ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2194 - Vol. 55 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1989
Seção: Artigos Originais Páginas: 42 a 44
Disco de bateria elétrica como corpo estranho de cavidades nasais. Aspectos peculiares
Autor(es):
Cláudio Cidade Gomes*
Eulália Sakano*
Raul Renato Guedes de Melo*

Resumo: Baterias elétricas alcalinas como corpo estranho de cavidades nasais são perigosas por ocasionarem necrose de liqüefação, acarretando acentuada e rápida destruição tecidual. Todas baterias elétricas devem ser imediatamente removidas para a prevenção de seqüelas comuns como perfurações septais elou sinéquias ou estenoses das cavidades nasais. Devido ao amplo uso atual dessas baterias (relógios, calculadoras, câmeras, próteses auditivas, jogos eletrônicos, etc ...), médicos e familiares devem estar cada vez mais atentos para a presença desse tipo de corpo estranho e para os aspectos peculiares na sua conduta. A finalidade deste trabalho é o de apresentar um caso de corpo estranho (disco de bateria elétrica) na cavidade nasal direita em criança de 3 anos de idade, relatar os 11 casos descritos na literatura e discutir as caracterfsticas próprias das baterias elétricas como corpo estranho nasal.

Introdução

As baterias elétricas em forma de "botões" estão sendo a cada dia mais amplamente, utilizadas, encontradas em uma grande série de brinquedos/jogos eletrônicos, relógios, calculadoras, câmeras, próteses auditivas, etc. Por serem pequenas, brilhantes, são objetos atrativos às crianças e encontram-se com potencial perigo como corpos estranhos tanto nasais, como otológicos e esofagianos, pois apresentam a particular propriedade de acarretar necrose de liquefação em contato com tecidos úmidos. Podem causar, nas cavidades nasais: perfurações septais e sinéquias; nos ouvidos: perfurações timpânicas, até com sua total destruição, necrose da pele do conduto auditivo externo com ampla exposição óssea, disacusia por destruições ossiculares, paralisia do nervo facial, condrites; e no esôfago: queimaduras, perfurações esofagianas, levando mesmo à formação de fístulas traqueoesofagianas.

Existem cerca de 225 casos descritos na literatura de ingestão de baterias elétricas(¹), porém, somente 3 trabalhos relatam tais objetos situados nas cavidades nasais, com um total de 11 casos.

Relato de caso

A menor A.N.P. de 3 anos, do sexo feminino, procedente de Campinas, procurou serviço especializado com história de ter colocado "pilha de jogo eletrônico" (sic) no nariz há cerca de 03 horas. Ao exame ORL foi identificado corpo estranho inanimado (vide foto 1 e 2) em cavidade nasal direita, tendo sido retirado com pinça de Lucae sem dificuldade. Apresentava grande quantidade de secreção mucosa, sem ulcerações, necrose ou hiperemia. Foi liberada, sendo recomendada a utilização desolução fisiológica nasal. Retornou após uma semana para controle, não apresentando qualquer seqüela, com cavidade nasal de aspecto normal.

Discussão

Estas baterias elétricas são compostas de vários tipos de metais pesados como: mercúrio, zinco, prata, níquel, cádmio, lítio e em concentrações eletrolíticas variando de 26% a 45% de hidróxido de sódio ou de potássio(2). A liberação dessas substâncias causa os mais variados tipos de lesões onde estiverem localizadas, causando intensa reação tecidual local com necrose de liquefação. Essas substâncias alcalinas acarretam profunda penetração nas camadas dos tecidos, levando a uma solubilização das proteínas e colágeno, saponificação dos lípides e desidratação das células teciduais(3). Todas as camadas envolvidas apresentam intensa reação inflamatória, diferindo aqui dos outros tipos de queimaduras mais comumente encontradas, onde o acometimento é mais superficial por somente haver necrose de coagulação. A corrente elétrica que ocorre entre o ânodo e o cátodo também causa eletrólise tecidual. O hidróxido de sódio e o gás clorídrica liberados pela eletrólise acarretam mais lesão tecidual. A bateria elétrica também pode levar a lesão por necrose de pressão como qualquer outro tipo de corpo estranho impactado(4), caso lá permaneça por um período prolongado.

Quanto mais demorada a remoção de tais corpos estranhos, tanto será maior a extensão e a severidade das lesões locais e tanto mais freqüente ocorrerão complicações.

Sabe-se que em acometimentos esofagianos o tempo necessário para o desenvolvimento de queimaduras é extremamente curto, certamente menor do que 4 horas e talvez um pouco mais do que 2 horas, dependendo aqui do tamanho da bateria e do relativo tamanho do esôfago. Já demonstrou-se experimentalmente perfurações esofagianas em gatos, após 8 a 12 horas de baterias elétricas retidas no esófago(2).

Em cavidades nasais acarretam rapidamente dor, obstrução nasal e rinorréia, sendo que logo após algumas horas já poderá aparecer febre, secreção muco-purulenta. Após 48 horas ocorrerá edema de bochecha e rinorréia sanguinolenta. Como maiores complicações: perfurações septais, sinéquias nasais, estreitamentos e/ou estenoses das cavidades nasais(s). Apresentamos na Tabela 1 um resumo dos 11 casos descritos na literatura, dos casos de baterias elétricas como corpos estranhos em cavidades nasais.

A conduta mais apropriada nesses casos é de sua remoção imediata, com avaliação cuidadosa da extensão das lesões teciduas ocorridas. As regiões onde apresentem extensa região com queimaduras necessitam de proteção com materiais inertes, a fim de evitar-se aqui seqüelas tardias como sinéquia ou estenoses nasais. Deve-se realizar uma ampla irrigação local, após a retirada do corpo estranho nasal, a fim de remover-se todo e qualquer resíduo do precipitado alcalino que esteja na cavidade nasal decorrente da liberação do conteúdo da bateria.



Foto 1



Foto 2



Tais pacientes, após a retirada do corpo estranho nasal, deverão ser acompanhados por um tempo prologando, segundo cada caso, dependendo é claro da severidade das lesões, até o completo retorno das condições locais da mucosa nasal, para evitar-se as possíveis complicações, sendo que aqui os tecidos necróticos que caso venham a ocorrer poderão ser debridados cada vez que venham a se apresentar.





A divulgação das características peculiares que se apresentam da ocorrência de tal tipo de corpo estranho em cavidades nasais deve ser enfatizado cada dia mais ao pessoal médico especializado e em formação acadêmica, pois tal fato ainda não se encontra descrito em nenhum dos livros-texto de otorrinolaringologia, mesmo os mais atuais e em edições novas, fato este que deverá ser corrigido em breve, com a divulgação dos casos que certamente serão cada vez mais freqüentes, devido ao amplo uso de tais objetos na vida diária moderna.

As indústrias que utilizam tais baterias elétricas em seus produtos deverão ser orientadas pelas autoridades competentes de saúde, a fim de dificultarem o máximo possível a retirada de tais "pilhas" pelas crianças, que sem a sua tão fácil manipulação, em alguns casos de aparelhos eletrônicos, certamente diminuirão a freqüência de sua ocorrência futura.

Conclusões

1. Todas baterias elétricas em cavidades nasais devem ser retiradas o mais rapidamente possível;

2. Quanto maior o tempo de permanência, maior a morbidade;

3. Deve-se dar orientação especial ao pessoal médico e paramédico quanto aos aspectos peculiares de perigo de tais objetos localizados em cavidades nasais e ouvidos;

4. Enfatizar-se uma adequada atenção na manufatura dos aparelhos eletrônicos, visando dificultar a remoção de suas baterias elétricas.

Summary

Button batteries as foreign bodies in the nasal cavities are dangerous because they can cause liquefying necrosis, and severe local tecidual injury. All batteries in the nasal cavities should be taken out immediatelly to prevent sequales, such as septal perforation or stenosis of nasal meatus.

Batteries are widely used in our daily life (watches, calculators, cameras, hearing aids, eletronic games, etc ... ), therefors physicians and general public should be mede aware of this kind of foreign bodie.

We report a 3-year-old girl who put a button battery into her right nostril, rewiewed the 11 cases in the literature, and discuss the special aspects of button batteries as foreign bodies in the nasal cavities.

Bibliografia

01 . KAVANAGH KT, LITOVITZ T: Miniature battery foreign bodies in auditory and nasal cavities. DAMA 1986; 255: 1470-1472.

02 . MAVES MD, CARITHERS JS, B1RCK HG: Esophageal burns secondary to disc battery ingestion. Ann Otol Rhinol Laryngol 1984; 93:364-369.

03 . CAPO JM, LUCENTE FE: Alkaline battery foreign bodies of the ear and nose. Arch Otalaryngol Head Neck Surg 1986; 112: 562-563.

04 . KARCHER J: Conduite actuelle en face des corps estrangers des voies respiratoires de 1' enfant. Thèse du Doctorat en Médecine 1979, 194. Université Louis Pasteur de Ia Faculté de Médécine de Strasbourg.
05 . HONG D, CHU YF, TONG KM, HSIAO CJ: Button batteries as foreign bodies in the nasal cavities. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1987; 14:14-19.




Endereço dos autores
Clínica e Hospital de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier Ltda. - A Andrade Neves, 611 - CEP: 13020 Campinas-SP.

* Prof. Assistente Voluntário da Disciplna de ORL do Depto. de OFT - ORL da Universidade Estadual de Campistas - UNICAMP
* * Chefe da Disciplina de ORL do Departamento de OFT - ORL da Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP
Trabalho apresentado como tema livre no XXIX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXI Congresso Pan-Americano de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, realizado de 30 de outubro a 4 de novembro de 1988, em Salvador-Bahia.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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