ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2184 - Vol. 62 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1996
Seção: Relato de Casos Páginas: 154 a 162
Infecção por "Paracoccidioides Brasiliensis" com Manifestações Orais e em Lóbulo Auricular, Controladas por Ketoconazol.
Autor(es):
Ivan Dieb Miziara *
Alex Shin Yamamoro **

Palavras-chave: Micose, cavidade oral, orelha

Keywords: Micosis, oral cavity, ear

Resumo: Os Autores apresentam um caso de paciente de hábitos urbanos portador de infecção por Paracoccidioides brasiliensis, com comprometimento de região de palato mole e de lóbulo auricular, sendo este último uma localização incomum dentre as manifestações desta patologia. O diagnóstico foi realizado por exames micológicos direto de raspado, tanto de lesões de mucosa oral como de lóbulo de orelha. Submetido a tratamento com ketoconazol (Nizotal®), evolui com remissão completa de lesões, tanto orais como cutâneas.

Abstract: The authors present a case of a urban patient with infection of Paracoccidioides brasiliensis, who had soft palate and auricular lobule manifestations. The last one is an uncommon site among all different localization found in this kind of pathology. The diagnosis was done using dirett micologic examinations from specimens obtained from lesions of oral mucosa and auricular lobule. It was treated with Ketoconazol (Nizoral®) and presented complete remission of the oral and cutaneous lesions.

INTRODUÇÃO

As infecções por Paracoccidioides brasiliensis são subagudas ou crônicas, sendo excepcionais as manifestações fulminantes que evoluem para óbito (1).

Esta patologia se distribui por toda a América ao sul do México. O fungo vive saprofiticamente no solo, sendo as vias de pentetração pulmonar e cutâneo-mucosa (2).

Clinicamente, os pacientes apresentam manifestações cutâneas variadas e polimorfas. Em nível mucoso, iniciam-se por pápulas, evoluindo para lesões ulceradas ("estomatite moriforme de Aguiar Pupo"). Pode existir manifestação ganglionar, única ou concomitante a lesões tégumentares ou viscerais. É frequente a presença de lesões de órgãos, como pulmão, intestino, baço, fígado, glândulas adrenais e sistema nervoso central (3).

O diagnóstico é realizado através da demonstração do fungo nas lesões por amostras de raspados ou material purulento obtido das lesões (4). Observa-se a presença de células redondas, com freqüentes formas em reprodução. Podem ser realizados estudos semelhantes com amostras de escarro. O diagnóstico também pode ser realizado com o material obtido por biópsias coradas por hematoxilinaeosina. O estudo sorológico é útil tanto para o diagnóstico, como para o prognóstico da infecção (5).



Fig. l - Lesão granuloatatosa em lóbulo de orelha - paracoccidiodomicose.



Fig. 2 - Lesão granulotnatosa em palato - paracoccidiodonticose.



RELATO DE CASO

A.S., 12 anos, sexo feminino, deu entrada no serviço de ambulatório de ORL da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, referindo que há dois meses vinha apresentando lesões em crostas na região do lóbulo da orelha direita, após "colocação de brinco". A lesão evoluiu com aumento progressivo, associado a prurido local, e tinha caráter indolor (Fig. 1). Não apresentava história epidemiológica de interesse, corm hábitos apenas urbanos desde o nascimento.

Há cerca de 45 dias, junto com o quadro auricular, passou a apresentar lesão na região do palato mole, de piora progressiva, evoluindo com disfagia e odinofagia (Fig.2). Negava qualquer manifestação de febre ou quadros sistêmicos associados.

Frente aos aspectos granulomatosos da lesão, a paciente foi submetida a vários estudos laboratoriais, sendo medicada apenas sintomaticamente. Os estudos laboratoriais revelaram: sorologias para Lues (VDRL/FTABS) negativas; sorologia para Toxoplasmose negativa; sorologia para cito megalovirose negativa; hemograrna normal; PPD negativo, RX de tórax normal e o exame mitológico direto do lóbulo da orelha positivo para Paracoccidioides brasiliensis. O resultado foi confirmado através de exames de imunodifusão positiva para o fungo e com contraeletroimunoforese assinalando frações de 1/64.

Em etapa posterior, foram realizados exames de função hepática e introdução de ketoconazol em dose de 400 mg por dia. Apresentou remissão completa das lesões orais e cutâneas após seis meses de utilização da medicação (Fig. 3 e 4).

A paciente vem sendo mantida com a mesma medicação e avaliação periódica da função hepática. Após a remissão das lesões, não apresentou recidivas ao acompanhamento ambulatorial por três meses.

DISCUSSÃO

O caso clínico em questão possui interesse especial pelo fato de não apresentar dados epidemiológicos que pudessem sugerir infecção pelo Paracoccidioides brasiliensis. Como se sabe, este fungo acomete frequentemente pacientes provenientes de áreas rurais, sendo o meio de contaminação controverso. Entre as hipóteses, a mais aceita é a de inalação do fungo ou contaminação direta através de gravetos de plantas (2).

Embora a fornia comum da via de infecção não possa ser de todo afastada, o fato da paciente afirmar peremptoriamente que as lesões surgiram após "a colocação de brinco" no lóbulo auricular, isso leva-nos a interrogar acerca da possibilidade deste modo de contágio, o qual, sem dúvida, é extremamente raro. Há que se estudar com mais cuidado a possível disseminação do fungo no meio urbano.

Outro dado, que deve chamar a atenção do otorrinolaringologista, diz respeito ao sítio de acometimento das lesões. O palato é local frequentemente atingido, enquanto as lesões da pele do lóbulo auricular costumam ser levadas usualmente aos cuidados do dermatologista (1). Vale lembrar que a paciente apresentava radiografia torácica normal, sem as clássicas lesões em "asa de borboleta", o que, ainda que não seja fato raro, acarreta dificuldade diagnóstica.

Neste aspecto, não custa ressaltar, frente aos otorrinolaringologistas, a facilidade e precisão de exame simples, como o estudo mitológico direto. Quando realizado por mãos hábeis e experientes, seus resultados são brilhantes e conclusivos.


 
Fig. 3 e 4 - Remissão completa das lesões com uso de ketoconazol



Quanto ao diagnóstico diferencial, impõe-se afastar a presença de doenças como a tuberculose (embora sejam raras as lesões orais), a lues (que, apesar de não se apresentar neste caso em seu aspecto clássico, é doença multiforme) e a Leishmaniose (que possui aspecto clínico diverso).

Em relação ao tratamento, não custa ressaltar a eficácia dos imidazóis (fluconazol, ketoconazol e itraconazol), quando comparado às sulfas6. Apesar do custo. do ketoconazol ser maior que o tratamento por sulfas, essa droga apresenta boa aderência ao tratamento. A regressão das lesões produzidas pelo antifúngico é muito mais rápida e acentuada que com as sulfas. Desde que se mantenha controle rigoroso sobre a função hepática, acreditamos que ela é hoje a droga de escolha, juntamente com o itraconazol, para tratamento da paracoccidiodomicose.

O esquema terapêutico advogado para tratamento da paracoccidioidomicose com ketoconazol deve consistir em tomadas de 400 mg por 30 dias, com diminuição da dose para 200 mg após este período, por prazo de 2 anos. Pode ser reintroduzido ou ter as doses aumentadas até 800 mg em casos de resistência7.


CONCLUSÕES

O presente caso mostra uma paciente de zona urbana, sem dados epidemiológicos evidentes, portadora de blastomicose sul-americana. A via de contaminação, pouco usual, serve para alertar os otorrinolaringologistas para modos diferentes de disseminação da doença.

A importância de exames diagnósticos simples, como o micológico direto, além do uso eficaz do ketoconazol, são outros dados relevantes que merecem a atenção dos especialistas.


REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA

1. Restrepo, A.M. Paracoccidioides Brasiliensis. In Principies and Practice of Infectious Diseases, V.2, p.2386-9, Churchill Livingstone, N.Y., 1995.
2. Franco, M.; Lacaz, C.S.; Restrepo, A.M.; Dei Negro, G. In Paracoccidioidomycisis, p.373-87, CRC Press, Boca Raton, 1994.
3. Bogliolo, L. South American blastomycosis (Lutz's disease). Arch. Dermatol. Syph., v61, p.470, 1950.
4. Page, L.R.; Drummond, J.F.; Daniels, H.T.; Morrow, L.W.; Frazier, Q.Z. Blastomycosis with oral lesions. Oral Surg., v47, p.157, 1979.
5. Bell, W.A.; Gamble, J.; Garrington, G.Fr. North American blastomycosis with oral lesions. Oral Surg., v28, p.914, 1969.
6. Del Negro, G. Ketoconazole in Paracoccidioidomycosis. A long term therapy study with prolonged follow up. Rev. Inst. Med. Trop. S. Paulo, v.24, p. 27, 1982.
7. Gomes, M.C.O. Tratamento da Paracoccidioidomicose com Ketoconazol. Rev. Inst. Med. Trop. S. Paulo, v.25, p.27, 1983.




* Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
** Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Artigo recebido em 02 de agosto de 1995.
Artigo aceito em 02 de outubro de 1995.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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