ISSN 1806-9312  
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2189 - Vol. 62 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 1996
Seção: Artigos Originais Páginas: 196 a 205
Manipulando a Disfagia de Origem Faringoesofágica.
Autor(es):
Onivaldo Bretan*,
Maria Aparecida C. A. Henry**.

Palavras-chave: Disfagia, otorrinolaringologia

Keywords: Dysphagia, otolaryngology

Resumo: A disfagia de causa não neoplásica originada a partir de déficit motor na faringe e de distúrbios de causas diversas no esfíncter superior do esôfago é discutida a partir dos mecanismos básicos da deglutição do segmento faringoesofágico. São apresentados 3 grupos de pacientes portadores de disfagia, com o objetivo de discutir as causas diversas do sintoma, a partir dos exames clínicos e armados, destacando-se entre estes a eletromanometria da via digestiva alta, teste da ascenção da faringe e o teste clínico da progressão do alimento na faringe. Alterações emocionais, lesões gastroesofágicas e distúrbios motores da via digestiva são distintas causas, entre outras, que podem provocar disfagia e outros sintomas associados e secundários. Os autores chamam a atenção para o papel da Otorrinolaringologia na investigação dos distúrbios de deglutição alta.

Abstract: Non-neoplasicdysphagia originated from motordeficit in the pharynx and from several disorders in the upper esophagus is studied taking into account the basic mechanisms of deglutition in the pharingoesophageal segment. Three groups of patients with dysphagia were investigated with the purpose of discussing the causes of this symptom. Clinical examinations and etectromanometry of the upper digestive tree, test of the laringeal elevation and Clinical test of the bolus propulsion through pharynx were carried out. Emotional alterations, gastroesophageal lesions and motor disturbances in the digestive tree, among other, may cause dysphagia and other associated and secondary symptoms. This study points out the role of Otolaryngology in the investigation of swallowing disorders.

INTRODUÇÃO

A disfagia de causa não neoplásica no segmento faringoesofágico, isto é, no trecho da via digestiva que envolve a faringe e o esfíncter superior do esôfago (ESE) é ainda pouco conhecida, tanto com relação às doenças das quais se originam, quanto à fisiopatologia subjacente. Trabalhando com distúrbios da deglutição alta, pode-se verificar a variedade de situações clínicas onde a disfagia aparece como queixa principal. Chama atenção a particularidade de cada queixa, isto é, a especificidade de cada indivíduo quanto a sua disfagia. Entretanto, embora haja grande variedade de situações clínicas, a queixa básica é a disfagia, associada ou não à sensação de engasgo, pigarro na garganta e tosse. Disfagia não é queixa freqüente na clínica otorrino laringológica. Este tema, parece-nos, nunca foi abordado em Congressos ou Simpósios no Brasil. Em outros países, no entanto, é antiga a investigação da disfagia pelos otorrinolaringologistas (l,2,3). Os mecanismos que permeiam o ato deglutório e eventos fisiológicos associados são, provavelmente, desconhecidos da maioria dos otorrinolaringologistas. O objeto do presente trabalho é o de expor, de forma sucinta, os mecanismos básicos da deglutição no trecho faringe-esfíncter da via digestiva alta e o de apresentar nossa experiência clínica através de casos significativos que ilustrem as manifestações multifacetadas da disfagia alta.

Os pacientes apontam o local onde sentem parar o alimento e este lugar corresponde à região faríngea ou á cartilagem cricóide, atrás da qual fica o principal componente do esfíncter, o pequeno músculo crícofaríngeo (MCF). Este músculo único (não há rafe mediana) insere-se nas laterais da mesma cartilagem. Ele é parte do músculo constritor inferior da faringe e mantém-se em contração permanente durante o repouso, evitando a passagem do conteúdo gástrico para as vias aéreas e digestiva alta. Evita, portanto, que, frente a refluxo gastroesofágico, ocorram problemas laríngeos, broneopulmonares etc. Durante a deglutição, o MCF se relaxa, evento que ocorre ao mesmo tempo em que a faringe inicia sua contração (peristalse) para propelir o bolo alimentar em direção ao esôfago4. A máxima pressão contrátil da faringe coincide, quase sempre, com o máximo relaxamento do esfíncter. Porém, mesmo o músculo estando relaxado, a luz do esfíncter só estará permeável quando a laringe e o osso hióide se afastarem da coluna cervical. A luz da via digestiva é virtual porque a laringe comprime a faringe e o ESE contra os planos posteriores do pescoço. Ao mesmo tempo em que a faringe se contrai e o MCF se relaxa, a laringe e o osso hióide são tracionados para frente e para cima, pelos músculos suprahióidess. A tração para a frente permite abrir a passagem e a tração para cima protege a laringe e impede a entrada de alimento na via respiratória. Além disso, nas mesmas frações de segundo em que agem estes 3 mecanismos, ocorrem outros eventos, visando proteger a via respiratória. Além da ascensão e anteriorização da laringe e do osso hióide, verifica-se o fechamento da glote e da supragloteb. Durante a rapidíssima passagem do bolo alimentar para o esôfago, ocorre também uma pausa respiratória em inspiração. A epiglote, graças a sua posição e ligação com o osso hióide, durante a ascenção laríngea, inclina-se até o ponto de ocluir o adito laríngeo. Estes fenômenos exigem que a deglutição e a respiração estejam sincronizadas. Quando as finas sincronias faringe-esfíncter e deglutição-respiração se vêem rompidas, surgem sinais e sintomas digestivos e respiratórios altos. Pequenas aspirações levam à tosse e à sensação de engasgamento. Alguns indivíduos desenvolvem grave broncopneumonia aspirativa, outros, temerosos, páram de alimentar-se e perdem peso rapidamente. Os exames destes pacientes mostram que um ou mais mecanismos participantes da deglutição podem estar comprometidos. Exemplos: fechamento prematuro do ESE e faringe hipotônica ou, então, ausência de ascensão da laringe e falta de relaxamento esfinetérico7. Freqüentemente, existem distúrbios associados da motilidade esofágica, do esfíncter inferior do esôfago e do próprio estômago. Refluxo gastroesofágico, esofagite, hérnia de hiato e incompetência do esfíncter inferior do esôfago são alguns deles.

A disfagia alta é produzida por número considerável de causas, entre elas, as de origem nervosa, muscular ou neuromuscular7. Degeneração fibrótica do músculo cricofaríngeo, osteofito cervical, refluxo gastroesofágico, distrofia oculofaríngea, doença de Plummer-Vinson são outras tantas causas. Nem sempre, porém, são encontradas causas orgânicas evidentes. Devem-se distinguir 3 regiões da via digestiva superior onde a disfagia pode ocorrer: a boca, a faringe e o esfíncter superior do esôfago. Como já se mencionou, os mecanismos principais que agem na deglutição alta, a partir do movimento da língua, são: 1) a contração da faringe, 2) o relaxamento sincronizado do esfíncter e 3) a ascensão e elevação do osso hióide e da laringe. Distúrbios em um ou mais destes mecanismos produzem o sintoma disfagia. Distúrbios da motilidade faríngea por hipotonia muscular, relaxamento incompleto ou fechamento prematuro da luz do ESE, ausência de abertura ou hipertonia do MCF, relaxamento permanente (ausência da pressão de repouso) ou ainda redução da distensibilidade da região do ESE são achados das investigações dirigidas para a região faringoesofágica.



Figura 1. - Registro eletromanométrico das pressões do esfíncter superior do esôfago e da faringe, em indivíduo normal. Traçado superior: D, deglutição. Queda na pressão do esfíncter para zero (canal 1) Traçado inferior: C, contração faríngea à deglutição. Simultâneo relaxamento esfinctérico. *: pressão de repouso do esfíncter.



A eletromanometria (EMM) e a cinerradiografia são exames que permitem a avaliação quantitativa e qualitativa do segmento faringoesofágicos5,6. A manometria, particularmente, avalia a pressão de repouso do esfíncter inferior do esôfago e suas alterações na deglutição. Avalia também a motilidade esofágica e investiga o esfíncter superior do esôfago em repouso e durante a deglutição. Pode-se ver, particularmente, se há sincronia entre a contração da faringe e o relaxamento esfinctérico, desde que se use mais de um canal de registro (Fig. 1). A radiografia contrastada simples da faringe e esôfago usando bário mostra aspectos qualitativos do fenômeno deglutitório. O uso da cinerradiografia acoplado à eletromanometria permite avaliar acuradamente qualitativa e quantitativamente os eventos8. Estes recursos mais sofisticados não estão disponíveis em nosso meio; entretanto, dispondo-se apenas do deglutograma e da EMM convencionais. A EMM é realizada por meio de um fino cateter com vários canais e orifícios (3, 4 ou mais), por onde sai água infundida por equipamento próprio. As pressões da via digestivas são transmitidas pela coluna de água de cada canal, sendo este catéter ligado a um transdutor de pressão que converte a energia mecânica em sinais elétricos. Através de um polígrafo, estes sinais são transformados em registros gráficos, os quais permitem medir as pressões (9). A endoscopia da via digestiva e laringe também são exames rotineiros na investigação do paciente disfágico. Outro exame utilizado é a radiografia; para avaliar a ascensão da laringe. Além disso, um teste clínico onde a laringe é palpada e seus deslocamentos são avaliados e medidos foi elaborado por nós e será apresentado em trabalho específico. Estudos de deglutição no segmento faríngeo estão sendo realizados, tanto via exame otorrino laringológico clássico, quanto através de nasofaringoscopia usando equipamento flexível e vídeo.


PACIENTES E MÉTODOS

Quinze indivíduos foram avaliados, todos com queixa de disfagia alta (4 mulheres e 11 homens; com idades entre 45 e 86 anos, média de 67 anos). Foram realizados, em todos os pacientes os seguintes exames: 1) eletromanometria (EMM), 2) exame otorrinolaringológico (ORL), 3) teste de movimento da laringe, 4) exame endoscópico da via digestiva alta, 5) exame contrastado de via digestiva. O exame ORL visou avaliar a função motora da língua, do palato mole e da faringe (oro e hipo) e verificar o estado funcional da laringe. A função motora da faringe foi investigada através de sinais de: refluxo nasal de alimento, desvio ou imobilidade do véu do palato e das paredes da orofaringe, resíduos de alimento na valécula e presença de alimento ou estase de saliva nos seios piriformes. Para avaliação objetiva da propulsão faríngea, elaborou-se um teste de deglutição com cerca de 7 gramas de pão, em 10 jovens voluntários sem queixas faríngeas, gástricas ou esofágicas, afim de obter-se padrão de normalidade. Após prévia preparação oral, era solicitado que o alimento fosse deglutido através de uma única deglutição imediatamente após o que a boca, a orofaringe e a hipofaringe eram examinadas. Em sujeitos normais, o teste de deglutição usando bário pode deixar restos na faringe após a primeira deglutição, mas nada deve restar na segunda. Nossas investigações confirmaram esta informação, pois enquanto seis indivíduos não tiveram resíduos na faringe após a primeira deglutição, quatro mostraram restos que desapareceram após a segunda deglutição. O teste foi aplicado em pacientes sempre que havia necessidade de confirmar outros exames. A permanência do alimento na boca indica distúrbio da motricidade lingual; na orofaringe (particularmente na valécula), indica distúrbio da motricidade faríngea e no nariz e nasofaringe revela distúrbio do palato mole. A presença de alimento ou estase de saliva nos seios piriformes apontam para problema na hipofaringe ou mesmo no esfíncter.

A maioria dos pacientes realizou exames endoscópicos de faringe, esôfago e estômago, e alguns, quando necessário, de laringe. A EMM foi executada na maioria dos pacientes, assim como o exame radiológico. De acordo com o quadro clínico e a avaliação iniciais, decidia-se sobre conveniência e necessidade de realização dos exames EMM, radiológico e endoscópico. O estudo EMM utilizou-se de sistema de bomba de infusão de água de baixa complacência com fluxo de 0,5 ml/min (J. S. BioMedicals corp. Anaheim, Ca), transdutores de pressão (Sensor Medics, Anaheim, Ca) e polígrafo de 4 canais (Sensor Medics, Ananheim, Ca). Este conjunto manométrico incorpora um catéter de 4 orifícios radialmente orientados e distantes entre si 5 cm, com diâmetro externo de 4 mm e diâmetro de cada abertura de 0,5 em. A velocidade do papel foi de 2,5 cm/seg. O catéter foi passado, por via nasal, até o estômago e retirado com puxadas intermitentes de 0,5 cm, aguardando-se a estabilização do registro. A medida das pressões obtidas da manometria foi feita a partir do registro gráfico. Para o estudo radiológico, usou-se deglutição de sulfato de bário a 50% (deglutograma).

RESULTADOS

Na investigação da disfagia dos 15 pacientes, foram usados todos os recursos clínicos e exames auxiliares: EMM, radiografia contrastada, teste com alimento, exame ORL e o teste da elevação da laringe. Em apenas 5 deles todos estas invetigações foram realizadas. Em três dos pacientes não houve indicação de radiografia com contraste, pois os pacientes chegaram a nossa unidade de investigação apresentando broncopneumonia aspirativa por bário e possivelmente alimentos. Em 2 pacientes, só foi possível a realização da EMM, do teste clínico com alimento e do exame ORL. Interessaria relatar não apenas os resultados dos testes e exames e o estado clínico dos pacientes, mas apresentar a evolução dos diversos quadros disfágicos. Como há a limitação da extensão do trabalho, relataremos apenas os resultados das avaliações clínicas e armadas.

Os achados propiciados pelos diversos exames permitiram que se distribuísse os pacientes em três grupos, em função de determinados aspectos etiopatogênicos e fisiopatológicos comuns. O primeiro grupo foi composto por 5 pacientes que apresentaram disfagia de instalação recente, ou rapidamente progressiva, onde alteração de ordem emocional foi a causa básica da disfagia. Um primeiro paciente passou a apresentar disfagia progressiva um mês e meio após cirurgia na coluna cervical por via posterior. Tentativas de realizar EMM e exame contrastado mostraram que não conseguia deixar passar a sonda e o contraste além da faringe. Ao exame ORL, havia estase de saliva no seio piriforme. Na enfermaria, entretanto, desde o início, consumiu dieta normal, recebeu abordagem psiquiátrica e passou a deglutir normalmente. O segundo caso, paciente de 38 anos, após desentender-se com esposa e familiares, apresentou disfagia súbita. Internado, recebeu explicações sobre a possível causa emocional da disfagia, prescreveu-se ansiolítico à noite e a disfagia no dia seguinte desapareceu. Nenhum exame foi realizado, senão o ORL, que estava normal. Um terceiro paciente, com disfagia desde há 6 meses, estava estressado por excesso de tarefas no trabalho. Sua disfagia levava-o a temer engasgar-se. Reduziu a ingestão de alimentos. Passou a sentir-se sufocar. Avaliado como sendo portador de quadro de ansiedade produzindo hipertonia do esfíncter, acentuada por refluxo associado ao quadro. Na consulta, foi-lhe explicado o mecanismo da deglutição e as causas possíveis da disfagia, e medidas e medicações antirrefluxo foram prescritas. Apresentou rápido desaparecimento do sintoma nas 24h seguintes. Os exames posteriores nada revelaram. O quarto paciente era portador de mieloma múltiplo, tinha sofrido irradiação da mandíbula e apresentava-se disfágico desde há cerca de 10 dias. Ao exame ORL, xerostomia e retenção de saliva nos seios piriformes. A disfagia desapareceu no dia seguinte ao da internação após explicarmos ao paciente os mecanismos da deglutição. Exames armados não foram considerados necessários. O quinto indivíduo, egresso de cirurgia cardíaca, apresentou disfagia nas primeiras 24 horas do pós-operatório. O exame ORL revelou estase de saliva nos seios piriformes. O teste com pão mostrou restos na hípofaringe. O paciente apresentava desde há 2 anos discreta disfagia por megaesôfago incipiente. Após conversa, onde foram explicados os mecanismos da deglutição, passou a deglutir normalmente. Não se realizou exame radiológico contrastado, mas apenas EMM, que revelou megaesôfago incipiente.



Figura 2. - Deglutograma de perfil, mostrando abertura incompleta da luz do esfíncter (setas). Aparece como uma área convexa escura projetando-se para a luz da via digestiva.



Figura 3. - Deglutograma de perfil, revelando retenção de contraste na faringe (seta longa) e presença do mesmo na laringe e traquéia (setas curtas).



O segundo grupo de disfágicos foi constituído por 4 indivíduos cujos exames revelaram alterações gastroesofágicas significativas: gastrite erosiva, hérnia de hiato, esofagite acentuada. Todos os 4 apresentaram mais de uma destas alterações. O primeiro paciente tinha, associado, hipotonia do ESE. O segundo paciente queixava-se de disfagia há 3 anos, piorando há 10 dias, com dor e dificuldade para abrir a boca. O exame ORL estava normal. A EMM nada revelou, mas a radiografia mostrou, constrição na altura do MCF. Havia exulceração no esôfago proximal. Estava com broncopneumonia aspirativa. Não havia ascensão da laringe. Após melhora do quadro pulmonar, desapareceu a disfagia e a laringe ascendeu normalmente. Um terceiro paciente tinha disfagia, dor epigástrica e azia desde há 3 anos. O exame ORL mostrou estase de saliva nos seios piriformes, hiperemia da hipofaringe. Havia esofagite severa, hérnia de hiato, gastrite e esôfago de Barrett. À EMM, viu-se fechamento prematuro do ESE e esôfago aperistáltico. No teste com pão, ficaram restos após a segunda deglutição. O quarto paciente, com engasgos freqüentes e tosse desde há 2 anos, tinha disfagia para sólidos. O deglutograma estava normal, mas à EMM não havia pressão de repouso no ESE. Não havia ascensão da laringe.

Um terceiro grupo, organizado a partir de 6 casos, foi constituído em função de evidências clínicas de alteração primária ou da musculatura da faringe, ou do MCF ou dos músculos suprahióideos. O primeiro indivíduo, idoso, tinha disfagia desde há 1 ano e queixa de refluxo nasal de alimento. A endoscopia mostrou alterações discretas em esôfago e na EMM encontrou-se redução acentuada da contração faríngea, confirmada pelo teste clínico com pão. O ESE estava normal, mas a laringe ascendia apenas 0,50 cm. Havia, portanto, deficiência muscular da faringe e dos músculos suprahióideos. Um segundo paciente sofria de distrofia muscular comprovada por biópsia e tinha disfagia para sólidos. O exame ORL mostrou hipotonia da língua e a endoscopia estava normal, assim como a elevação da laringe. O exame contrastado mostrou retenção na boca e na faringe. O teste com pão revelou prejuízo da progressão do alimento na faringe. Havia ausência de contração faríngea à EMM, o ESE abrindo-se normalmente, mas hipotônico. A elevação da laringe era normal. Um terceiro caso, de média idade, tinha disfagía progressiva desde há 8 anos. O exame ORL nada revelou, assim como a endoscopia e o exame radiológico contrastado. À EMM, viu-se hipertonia do ESE e à radiologia, relaxamento incompleto à deglutição (Fig. 2). Movimento anômalo da laringe. O quarto caso, um idoso, com disfagia para sólidos desde há 4 anos, sentia catarro permanentemente parado na garganta. Os exames EMM e endoscópico estavam normais, mas o radiológico mostrou retenção na faringe e pequena quantidade de contraste na laringe e traquéia (Fig. 3). Retenção de alimento na hipofaringe no teste com pão. Havia hipotonia faríngea. O quinto paciente, idoso, tinha disfagia desde há 2 anos e sentia a garganta desviar-se para a direita ao deglutir. Havia estase de saliva no seio piriforme esquerdo e paralisia da corda vocal do mesmo lado. O exame do pescoço e a laringocospia indireta mostraram rotação da laringe para a direita. Endoscopia e radiografia nada revelaram. Havia hipertensão do ESE à EMM. A laringe ascendia 1 cm e desviava-se para a direita à palpação. Um outro paciente (sexto), de 76 anos, apresentava disfagia desde há 2 anos. O único exame positivo foi o teste de ascensão da laringe (ausência de movimento). O exame eletromiográfico revelou degeneração nervosa senil nos músculos suprahióideos ascensores da laringe.

COMENTÁRIOS

Desde há cerca de 12 anos estamos estudando problemas referentes ao esfíncter faringoesofágico ou superior do esôfago e nos últimos 7 anos temos avaliado portadores de disfagia envolvendo o segmento bucofaríngeo da via digestiva. Neste trecho, estão a cavidade oral, a faringe e o esfíncter superior do esôfago. Nestes anos, número não desprezível de indivíduos, apresentando disfagia alta, tem sido vistos por nós. Destes, um grupo de 15 pacientes foi selecionado para apresentação. A divisão destes indivíduos em 3 grupos foi feita em função da experiência vivida trabalhando com um sintoma que pode ser resultante de grande número de doenças, nem todas as causas de disfagia estiveram presentes em nossa casuística. O presente trabalho teve que limitar-se à apresentação geral, reservando-se para publicação posterior detalhes de casos clínicos interessantes e de métodos e técnicas disponíveis para diagnóstico.

No primeiro grupo, foi necessário dar mais informação sobre os casos para melhor compreensão dos quadros, o que não foi feito em relação aos outros 2 grupos. Neste primeiro grupo, as pessoas tiveram avaliação inicial especial que visou conhecer aspectos afetivos e emocionais que poderiam, suspeitava-se, estar por trás da disfagia. A entrevista objetivou avaliar o indivíduo como um todo e não apenas seu problema de saúde. Ao mesmo tempo, procurou-se explicar a cada um o mecanismo da deglutição e o efeito da tensão emocional sobre este segmento da via digestiva. Todo indivíduo adulto, aliás, já experimentou mais de uma vez na vida, a sensação de aperto na garganta quando sob intensa emoção. Esta experiência prévia deve ter favorecido a compreensão e agido no sentido de o paciente acreditar na explanação. Com esta avaliação, os 5 pacientes relatadas apresentaram surpreendente desaparecimento dos sintomas poucas horas após, alguns com ajuda de droga ansiolítica, usada uma única vez. O fenômeno subjacente à disfagia é, provavelmente, a hipertonia acentuada do MCF, produzindo a sensação de bola na garganta ou de disfagia, dependendo da intensidade da contração. Embora existam controvérsias sobre a origem orgânica ou psíquica do sintoma bola na garganta e sobre a existência ou não de hipertonia (10), nossa experiência fala a favor da obstrução mecânica de origem psíquica. Na revisão da literatura, encontramos apenas um relato parcialmente semelhante ao nosso (11).

Um outro grupo foi constituído em função das diversas lesões gastroesofágicas associadas à disfagia. Sabe-se que esofagite e refluxo gastroesofágico podem levar à hipertonia do ESE. Hérnia de hiato, por sua vez, está associada a refluxo. Alterações gástricas, tais como aumento da secreção de suco gástrico, distensão gástrica por deglutição de ar e esvaziamento gástrico alterado, também parecem favorecer o refluxo e indiretamente, levar à disfagia. Agrupamos, ainda 6 pacientes com disfagia cujo fator etio1ógico comum, déficit muscular, pôde ser verificada e cujas ctiologías foram identificadas em alguns deles. Alterações musculares por doenças conhecidas, tais como doença de Parkinson, miastenia gravis, distrofia oculofaríngea e outras podem levar à disfagia (12). Doenças mentais, desnutrição, degeneração senil da musculatura, fibrose do MCF são outras tantas causas de disfagia. Em muitos pacientes, a disfagia aparece como sintoma isolado, os demais sinais e sintomas sendo dependentes dela. Em alguns pacientes há história de disfagia súbita, de instalação abrupta, com eventual melhora posterior, sugerindo possível acidente muscular cerebral localizado (bulbar).

O tratamento destes quadros vai depender da doença de base. Se de fundo emocional simples, psicoterapia e drogas ansiolíticas, se de origem gastroesofágico ou neurológica o tratamento específico, obviamente, fica por conta dos especialistas. Quando não há fator causal identificável, a miotomia do MCF é uma solução, não muito eficaz porém, nas paralisias faríngeas. Também, pode-se fazer orientação para dieta que seja melhor deglutida (fracionada, pastosa, morna etc). posturas de cabeça que favoreçam a deglutição é evitem aspiração, conscientização do ato de deglutir e respirar e outras medidas ajudam a garantir boa alimentação sem as complicações da broncopneumonia aspiratíva e outras intercorrência: Combate-se o medo à aspiração, que agrava o problema disfágico. Procura-se, enfim, garantir boa qualidade de vida dentro do possível.

O estudo da disfagia alta foi realizado durante décadas por otorrinolaringologistas, gastroenterologistas e por outros especialistas. Ultimamente, entretanto, trabalhos publicado
na literatura ORL internacional a respeito têm escasseado. Patologias esofagogástricas, atingindo grande número de indivíduos, estimularam o desenvolvimento e criação de equipamentos, métodos e técnicas de investigação. A necessidade de equipamentos custosos para a exploração de número bastante inferior de casos de distúrbios faríngeos e esfincterianos pode ter sido fator de desestímulo, a otorrinolaringologistas. Ao mesmo tempo, progressivamente outros especialistas ampliaram sua atuação e passaram a dar maior atenção ao segmento faringoesofágico da via digestiva. Isto teria reduzido a importância da participação do otorrinolaringologista. Se isto é verdadeiro, não é possível saber, mas nós julgamos que a Otorrinolaringologia ter papel importante na investigação da disfagia alta, era conjunto com gastroenterologistas, psiquiatras e radiologistas.

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* Professor Assistente Doutor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
** Professora Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Onivaldo Bretan, Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. FAX: (0149) 22-0421. CEP 18618-000 - Botucatu - São Paulo.

Artigo recebido em 25 de agosto de 1995.
Artigo aceito em 30 de setembro de 1995.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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