieved with a computerized file are presented. Data from 1147 patients seem by the author in the year of 1988 were analysed. Hearing loss, nasal obstruction, otalgia and sore throat were the most frequent complaints. All but Harng loss trended to decrease with age. Twenty percent of patients had less than 10 years old. 37% of them were subrnitted to surgery while just 20% of adults had an operation. This emphasizes the need of a good pediatric training for the general otolaryngologist.
Referências1. Castagno L. Informática em otorrinolaringologia. F. Med. (BR) 1987; 95(2):75-81.
2. Stiff F. Overview of computerized medicai records. Computei Medicai Records News 1988; 1(3):3-8.
3. Whiting-O'Keefe Q et al. The STOR clinical information system. MD Computing 1988; s(5): 8-21.
4. Pryor T. The HELP medicai record systern. MD Computing 1988; 5(5): 22-33.
5. McDonald C. et al. The Regenstrief medica] records. MD Computing 1988; 5(5): 34-47.
6. Stead W., Hammond W. Computei-based medicai records: The centerpiece of TMP. MD Computing 1988; 5(5): 48-62.
7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados relativos ao Censo de 1980.
Endereço do autor: Dr. Lúcio A. Castagno Clínica Dr. Castagno - Rua General Osório, 1585 - Fone: (0532) 230555 Pelotas, RS, 96020
(*) Otorrinolaringologista da Clinica Dr. Castagno. Rua Gen. Osório, 1585. Pelotas, RS. Fellow of the American Associa tion for Medical Svstems and Infonnatics, Washington, EUA.