ISSN 1806-9312  
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2192 - Vol. 55 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1989
Seção: Artigos Originais Páginas: 22 a 30
Meningites bacterianas recidivantes em otorrinolaringologia
Autor(es):
Wilma Terezinha Anselmo *
José Antonio A. de Oliveira**
Maria Valeriana L. Moura Ribeiro***

Resumo: Os autores realizaram estudo em 13 pacientes com diagnóstico de Meningencefalites Bacterianas Recidivantes. Exames eletrencefalográficos, liquóricos e radiológicos foram feitos para esclarecimento da causa básica das recidivas. Foram comprovados dois casos de fistulas liquóricas por Malformações Congênitas do Ouvido Interno; três casos de fistulas liquóricas pósaumatismo cranioencefálico (nasais e otolágicos) e dois casos que viam sofrido cirurgias de adenoma hipofisário com abordagem transfenoidal; um caso de fístula liuórica por destruição do ouvido interno pós-otite crônica e um caso de agenesia sacral. Em quatro casos foi possível detectar a causa das meningites. O agente etiológico foi o pneumococo e o tratamento com antibioticoterapia foi sempre efetivo. Os casos de fistulas foram submetido cirurgia reparadora. Os autores enfatizam a importancia do diagnóstico causal das Mengites Recidivastes em crianças, principalmente quando otorréia e disacusia Neurosensorial ou mista estão presentes, sugerindo presença de Anomalia Congênita.

Introdução

O líquido cefalorraqueano (LCR) pode adentrar o ouvido médio, ser eliminado pelas narinas com a secreção nasal, devido a vários fatores como o trauma cranioencefálico, anomalias congênitas, infecções e causas iatrogênicas.

Quando levantada a hipótese de fístula liquórica otológica, o interesse maior constitui a detecção da causa fundamental. Nesse particular as Malformações Congênitas devem ser objeto primordial de investigação. A síndrome de surdez congênita, descrita por Nenzelius em 1951 nas meningites recidivastes, apresenta-se com fluxo de LCR sem a exata razão da fistula. Os locais mais comuns de deiscências entre o espaço subaracnóideo, ouvidos interno e médio são o tegmen timpânico, as células mastáideas, o aqueduto coclear e o conduto interno. São conhecidos os defeitos resultantes de agressões durante o desenvolvimento fetal ou também no período neonatal que podem estar associados a outras anomalias. A possibilidade diagnóstica pode ser levantada a partir da otorréia ou rinorréia liquórica, disacusias neurosensorias ou mistas e da constatação de meningites bacterianas recidivantes (Rice, 1967).

Em relação aos traumas otológicos, as fraturas da base do crânio envolvendo o osso temporal com ruptura da dura mater constituem a causa mais freqüente de fístula liquórica com possibilidade de meningites de repetição. O tempo decorrido a partir do acidente e a infecção meníngea podem variar de dias a anos. As brechas no osso endocondral podem formar trajetos fistulosos permanentes envolvendo o vestíbulo, condutos semicirculares e cóclea. As capas endocondral e endóstica da cápsual óptica são notórias por sua tendência à reparação lenta e incompleta, mesmo que a capa perióstica externa possa se curar prontamente e por completo. Estudos anatômicos das fraturas do osso somente evidenciaram uma fibrose nas linhas de fratura, nos sítios onde a cobertura perióstica era insuficiente. A regeneração cicatricial se faz por simples calo fibroso que pode ser deiscente e servir de entrada a infecções intracranianas graves, anos depois (Jones, 1974). Nesse estudo das causas básicas otológicas sinalizamos ainda as situações pós-operatórias e associações a doenças envolvendo ossos cranianos.

Na abordagem das fístulas liquóricas nasais, a rinorréia pode surgir mais freqüentemente após trauma acidental ou iatrogênico.

A área comum de fratura é principalmente através do seio frontal, esfenoidal, etmoidal ou lâmina crivosa. (And, 1970). Já as não traumáticas (Collins, 1973) podem estar relacionadas ao aumento da pressão intra - craniana ou à destruição óssea em casos de tumores ou hidrocefalia. Devemos lembrar, ainda, outras causas de fístulas não otorrinolaringológicas, mas que podem propiciar o aparecimento de quadros repetidos de meningites; assim, estariam vulneráveis os pacientes com trajeto fistuloso dermóide infectado, e mais raramente, aqueles envolvidos por contaminação do LCR ligado à introdução acidental de microorganismo em mielografia ou pneumoencefalografia.

Material e métodos

Foi realizado um levantamento pacientes com diagnóstico de Meningencefalites Bacterianas Recidivantes (MBR) no Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina Ribeirão Preto da Universidade São Paulo (HCFMRPUSP) no período de 1979 a 1986. Para este estudos foram excluídos os pacientes cuja causa básica da MBR era a Neuro cisticercose. A comprovação diagnóstica da Meningite Bacteriana feita através do estudo do Líquido Cefalorraqueano (LCR) por ocasião da admissão hospitalar e sempre que necessário nas respectivas recidiva Foram utilizados ainda estudos radiológicos visando detectar pertuítos entre o Sistema Central e as diferentes estruturas nasais e otológicas como também encontrar a causa basica da rinorréia ou otorréia liquórica.








Resultados

Foram selecionados 13 pacientes portadores de MBR, sendo 9 do sexo masculino e 4 do feminino: 6 pacientes encontravam-se no grupo etário de 4 a 11 meses quando apresentaram o primeiro episódio de Meningite, e estes tiveram o maior numero de recidivas (Quadro 1). Todos pacientes apresentaram manifestações de caráter infeccioso agudo comprometimento meningeo facilitando o diagnóstico clínico de Merningite; 7 pacientes tiveram crises convulsivas; 3 foram admitidos coma grave e evoluíram para óbito (Quadro II). Em 9 casos foi possível a realização de estudo eletrencefalográfico, em que 4 revelaram padrão normal, 4 padrão de desorganização e um caso com depressão global atividade bioelétrica cerebral. Todos os pacientes foram submetidos estudo liquórico, com exceção dos casos 7 e 8, internados em ou hospital por ocasião da primeira infecção aguda meníngea. A bacteriocopia foi positiva para germes Gram, positivo em 6 pacientes, para Gram negativo em 3 e negativo em 2; a cultura revelou-se positiva em 7 pacientes (Quadro III). Os resultados tos exames liquóricos dos pacientes por ocasião da alta hospitalar (Quatro IV) demonstraram a eficiência do tratamento, uma vez que o padrão liquórico se achava normal com bacterioscopia e cultura negativas. Os quadros III e IV exemplificam os fichados liquóricos de uma das Tecitivas da Meningite apresentada pelos pacientes antes e após o tratanento. Todos os casos foram subnetidos a estudos radiológicos para se detectar a causa básica que levou as MBR. Foram constituídos 2 grupos: um grupo de lactentes e um de adultos. O grupo de lactentes (casos 1, 2, 3, 4, 5 e 6) foi submetido a radiografias simples de crânio, de nastóide e estudo contrastado transtimpânico com soro albumina humana marcada com Technecium.





Na avaliação desses casos foi confirmada a presença de fístula liquórica devido à Malformação Congênita, com hipótese diagnóstica mais provável de Pseudo Mondini nos casos 1 e 2. Os mesmos proceirnentos radiológicos foram realizaos no caso 3, não se detectando, porém, a malformação otorrinolarinológica; todavia, foi constatado, átavés do RX de coluna lombossaa e mielografia, agenesia sacral e eningocele com projeção abdominal, defeito congênito raro. Além desses exames complementares, os casos 4, 5 e 6 foram submetidos a testes imunológicos, detectando-se valores normais não sendo possível, portanto, encontrar alterações estruturais básicas das MBR. O grupo dos adultos (casos 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13) também foi submetido aos mesmos exames radiológicos. Os pacientes que tiveram em sua história pregressa relato de traumatismo craniano (casos 7, 8 e 9) os estudos radiológicos simples e tomografia computadorizada de crânio foram suficientes para esclarecer o local e a presença da fratura. Após exploração cirúrgica, a fístula nasal (casos 7 e 8) e a fístula otológica (caso 9) foram encontradas e tamponadas com gordura e pó de osso. O caso 10 era de um paciente portador de otite média crônica simples e diabetes mellitus. À cirurgia constatou-se destruição da parede do vestíbulo invadida por tecido inflamatório granulomatoso da mucosa do ouvido médio drenando LCR. Outro caso que ficou sem diagnóstico confirmado foi o 11, apesar de todos os exames complementares realizados. Os casos 12 e 13, após serem submetidos à exérese de adenoma de hipófise pela abordagem transesfenoidal, apresentaram complicações significativas, como rinorréia liquórica seguida de meningite bacteriana no pós-operatório imediato, que cessou com repouso absoluto e tratamento clínico; aproximadamente 2 meses após, os referidos pacientes apresentaram novo episódio infeccioso de meningite bacteriana necessitando revisão e fechamento cirúrgico da fístula confirmada durante o ato operatório.








Discussão

As fístulas liquóricas que envolvem anormalidades otorrinoloringológicas constituem eventos raros e pouco divulgados através da literatura. No entanto, o estudo de suas causas básicas se toma imperativo no sentido de se prevenir o aparecimento das infecções meníngeas agudas repetidas e superimpostas por defeitos na dura mater. Um dos locais de resistência diminuída na dura mater pode ser a região da lâmina crivosa do osso etmóide e também o meato auditivo interno (Precechtel, 1954). Uma vez afastadas as possibilidades de deficiência imunológica e neurocisticercose, convém tanto em adultos como em crianças com história de MBR inciar investigação radiológica detalhada. Na avaliação conjunta dos nossos casos constatamos que a conduta médica sempre esteve ligada ao tratamento clínico da infecção meníngea aguda, quando na realidade o enfoque básico deveria ser dirigido à procura e detecção do defeito estrutural, conduta esta já publicada por Stoop, 1967, Moura Ribeiro e cols, 1981. Gundersen, 1970, estudou o caso de um paciente do sexo masculino de 61 anos de idade que apresentou 26 surtos de meningites bacterianas. Frredland, 1973, publicou o caso de uma criança com 7 anos de idade tratada convenientemente em 20 episódios de meningites bacterianas. Jones, 1974, descreveu um lactente de 9 meses que apresentou 3 episódios. Esses autores constataram em seus pacientes disacusias neurosensoriais; à investigação radiológica adequada, confirmou-se a presença de anomalia congênita do ouvido interno com fístula liquórica. Pudemos avaliar minuciosamente 6 pacientes portadores de MBR; apenas 2 desses apresentaram disacusia neurosensorial, cuja investigação radiológica mostrou vestíbulo e canal semicircular lateral dilatados, formando cavidade única e conduto auditivo interno estreitado, configurando o quadro de anomalia congênita de ouvido interno com fístula liquórica. Ressaltamos, portanto, a necessidade de o servação rigorosa em relação a esse tipo de anomalia, pois representa risco potencial considerável.

Em relação às fístulas liquórica pós-trauma craniano a literatura confirma ser esta a causa mais com de MBR. Hand e Sanford, 1970, fizeram importante estudo em 16 pacientes com história de traumatisno cranioencefálico. Desses, 12 apresentaram rinorréia liquórüca, ser que 6 vários surtos de meningite bacterianas; após estudos radiológicos e determinação qualitativa glicose em secreção nasal pelo Destrostix, 9 pacientes entre os 16 apresentavam fístula liquórica nasal. Jones, 1974, refere que Spitz, e 1961, relatou um caso de otorréia liquórica com 20 episódios de meningites bacterianas após fratura transversa de osso temporal. Em nos revisão, nos pacientes com história pregressa de trauma craniano, a fratura foi detectada radiologicamente a fístula confirmada em todos. agente etiológico das meningite identificado em nossos casos foi , Streptococcus pneumoniae, exceto onde ficou comprovada contaminação, fato concordante com a literatura. (Pincet e caís, 1975). Comparativamente temos observado nas MBR que, uma vez instalada a antibioticoterapia em cada surto, a recuperação clínica se faz de maneira rápida e sem seqüelas em relação às meningencefalites bacterianas agudas não recidivantes. É possível que a infecção a partir de malformações congénitas e traumas com formação de pertuitos confira a oportunidade do acometimento meníngeo sectorial sem necessariamente haver um rompimento global da barreira hema toencefálica e hematoliquórica.

Summary

The authors performed a study on 3 patients with a diagnoses of reirrent bacterial meningitis. Elecoencephalographic, liquoric and rdiological exams were performed elucidate the basic cause of the recurrences.

The following conditions were detected; two cases of liquoric fistulae caused by congenital internal ear malformation; three cases of liquor fistulae post cranial trauma rosal and otological) and trwo cases in which previous surgery roas perormed for hypophyseal adenoma by re transphenoidal approach; one case of liquoric fistula caused by eternal ear destruction after chroic otites media, and one case of congenital sacral malformation. In four cases it roas impossible to determine the cause of meningites. The ethiological agent roas pneumococcus and treatment with antibiotics roas always effective. The cases of fistulae were submitied to reconstructive surgery.

The authors enphazise the importance of the causal diagnoses of recurrente meningitis in children, mainly when otorrhea and neurosensoryal or mixed hearing disturbances are present, suggesting the presence of a congenital anornaly.

Referências bibliográficas

1. Frredland, A.P. Non traumatic C.S.F. rhinorrhea associated with congenitally malformed ears. J. Laryng., 87: 781, 1973

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Endereço dos Autores:
Faculdade de Medicina de Ribeirão Pret - U.S.P.
Av. Bandeirantes, 3900 - 14.049 Ribeirão Preto - S.P.

* Auxiliar de Ensino de Otorrinolaringologia
** Professor Titular de Otorrinolaringologia
*** Professor Adjunto de Neurologia

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia e Departamento de uropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de o Paulo.

Trabalho apresentado no 28° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em São Paulo -1986.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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