INTRODUÇÃODentro do planejamento terapêutica do paciente portador de neoplasia maligna de cabeça e pescoço, a atitude em relação aos linfonodos regionais é sempre a que gera mais divergências entre os autores. Isto decorre da multiplicidade de variáveis que devem ser consideradas quando se decide sobre a natureza e intensidade de uma arma terapêutica visando o controle da doença metastática regional.
Existem poucas divergências quanto à preferencia do tratamento cirúrgico para as metástases linfáticas mas, está sempre presente a discussão sobre a extensão da cirurgia sobre as cadeias linfonodais. Isto é particularmente atual,. pois existe tendência crescente à indicação de esvaziamentos cervicais parciais seletivos no tratamento do carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores. Que cadeias devem ser rotineiramente removidas e quais podem ser eventualmente preservadas sem sacrifício da radicalidade oncológica? Que paciente (e em que condições) poderia beneficiar-se de tratamento menos extenso mas que ofereça taxas de recidiva e de sobrevida equivalentes? Desta forma, um dos parâmetros importantes nesta avaliação é o conhecimento do padrão e do comportamento das metástases linfáticas para melhor adequação da intervenção cirúrgica a cada paciente e vários autores têm procurado estudar o padrão de metastatização do carcinoma epidermóide da laringe e da hipofaringe (1-6).
De maneira didática, poderemos dizer que o desenvolvimento da doença metastática depende basicamente de seis condições: 1) do local onde a neoplasia se origina e para onde esta se estende; 2) das características anatômicas e histológicas destes locais; 3) da capacidade do hospedeiro em manter a neoplasia confinada ao seu local de origem; 4) das características da neoplasia e de sua capacidade de invasão; 5) da capacidade das células tumorais de sobreviverem à exposição de eventos desfavoráveis durante o trajeto entre a lesão primitiva c a estrutura alvo da metástase; 6) da existência de condições adequadas à proliferação da célula tumoral no tecido alvo. Entretanto, devemos não perder de vista a consciência de que estes fatores são apenas pálido e resumido reflexo do que se passa ao nível da biologia e da bioquímica da célula tumoral e ao nível genético e imunológico do hospedeiro.
O carcinoma epidermóide de região supraglótica ou da hipofaringe é considerado lesão com alto potencial metastático e é de grande interesse que se possa predizer quais são as cadeias envolvidas pela neoplasia antes de sua expressão clínica.
MATERIAL E MÉTODONo período de 1981 a 1988, no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo, Brasil, foi conduzido trabalho prospectivo envolvendo 173 pacientes submetidos à laringectomia ou faringolaringcctomia e esvaziamento cervical completo. A distribuição, segundo a sede da lesão primitiva, mostrou predomínio das neoplasias da laringe e, destas, aquelas com extensão transglótica foram as mais freqüentes: supraglote - 25 casos (14,0%), transglótico - 74 casos (43,0%) e a hipofaringe também com 74 pacientes (43,0%). A Tabela I mostra a distribuição destes casos segundo a variável N da classificação TNM (UICC, 1987). Todos os pacientes tiveram seguimento mínimo de 42 meses.
A peça do esvaziamento cervical foi dissecada a fresco no próprio centro cirúrgico por um dos integrantes da equipe que realizou o ato operatório e os linfonodos eram dissecados, medidos, identificados e separados por cadeias. Este material foi levado ao exame anatomopatológico e os resultados representam a base deste estudo.
RESULTADOSNeste estudo, dos 88 casos N0, em 65 pacientes a neoplasia estava situada na laringe e em 23 estava sediada na hipofaringe. Destes casos, o exame histopatológico da peça operatória mostrou 21,5% de linfonodos positivos nos pacientes com tumores laríngeos e 43,5% para os casos com carcinoma na hipofaringe. A cadeia da veia jugular interna, principalmente no seu nível superior, esteve quase sempre envolvida nestes casos. Não foi localizada nenhuma metástase na fossa supra-clavicular, nem nas cadeias paratraqueais. A Tabela II apresenta a distribuição dos casos N0 segundo a sede da lesão primária e a localização da metástase. Somente os linfonodos da cadeia da veia jugular interna e pré-tiroidiana exibiram comprometimento isolado e todas as demais só estiveram comprometidas em concomitância com os linfonodos jugulares.
Em 18 pacientes com tumores laríngeos classificados como N1, 77,7% dos casos apresentavam metástases confirmadas histologicamente e a cadeia jugular estava comprometida em todos estes casos. A cadeia jugular no seu nível inferior nunca foi atingida isoladamente e os linfonodos paratraqueais estiveram sempre livres de neoplasia. Os pacientes portadores de neoplasia de hipofaringe e estadiados como N1 somaram também 18 casos e todos (94,4%), exceto 1, apresentavam linfonodos metastáticos e igualmente a cadeia jugular foi sempre a preferencialmente atingida (Tabela III).
A Tabela IV mostra a distribuição dos 38 casos classificados como N2 e em 35 deles foi localizada existência de pelo menos um linfonodo metastático, totalizando 92,1%. A cadeia jugular foi uma das cadeias invadida em 97,1% dos casos positivos. Os linfonodos para-traqueais e contralaterais só estiveram envolvidos em concomitância do comprometimento da cadeia jugular.
Os pacientes classificados como N3 são em menor número porque esta casuística é formada por casos que eram todos passíveis de tratamento oncologicamente completo e os casos irressecáveis ou que a cirurgia deixou lesão residual foram excluídos. Em todos os casos classificados como N3, o exame histopatológico foi positivo para metástases (Tabela V).
O envolvimento dos linfonodos contralateraís, confirmado histopatologicamente, foi observado em 18 casos sendo que 12 eram portadores de neoplasia do seio piriforme e 6 apresentavam lesões primitivas da laringe. Entre estes pacientes 2 vieram a apresentar recorrência em linfonodo contralateral no primeiro ano de seguimento. Durante o seguimento, mais 21 casos (não submetidos a esvaziamentos bilaterais) vieram exibir doença contralateral: 14 com lesão primitiva do seio piriforme e 7 com lesão primitiva da laringe. Entre estes 21 pacientes, a recorrência contralateral era a única manifestação da doença em 12 casos.
DISCUSSÃOO estudo do padrão de metastatização linfática pode servir de guia para a padronização do tratamento cirúrgico dos linfonodos metastáticos cervicais no câncer da laringe ou da hipofaringe. Entretanto, esta padronização terá maior aplicabilidade nos casos onde as metástases ainda não podem ser clinicamente detectadas, isto é, nos casos N0.
Neste estudo, preferimos a referência das cadeias envolvidas segundo a denominação anatômica (7), pois, na nossa opinião, ela é de mais fácil compreensão do que a distribuição por níveis (I-VI) que, por serem conceituais, podem gerar dificuldade na uniformização dos resultados e que se prestam mais à avaliação de prognóstico (enquanto níveis de progressão da doença) do que ao estudo da história natural destas neoplasias, que é o objetivo deste trabalho.
O exame da Tabela II mostra que a maior ocorrência de casos falso-negativo é observada nos pacientes portadores de carcinomas da hipofaringe (43,5%). São estes pacientes que merecem avaliação mais minuciosa se houver, por parte do médico assistente, a intenção de realizar cirurgia menor diante da inexistência de linfonodos palpáveis suspeitos. Entre os pacientes classificados inicialmente como N0, os linfonodos positivos estavam situados em mais de 90,0% dos casos ao longo da cadeia jugular e apenas raramente outros grupos de linfonodos estavam comprometidos isoladamente. Apenas em um paciente portador de uma neoplasia primitiva da hipofaringe foi observado envolvimento contralateral e este estava associado a um linfonodo jugular homolateral.
Os demais pacientes classificados em estádios mais avançados repetem estes achados e reforçam a necessidade de intervenção com finalidade terapêutica ou diagnostica sobre os linfonodos cervicais, principalmente no carcinoma de hipofaringe. A cadeia jugular interna pode ser considerada cadeia sentinela, pois raramente ela é poupada quando existe disseminação regional e as demais cadeias geralmente só são atingidas quando a neoplasia atinge a cadeia jugular. Os linfonodos para-traqueais foram sempre dissecados bilateralmente, mas o exarne anatomopatológico não encontrou nenhum metastático nos casos classificados clinicamente como N0 e em nenhum paciente onde apenas a supraglote estava envolvida. Os poucos casos com linfonodos positivos ao longo das cadeias recorrenciais eram de lesões transgióticas ou de seio piriforme e com envolvimento de outros grupos de linfonodos.
É sempre desejável que se proceda à exploração da cadeia jugular contralateral, principalmente nos tumores da supraglote e da hipofarínge que se aproximam ou que atingem a linha média. Nesta casuística, encontramos 18 (10,3%) casos com comprometimento contralateral mas destes, apenas 1 era classificado como N0. Considerando o total de envolvimento contralateral (na peça cirúrgica e desenvolvido durante o seguimento), tivemos 26 casos (35,1%) para as neoplasias do seio piriforme e 13 pacientes (13,1%) cuja lesão primária estava assestada na laringe. Estes dados sugerem a necessidade de se praticar a exploração intra-operatória da cadeia jugular contralateral ou mesmo esvaziá-la cletivamente, principalmente nas lesões primitivas do seio piriforme.
CONCLUSÕES1. Nos pacientes com carcinoma do seio piriforme ou da laringe quando a região supraglótica está envolvida, o comprometimento metastático linfonodal ocorre principalmente na cadeia jugular e as demais cadeias raramente são atingidas isoladamente.
2. Os linfonodos contralaterais são comprometidos em porcentagem elevada e devem ser explorados ou removido eletivamente durante o ato operatório.
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7. ROUVIÈRE, H. - Anatomie des lymphatiques de l'homme. Masson et Cie, Èditeurs. Paris. 1932 489p.
* Chefe do Serviço.
** Coordenador do Curso de Pós-graduação.
Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis. Rua Cônego Xavier, 274 - Sacomã, CEP: 04231-030 - São Paulo, SP. Brasil. Telefone: 914-0325 - 274-7600 (ramais: 173 e 216). Fax: 273-9016.
Autor reponsável: Marcos Brasilino de Carvalho, Praça Amadeu Amaral, 47, cj. 82; CEP 01327-010 - São Paulo, Brasil; Telefone: (011) 884-4595, 287-4347.
Artigo recebido em 30 de outubro de 1995.
Artigo aceito em 12 de dezembro de 1995.